SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de junho de 2016

AINDA RESTAM ALGUNS RESTOS


*Rangel Alves da Costa


Sorte a nossa que ainda temos um Murilo Mellins, um Raymundo Mello, um Jairo Alves de Almeida, um professor Vilder Santos, um Armando Maynard, e alguns outros ilustres sergipanos que continuam se preocupando com o passado aracajuano e sergipano e fazem do memorialismo, escrito ou radiofônico, uma salvaguarda do nosso tão belo e suntuoso relicário.
Não há relicário maior que a história de um povo, de uma cidade, revelando retratos antigos e costumes esvoaçados ao vento. Nas paredes do tempo, os instantâneos em preto e branco que não podem ser devorados pelo próprio tempo. Ou se busca sua preservação ou se nega as próprias raízes, pois a memória de um povo está na valorização do seu passado e seu contributo ao que de melhor ainda é avistado no presente. Mas somente com abnegação para não deixar que o descaso e o abandono apaguem tudo de vez.
Infelizmente, somente alguns se dão ao trabalho de afastar as traças em nome da preservação e, muito mais, fazer conhecer ou reencontrar o antigo sublime e majestoso. O professor Jairo Alves, por exemplo, a cada domingo nos coloca diante de imponentes coretos para que as fanfarras ecoem retretas de transbordar os saudosos corações. Talvez sequer não existisse mais a Aracaju antiga se não fossem os contínuos registros feitos por Murilo Mellins.
O professor Vilder possui tamanho aprofundamento na memória que mais parece já estar por aqui desde os tempos do velho e tenaz cacique Serigy. De tudo recorda, sabe de tudo, com esmero, em detalhes. Acaso pergunte como era os primórdios do Beco dos Cocos e seus arredores e a vida noturna de antigamente em cabarés como o Vaticano, Shangay e Miramar, Vilder é bem capaz de dizer nomes de cafetinas, cafetões e daquelas mulheres tão mais formosas e perfumadas do que muitas de agora.
Armando Maynard possui páginas na internet onde são possíveis diversas leituras acerca do nosso relicário histórico. Fotografias de antigas residências senhoriais, relatos sobre renomados radialistas, jornalistas, repórteres e apresentadores de palco televisivo. Costumes, tradições, festejos, sagrados e profanos, fatos e coisas que marcaram o percurso sergipano. Também informações sobre os antigos rendez-vous, os mais afamados, as orquestras que se apresentavam para uma sociedade endinheirada e ávida pelo cangote de falsa francesa.
Mas não é nada alentador a preocupação com a memória da cidade, com o seu passado, percurso e destino. Certamente que há mais entristecimento e comoção do que alegria perante o que ainda se mantém preservado. É que aquele que se preocupa com a memória da cidade infelizmente se sente como afetado por uma punhalada toda vez que a modernidade ou o anseio de lucratividade faz das relíquias históricas ou arquitetônicas um mero brinquedo de derrubar ao chão.
Neste sentido, verdadeiros absurdos são observados a cada dia. De um lado, de repente um antigo casarão ou sobrado deixa de existir pela voracidade habitacional da cidade, que a tudo derruba para o surgimento de prédios modernos. De outro, a incúria dos órgãos de preservação do patrimônio histórico que, após o tombamento, nem cuida nem deixa ninguém cuidar. A Rua da Frente é exemplo maior desse descaso oficial, pois muitas edificações tendem a desabar a qualquer instante pelo fato de estarem sob proteção federal.
E o que aconteceu com o antigo casarão que por muito tempo foi lar residencial e de poder da abastada família do usineiro Pedro Ribeiro e posteriormente abrigou a Federação da Agricultura de Sergipe, na Rua Capela esquina com Rua Geru, no centro da capital? Construção imponente, erguida para simbolizar a abastança familiar, após passou a ser utilizada com outras finalidades, mas sempre preservando grandiosa beleza arquitetônica nos seus dois andares. Com a saída da federação, os usos posteriores foram deteriorando os espaços até surgirem os primeiros sinais da fatal destinação.
Quando um muro foi levantado para impedir os acessos ao antigo casarão, as paredes antigas, tanto interiores como exteriores, já estavam em ruínas. Restava apenas uma placa dizendo “Casa da Agricultura”. Mas noutro dia passei por lá e me espantei com a cena, pois tudo já derrubado e no lugar da história a incerteza do novo. A culpa certamente não é do empresário ou construtor que o adquiriu, mas de quem caberia preservá-lo para uma útil destinação e acabou optando pela via do lucro imediato.
Mas ainda restam alguns restos. Felizmente sim, mas não se sabe até quando. Não fossem as falsas paredes de acrílico que encobrem muitas fachadas, ainda seria possível avistar antigas e belas formas arquitetônicas por todo o centro comercial, principalmente na José do Prado Franco e imediações e mais adiante, nas áreas dos mercados. Contudo, é na região dos mercados que se apresentam as fachadas vivas, suntuosas, testemunhos maiores de um tempo de nobreza aracajuana.
Ainda há tempo de preservar, de não deixar que a insaciável modernidade se arvore do direito de tudo destruir. O antigo pode muito bem acolher o novo sem ser destruído ou modificado nas suas formas. Os prédios da Associação Comercial e da OAB são exemplos dessa responsabilidade histórica. Ainda bem.


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Lá no meu sertão...


Cavalhada Mirim do Povoado Bonsucesso, município de Poço Redondo, no sertão sergipano. A criançada mantendo as tradições, o povo sertanejo valorizando sua cultura. Vida longa!





Um céu na boca


Um céu na boca

Um céu
um céu caído
caído na boca

no céu
a lua no lábio
a estrela no beijo

e na noite
de lua cheia
avisto o teu céu

na boca
beijo a lua
no teu lindo céu

e amando
vou além do céu
para o paraíso.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - Estou sem telefone. Fui assaltado no Forró Caju. E sem jamais ter ido lá.


*Rangel Alves da Costa


Em todo Forró Caju a bandidagem deita e rola. O centro da capital sergipana fica vulnerável demais aos bandidos, que aproveitam o barulho e a multidão para assaltar na festa e pelos arredores. E ontem, logo no último dia, entre 1:00 e 3:00 da madrugada, fui assaltado enquanto dormia. Aproveitando o fuzuê, um marginal veio pelo telhado e desceu no meu quintal. Entrou na casa e foi diretamente ao meu escritório. Remexeu na gaveta, encontrou 50 reais e uma carteira de cigarros, e levou. Deixou, porém, a carteira com documentos e cartões. Em seguida, foi ao meu quarto, percebeu que eu dormia sozinho numa rede, e logo cuidou de procurar junto a mim o celular. Encontrou e também levou. Acordei após as três e então percebi o ocorrido. No quintal, no telhado afastado e nas marcas de pés na parede a prova maior. Enquanto isso, a multidão delirava com o Safadão. E a bandidagem também.


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quarta-feira, 29 de junho de 2016

SOBRE OS BRAÇOS ABERTOS DO MANDACARU


*Rangel Alves da Costa


Escrevi um pequeno texto sobre os braços abertos do mandacaru e resolvi ampliá-lo. E por razões pessoais de um sertanejo que ama sua terra, sua paisagem, sua vegetação espinhenta e sedutora. Também porque além da catingueira, do sol devastador e da lua tão bela, há a vegetação cactácea que está por todo lugar: na beira da estrada, em meio à vereda, no quintal, nos descampados, dividindo espaço com os tufos de mato. Reconhecendo-se o mandacaru como a absoluta feição sertaneja.
De nome científico Cereus jamacaru, o mandacaru se adaptou de tal modo às condições climáticas da aridez sertaneja que ali fez casa e moradia, e se fez senhorio. Ademais, não só passou a conviver com o meio como se tornou imponente e majestoso, verdadeiro soberano do sertão. Porém, rei e guerreiro, humilde e atrevido. Seu porte altivo, seu corpo fino encoberto de espinhos pontudos, amedronta e acolhe ao mesmo tempo. Na sua flor e no seu fruto estão os modos de compartilhamento com os outros seres da natureza.
Não possui folhas nem copa, não é lugar bom para que o viajante se deite ao redor do seu tronco para descansar. É espécie solitária, paciente e esperançosa. Parece mesmo alheia a tudo o que acontece ao redor, seja sertão verdejante ou esturricado. Mas é sentimental, amorosa, cativante. E ai de se perguntar aos pássaros, abelhas e meninos sertanejos sobre tais características. Acaso fosse somente egoísta, indiferente e insensível, não daria os frutos que dá nem enfeitaria tanto a paisagem com suas flores maravilhosas.
 Os seus frutos e flores servem de alimentos para pássaros e abelhas sertanejas, mas também ao humano ávido por experimentar alimento diferente e tão colorido ou mesmo matar a fome quando de suas caminhadas sertões adentro. Os seus frutos surgem ao longo de seus braços, pendendo como bagas avermelhadas chegando ao violeta, de carne esbranquiçada misturada a minúsculas sementes. Já suas flores, nascendo nas partes superiores, são brancas com leves tons amarelados, mas podendo ser também avermelhadas. Ao primeiro sol da manhã, nada mais belo e encantador que avistar uma flor de mandacaru.
Sobre as flores do mandacaru, há de se dizer ainda de seu contraste com a própria planta. Enquanto o cacto possui resistência e longevidade, sua flor não dura mais que um dia de vida, ou menos que isso. Desabrocha ainda na noite, mostra-se toda imponente ao alvorecer, mas já começa a murchar após a forte claridade do sol incidir sobre suas pétalas. E murchando vai até cair. Mas sempre dando tempo para que o sertanejo aprecie e vele aquela beleza que se despede para o renascimento. E renascer na chuva, pois dizem que flor de mandacaru chama trovoada ao sertão.
Mas o mandacaru, cacto símbolo maior da terra e da vida de um povo, carrega em si outras simbologias verdadeiramente maravilhosas. Simboliza a permanência, a força, a esperança, a tenacidade, o suportar as agruras sem esmorecer ou definhar de vez. Simboliza a beleza, a majestade sertaneja, a demonstração da pujança na sua flor. Sim, pois mandacaru tem flor e não há flor mais bela que a do mandacaru. Ao alvorecer, quando toda mataria entristece de sequidão, a flor é avistada no alto ou nas pontas de suas mãos, de forma singela e esplendorosa, ávidas por um beijo do primeiro pássaro que surgir.
Simboliza ainda as vagas secas, a sequidão de gente e de bicho, a paisagem matuta no seu sofrimento. Quando tudo morre, quando tudo padece, quando tudo desesperança de vez, lá ele estará em meio ao tempo na sua altivez inabalável. E de braços abertos. Neste gesto a simbologia maior: a fé sertaneja. O mandacaru, sempre de braços abertos, levantados em direção aos espaços, erguidos rumo aos céus, representa a fé maior de todo o sertão. É um mandacaru ser sertanejo, como pessoa que roga, que pede e implora, que diuturnamente se mantém na mesma posição de clemência divina.
Neste gesto de prece, de clamor, de louvação, implorando que as chuvas logo caiam para diminuir o sofrimento de seu meio e de seu povo, silenciosamente faz sua invocação que sempre começa assim: Oh Deus de misericórdia, em nome de São José Sertanejo e Maria de Entre Nós, tende compaixão do homem, do bicho, do chão sofrido, da vida que queima, que sente fome e sede, que tanto espera de Ti um simples gesto em forma de pingo d’água. Fazei, pois, que, de pingo a pingo, o sertão renasça para a glória maior de seus filhos, estes devotos e penitentes pelos caminhos de tanta e toda fé...
Assim, chegando ao sertão e percebendo que se encontra num imenso templo de fé e religiosidade, o viajante não durará para encontrar candelabros espalhados por todo lugar. Ali os mandacarus de braços abertos em eterna louvação.


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Lá no meu sertão...


A beleza da vida sertaneja. Bastou chover um tiquinho e a natureza se fez imponente com verdores e belíssimos frutos. No sertão sergipano de Poço Redondo.




Teu e meu (Poesia)


Teu e meu


Teus são os olhos meus
meus são os olhos teus

teu é o meu sorrir suave
meu é o teu sorriso ave

teu é o meu coração amor
meu é o teu coração tão flor

teu é o meu corpo e tudo
meu é o teu corpo veludo

teu é o meu dizer te amo
meu é o teu dizer te chamo

teu é o meu eu no todo eu
meu é o teu tudo que me deu

e então meu amor entrego-me
e pleno do teu amor confesso-me.


Rangel Alves da Costa

Palavra solta - a feiosa no photoshop


*Rangel Alves da Costa


Credicruz: tem gente que fica tão irreconhecível em retoques de fotografias, limpando, clareando, deixando a pele em seda, que na rua se torna irreconhecível mesmo. Conheci uma “feiosa” que ficou uma belezura através do photoshop e depois queria porque queria que o espelho confirmasse sua beleza e juventude. Como não houve jeito, chorou tanto por três dias e três noites que ficou mais feia ainda. Moral da história: ou a pessoa é o que é, ou se mostra como realmente é, ou sempre será vista como seu avesso. E um oposto nada simpático.


