SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (61)


                                               Rangel Alves da Costa*


Nos dias seguintes, procurou ter o mesmo esmero no se ajeitar e no vestir. Evitava sentar na cadeira de balanço porque sabia que olhando adiante, através da janela, era certeza de rebuscar lembranças e recordações. E tudo que trazia entristecimento.
Todos os dias, logo cedinho, fazia respingar água sobre o seu pequeno jardim debaixo da janela. Contudo, fazia a água cair sem olhar pra baixo, evitando assim se deparar tudo destruído de vez. Fazia isso na esperança de qualquer dia poder encontrar o renascimento, uma florzinha apenas diante do seu olhar.
Assim, não olhava as plantinhas logo adiante, ou o que ainda restava delas, e muito menos aquelas debaixo do carro de boi. Estas estavam como provisoriamente esquecidas até que a coragem permitisse que fosse até lá e descortinasse tudo de vez. Tanto era assim que saía pelas redondezas e nem olhava para aquele lado próximo ao carro.
Pensava que estava fazendo a sua parte como deveria. Estava evitando lágrimas e entristecimentos, cotidianos aflitivos e angustiantes, dores e sofrimentos que buscava para se atormentar. Tentava ser outra, apenas mulher e vivendo o seu cotidiano como deveria fazê-lo.
Verdade é que ainda lhe faltava o principal. E isto reconhecia sem medo. Faltava encontrar alegria de verdade, um contentamento verdadeiro, uma vida que lhe desse prazer e satisfação. Aí sim, tudo seria diferente, pois sabia que tudo aquilo que agora procurava fugir era fruto desse impossível encontro. O encontro com a satisfação física e espiritual.
Um dia acordou e não fez outra coisa senão ir até fora de casa e correr pra debaixo da janela. E foi já ciente de que não se abalaria com qualquer situação que encontrasse. Ao menos encontrou essa boa determinação. Se tudo já tivesse voltado a verdejar e a crescer novamente, então teria certeza que estava no caminho certo.
Mas se tudo estivesse esturricado e morto, então não haveria outro jeito senão esquecer que aquelas plantinhas um dia existiram e remover a terra e trabalhá-la carinhosamente para fazer outra plantação. E com mudas trazidas do pequeno jardim debaixo do carro de boi. Não havia coisa melhor a fazer. Pensou.
E avistou apenas uma plantinha. Estranhamente, mas das outras não restava nada. Até parecia que jamais nasceram ali, pois nenhum sinal de mato pelo chão, nenhum gravetinho ao redor, nenhuma folhinha seca. Nada. Era como se ali existisse somente aquela plantinha que crescia saudável. E pronto.
Encantou-se tanto com essa plantinha que nem se pegou a imaginar porque as outras não tiveram a mesma sorte. Essa que crescia já possuía folhas formadas e não demoraria em fazer brotar sua tão desejada flor. Quem dera se crescesse muito, se tornasse como bela roseira e fizesse surgir muitas flores.
Mas sabia que isso era impossível. As plantas floridas dali tinham tamanho certo de crescimento. Não havia outra terra senão a agrestina, cujo solo virgem só estava preparado para as flores do campo, de pouco crescimento e florzinhas miúdas. Por isso mesmo que não podia esperar muito, pois logo encontraria seu tamanho e gestaria tudo que teria direito.
Resolveu então que uma planta só era muito pouco para o que desejava. Ao redor desta plantaria outras mudas e quem sabe logo estariam verdejantes também, crescendo saudáveis para florir. E para tal não havia outro jeito senão ir até debaixo do carro de boi e recolher algumas mudas.
Antes de seguir até lá entrou em casa e voltou trazendo uma enxada para afofar a terra por ali e permitir que as mudas enraizassem mais rapidamente. Por cima do chão duro e da terra pobre, cavando somente o local de plantar a muda, dificilmente obteria um bom resultado. E depois ainda procuraria um pouco de esterco para alimentar seu pequeno jardim.
Assim que limpou a terra, deixou-a em ponto de receber as mudas, e levantou para ir até a outra plantação, começou a temer. Sentiu um medo terrível de reencontrar aquelas plantinhas que certamente eram de cima da sepultura do menino, seu amiguinho. E medo que a sua tristeza por tanto tempo sentida tivesse feito com que elas também morressem.
Mas foi assim mesmo. E ao chegar, logo abaixando para ver como tudo estava, seus olhos nada mais encontraram.
Continua...    


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: