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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 24 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (60)

                                         
                                                      Rangel Alves da Costa*


Que coisa terrível a vida dessa mocinha. Ficava cada vez mais triste porque não encontrava qualquer motivo para um pouco de felicidade, de alegria no coração. Vida que se consumia no desvão da janela, na desvalia da lágrima, no nada acontecer.
Permaneceu mais de uma semana assim. Dias angustiantes, horas mortificantes, minutos massacrantes. Verdade é que nesse passo tanto fazia o tempo correr ou como permanecer como ontem, como o mesmo de sempre.
Depois do décimo dia não restava mais verdor algum nas plantinhas debaixo de sua janela. E cada vez que olhava naquela direção e encontrava tanta desolação ao redor, então não conseguia conter as lágrimas. Era esse o percurso.
Daí em diante passou mais de mês sem ter coragem de lançar o olhar naquela direção. Saía porta afora, caminhava ao redor, entrava no mato para ver se distraia, mas evitando sempre procurar saber como estava o seu pequeno jardim.
Se no sonho disseram que o verdor e a formosura daquelas plantinhas dependiam do seu estado de espírito, do seu jeito harmonioso na vida, da busca constante de contentamento e alegria, então tudo talvez já estivesse ressecado, perdido a seiva e a cor, e morrido.
E não foi diferente. Quando teve coragem para chegar mais perto e sentir a real situação, quase cai pra trás desmaiada. Não acreditou no que via. Estava ali a confirmação da palavra dita, da voz alertando sobre a escolha entre a tristeza e o prazer pela vida e por tudo ao redor.
Plantinhas ressequidas, pequenos gravetos, restos se dobrando e algumas já estiradas no chão. Como jardim que passa muito sem água, como planta que sofre o esquecimento, como flor sem o gesto cuidadoso, agora tudo era um resto sem vida.
No mesmo instante quis correr para ver se as outras debaixo do carro de boi também estavam assim, devastadas. Não teve coragem para tanto. Temia encontrar o pior. Contudo, o pior nem seria a morte do pequeno jardim, daquelas plantinhas esverdeadas por cima do montinho de terra, mas do que poderia acontecer além disso.
Não deixava de imaginar que um milagre havia transportado os restos mortais do menino até ali. Estando ali a mesma terra que encobria a cova, não poderia pensar diferente. Se a terra havia feito aquela viagem, então os restos do amiguinho teriam acompanhado.
E o seu pequeno jardim sumisse, morresse, talvez significasse também a partida de vez do menino. E tal fato seria impensável de acontecer. Não podia viver com mais essa culpa pelo resto da vida. Mas fazer o que?
Decidiu que não iria mesmo até o carro de boi. Até se esforçava para não olhar naquela direção. O que fez foi correr pra dentro de casa e voltar com uma cuia d’água, numa desesperada tentativa de reanimar suas plantinhas.
Despejou a água vagarosamente, cuidadosamente, e até teve vontade de continuar ali para ver o que iria acontecer. Mas não adiantava. Se ainda houvesse alguma sobrevida, isso somente iria ser percebido muito mais tarde, nos dias seguintes.
Entrou em casa resolvida a mudar aquela situação de qualquer jeito. Talvez o sonho, ou a voz no sonho, estivesse com plena razão. Ainda jovem como era, ainda cheia de vida, não podia continuar agindo daquele jeito. Era entregar os pontos antes de tempo e sem ter motivo algum para tal.
Não sentou diante da janela, não se fechou em si mesma, não abriu um buraco para entrar. Tomou um banho, se pôs diante do espelho, olhou novamente o seu corpo como há muito não fazia. Sentiu-se bem, se achou bela, belíssima. E sorriu. Deu um belo sorriso.
E se vestiu de deusa. Uma deusa vestida de chita, com um paraíso abaixo do véu no semblante e uma indisfarçável dúvida no olhar. Até quando continuaria se sentindo assim tão bem?
Continua...    


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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