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terça-feira, 28 de junho de 2016

O OUTRO


*Rangel Alves da Costa


E se de repente a pessoa deixa de ser quem é perante os demais, e até com consigo mesma? Não pela mudança de comportamento ou do jeito costumeiro de ser, mas por que passou a ser outra, porém sendo ela mesma.
Assim aconteceu...
Ele levantou e a primeira coisa que fez ao amanhecer foi registrar alguma coisa num pequeno caderno. Estranhou, porém, que o nome inscrito na capa não era o dele, mas outro totalmente diferente.
Talvez estivesse com o olhar ainda pesado do sono, foi o que pensou antes de jogar o caderno numa gaveta e sair do quarto. Não demorou muito e ouviu, vindo do outro lado do muro: “Seu Marcos, seu leite chegou”. Marcos, mas quem é Marcos, aqui não existe nenhum Marcos. Ele quase gritou, sem nada compreender.
Já adiante do portão, seguindo rumo aos afazeres cotidianos, a primeira coisa que ouviu foi: “Bom dia, Seu Marcos!”. Estava apressado demais para dizer que o seu nome não era nem nunca havia sido aquele. Aquilo já estava passando dos limites, imaginava cheio de indagações. Primeiro o caderno, depois a mulher do leite e agora o vizinho. Mas quem será esse Marcos?
Ao chegar numa repartição pública, a primeira coisa que a funcionária fez foi pedir seu documento de identidade. Tirou do bolso a carteira e logo estendeu sua identificação. E novo espanto ao ouvir: “Marcos de Almeida e Castro, é o senhor mesmo?”. Imediatamente respondeu: “Não, meu nome não é Marcos, é Paulo de Almeida Castro. A senhora deve estar enganada”.
“Desculpe, seu Marcos, mas eis a sua identidade com o seu nome, a sua digital, a sua fotografia, tudo. O senhor é que deve estar enganado com o tal Paulo que mencionou. O documento está claro: Marcos de Almeida Castro”. Sem saber mais o que fazer, ele retirou todos os documentos da carteira e jogou-os à mesa. E Marcos, Marcos, Marcos, em todos eles.
Largou tudo ali mesmo e saiu em correria da repartição. Não podia ser, aquilo não poderia estar acontecendo, dizia em voz alta enquanto chutava um muro do lado de fora. Foi quando avistou uma conhecida e saiu desesperado em sua direção. “Diga, por favor diga se eu estou maluco, diga se eu enlouqueci. Diga...”.
“Mas o que é isso Seu Marcos, o que aconteceu com o senhor para estar assim desse jeito. O que aconteceu, Seu Marcos?”. Mais uma, não, agora chega, isso já está virando brincadeira de péssimo gosto, resmungava após ter deixado para trás sua conhecida. Mas eu não estou maluco, eu não sou maluco. Meu nome não é Marcos, não é Marcos, não é Marcos. Nasci Paulo e vou morrer Paulo...
Completamente atordoado com a situação, já falava sozinho sem se importar com os olhares desconfiados em sua direção. Chegou praticamente correndo ao portão de casa, evitou falar com qualquer pessoa, e num instante já estava revirando tudo que pudesse revelar seu verdadeiro nome. Mas somente Marcos em tudo o que encontrava.
Já em total e terrível desespero, chorando, começou a abrir cartas e bilhetes, rascunhos de poesias, mas outro nome não encontrava senão o de Marcos. Gritou como grita o lobo angustiado na estepe. Gritou como grita o louco desejando a lua. Gritou como grita um ser tentando ser ouvido na sua desesperança.
Em seguida atirou-se num canto, colocou a cabeça entre as mãos, e chorou toda a dor encontrada. Quando mais refeito, porém ainda entre soluços, levantou e seguiu em direção à janela: Abriu-a, afastou as cortinas, se aproximou do umbral e, respirando profundo, mirou uma roseira em flor, e disse convicto: Que belo mamoeiro! Depois fechou os olhos e viu a tão conhecida roseira na mente. Ao reabri-los, falou: Minha roseira, como está tão bela.
Após, ali mesmo, dialogou em silêncio. E finalizou: Sou Paulo, sempre fui Paulo. Deixo que o mundo repare os seus próprios erros.


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Lá no meu sertão...


Sertanejo admirando a beleza de sua paisagem ribeirinha. Damião Rodrigues, lá de Bonsucesso, município de Poço Redondo, no sertão sergipano.



O passo e a pressa (Poesia)


O passo e a pressa


Um cágado
na lentidão da estrada
um pássaro
na rapidez da estrada
um só caminho
a mesma estrada
o pássaro chega
o cágado há de chegar

o homem caminha
não tem asas
não pode voar
tem o seu passo
sua medida de ser
sua medida de andar
então por que a pressa
se há tempo de chegar?


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a igreja e o pedido de perdão aos gays


*Rangel Alves da Costa


A mesma ladainha. Ontem, segunda-feira, li no G1: “Papa diz que a Igreja deve pedir perdão aos gays por tratamento no passado”. Contudo, tal declaração não possui efeito prático algum. Significa dizer nada, absolutamente nada sobre um tema que deve ser encarado perante a atualidade, e não pelo passado. A Igreja, através de sua santidade, deveria, isto sim, reconhecer os abusos do presente, dizer o que está sendo feito para combatê-los e apontar quantos sacerdotes efetivamente foram punidos pelas suas condutas pervertidas, suas pederastias, seus discursos preconceituosos e discriminatórios e, principalmente, por que a Igreja vem insistindo em tudo tratar às escondidas. Não basta pedir perdão aos gays do passado, mas também a todas as opções de gênero e de sexo do presente. Ao encobrir suas mazelas internas, permite que o homossexualismo prolifere no seio da igreja e pelo lado mais inaceitável que possa existir, que é aquele vitimando inocentes e indefesos, através de uma pedofilia crescente. Talvez a manchete mais correta fosse: “Papa diz que a Igreja lançou uma verdadeira cruzada contra sacerdotes pedófilos. Todos serão julgados e expulsos, além de terem os seus nomes divulgados”.


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segunda-feira, 27 de junho de 2016

NOTURNOS


Rangel Alves da Costa*


Já são mais de sete horas da noite. Um pouco mais. Depois de alguns poucos fogos do São João, agora o silêncio na rua nua, vazia, triste, sonolenta. Mas muito mais por causa da chuva do que qualquer outra coisa. Chuviscou o dia inteiro, e agora a chuvarada se fez mais forte. Sempre acontece assim ao anoitecer dos invernos e dos dias de nuvens prenhes.
Ouço a chuva lá fora enquanto escrevo. Nunca faço assim, pois busco o maior silêncio possível enquanto rabisco pensamentos e memórias, mas hoje me vejo dividido em dois sons diferentes: da chuva descendo lá fora e da música clássica chegando da vitrola na estante logo atrás. A chuva ora mais forte ora mais fraquejante, a música apenas ouvida, baixinha, como se estivesse distante.
Contudo, impossível escrever em meio à chuva e à música clássica. Tal receita é, comprovadamente, perigosa demais aos sentimentos. Chuva e música invadem o âmago, o espírito, a alma, como se desejassem possuir o ser inteiro. Seus acordes fazem voar, fazem chorar, fazem sorrir, fazem delirar. Seus suaves ecos trazem nostalgias, recordações, lembranças vivas e tantas outras que ressurgem para afligir.
Na noite, os pingos caindo, a rua molhada, o asfalto negro em espelho d’água, a ternura jamais imaginada noutro instante do dia. A rua da velocidade, do barulho, da gente passando, da gente correndo, da algazarra do dia a dia, se transforma em sentimentalista assim que chove cai. As portas fechadas, as pessoas recolhidas, os caminhos vazios, tudo faz aumentar a sensação de uma paz aflitiva, de uma meiguice dolorosa, de uma alegria entristecida.
A chuva na noite tem o dom de provocar tudo isso. Como uma doença que sempre desperta após o entardecer, assim as sensações afloradas quando a chuvarada começa a cair debaixo do negrume da noite. Sem lua, apenas a luz amarelada dos postes refletindo os pingos que caem, não há olhar que não se faça poeta, não há coração que não se aflija, não há pensamento que não se encha de recordações. E todo o ser se entrega à magia do noturno molhado, se derramando na rua e escorrendo por toda a alma.
A chuva em si já é melodia. Através dela ouve-se a sonata, a sinfonia, o prelúdio, a valsa vienense, o piano em viagem pelos ares, o violino em voo distante. Na rua molhada um grande salão, ou apenas uma sala escurecida com candelabros e incensos, e em meio a tudo, sobressaindo-se a toda paisagem e a tudo que surja, a doce música, a bela música da chuva, uma orquestra de cordas e de sensações.
Vejo-me assim. Lá fora a doce música, a orquestra se derramando, e aqui dentro, pertinho de mim, a outra música nascida dos grandes mestres. Imensa admiração por Bach, Chopin, Mozart, Beethoven, Vivaldi, Lizst, Ravel, Brahms, Haydn, Wagner, Stravinsky, Paganini, Mahler, mas em noturnos assim, como o chuvoso de agora, guardo preferência por Strauss e suas famosas valsas, Tchaikovsky e sua belíssima Valsa do Lago dos Cisnes, mas principalmente Offenbach. Não há como não se encantar com sua Barcarolle, intermezzo de Os Contos de Hoffmann.
Em noites assim, ouvir Barcarolle é um navegar, é um voar, é um distanciar-se de tudo e continuar planando pelos sentimentos devassados em sorrisos e lágrimas, em dores e alegrias, em abraços e beijos e acenos de adeus. Barcarolle é barca que se alonga águas adentro do espírito, é nau que singra nas distâncias da alma. E nesse azul imenso, em busca de uma ilha qualquer jamais encontrada, navegando vou ao soprar da memória.
Mas a música e a chuva me impediram de prosseguir com o texto. Por motivos óbvios, fechei os olhos e deixei que tudo fluísse ao seu açoite e remanso. Acordei umas três da madrugada e a chuva ainda caindo como na noite anterior. E a mesma música em mim, dentro de mim. Até que a manhã desperte de vez e a rua molhada deixe de ser poesia para ser somente caminho.


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Lá no meu sertão...


Só sou feliz quando estou assim. E não estou assim...




Minha paz e tudo (Poesia)


Minha paz e tudo


Sede vós a minha sede
sede vós a minha fome
sede vós o meu viver
sede vós a esperança
a minha paz e tudo

sê assim a força e luz
sê o destino bondoso
sê a estrada florida
sê meu belo amanhecer
a minha paz e tudo

sede o amor que sinto
sê o amor por amar-te
a minha paz em tudo...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a burra e pedante intelectualidade acadêmica


*Rangel Alves da Costa


Não há nada, absolutamente nada, mais burra, presunçosa e pedante, do que a intelectualidade acadêmica. Até o termo intelectualidade é sem sentido quando utilizado para designar ou endeusar determinado grupo de pessoas. Quem não faz uso, bem ou mal, do seu intelecto, inteligência, raciocínio? Ora, as pessoas são mestras naquilo que sabem fazer. O homem da roça é um intelectual, o matuto sertanejo é um intelectual, a dona de casa é uma intelectual, o ambulante também, pois todos fazem uso de algum tipo de inteligência. Mas converse com um intelectual assim e tente conversar com um intelectual acadêmico. A diferença é grande, absurda. O intelectual cotidiano é compreensível, sem florismos nem frescuras, mas o outro não. Reunidos em grupo, com cada um tentando ser mais importante e sabichão que o outro, tudo se torna num cenário de rebuscamentos tais que a própria língua procura se compreender. Procuram os termos mais esdrúxulos, as explicações mais sem sentido, para dar vazão a coisas que bem poderiam ser dialogadas com simplicidade e fácil entendimento. Igualmente com relação ao texto da intelectualidade acadêmica. É uma escrita que nem o próprio autor suporta ler. Como diz Celso Pedro Luft, língua é liberdade. Querer amordaçá-la pelo incompreensível e ininteligível é a mais clara demonstração de burrice. E burrice intelectual acadêmica.


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domingo, 26 de junho de 2016

AS BEM-AVENTURANÇAS SERTANEJAS


*Rangel Alves da Costa


Deus está aqui. Jesus, o filho do Homem, caminha entre nós. Tudo vê, tudo sente, está por todo lugar. E desse poder de a tudo ver, sentir e estar, talvez ele se comova ainda mais com a realidade presente e, subindo numa montanha, ou mesmo nas alturas e diante de todos, diga aos sertanejos:
Bem-aventurados os pobres de mesa, de pão, de chão e de terra, porque deles será a colheita de amanhã.
Bem-aventurados os que agora sofrem pela incúria do homem, pelo desprezo do homem, pelos que têm fome e sede e nem um só homem de poder e bens chega em seu auxílio, pois eles serão reconhecidos como aqueles que possuem muito mais que votos.
Bem-aventurados os que silenciosamente choram com filho doente e sem ter um remédio, os que padecem pelo filho descalço e sem poder comprar um chinelo, os que vivem humilhados pela pobreza, pelo casebre e pela roupa carcomida de tempo, porque eles terão as dádivas e o olhar do Senhor.
Bem-aventurados os que são vistos e tratados apenas como eleitores e não como seres humanos que merecem todo o respeito e amparo durante todo o convívio da existência, porque eles serão os verdadeiros eleitos.
Bem-aventurados os que vivem desempregados, desassalariados, entristecidos e sem perspectivas de um futuro melhor, porque o sertão não viverá eternamente ao esquecimento das empresas, das indústrias, das fábricas, de mão de obra e do emprego, e eles serão fartos.
Bem-aventurados os esquecidos do Bairro São José, os excluídos e marginalizados do Bairro São José e todos os bairros, conjuntos e logradouros, porque Deus fortalece e consola cada coração, enxuga cada lágrima e cuida do seu filho como aquele de mais amor.
Bem-aventuradas as famílias que velam os seus no Bairro São José, que têm de sofrer caladas para não serem as próximas vítimas do Bairro São José e todos os bairros, conjuntos e logradouros, porque resguardadas pela justiça do Pai.
Bem-aventurados todos aqueles e todas aquelas que encontram instantes nas correrias do dia a dia e sempre estão presentes na vida dos mais necessitados, levando consolo, levando a palavra, levando um pão, compartilhando de uma amizade que vale mais que o ouro, porque eles receberão o justo reconhecimento de Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, os bons pastores, os amigos dos fiéis, devotos e de todo o povo sertanejo, assim como Padre Mário, Padre Cláudio e demais semeadores da palavra sagrada em todos os credos e religiões, porque a eles serão dados os preciosos grãos para as boas colheitas.
Bem-aventurados os que compartilham com o irmão e conterrâneo a palavra, o gesto afetuoso, o carinho acolhedor, fazendo da humildade a graça maior de ser e conviver como aquele igual no ontem e no amanhã, porque deles é o reino dos céus.
Bem aventurados os que possuem portas sem móveis, os que possuem mesa sem pratos, os que possuem cozinhas sem panela sobre o fogão, os que somente têm a vida a viver, mas, ainda assim, sem enchem de alegria quando são lembrados em uma visita, porque terão a fartura do mundo.
Bem-aventurados os que cuidam da Capela de Santo Antônio do Poço de Cima, os fiéis que fazem da Igreja Matriz o mais belo jardim, os abnegados que zelam pela Igreja do São José e todos os templos sertanejos, porque é do agrado aos olhos de Deus aquele que cuida de seu altar.
Bem-aventurados sois vós, sertanejos, que sentem orgulho de sua terra, que amam o seu chão, que não renegam o nome do sertão quando em meio a outros povos, pois nasceste com uma marca e dela jamais se afastará: um coração caboclo, cheio de sol e de lua, como nenhum outro coração pode haver!


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Lá no meu sertão...


Aboio, toada, cantiga de mato e de vaqueirama. Canção que o sertanejo proclama. Quem é do sertão que não ama?




Por amor (Poesia)


Por amor


Meu amor me pede
ao meu amor eu dou

araçá docinho
um buquê de flor

um salmo em palavra
uma maçã do amor

uma concha de mar
um sol de lápis de cor

uma canção de ninar
no beijo um doce sabor

meu amor me pede
ao meu amor eu dou

quando meu amor me pediu
eu me entreguei como sou.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o lobisomem


*Rangel Alves da Costa


Lobisomem é um bicho homem, já se espalhava essa história desde os tempos de antanho. Mas homem amaldiçoado, pecador por demais nas andanças terrenas, trazendo no destino a sina dos uivos e arremedos nas noites feias e escuras. Já outros, coitados, padecentes por aquilo que não deu motivo, pois homens-bichos pelos mistérios familiares e das crenças que acabam desfavorecendo a vida. Entonce, a pessoa se torna lobisomem, em triste rito de transformação na noite de lua cheia no período quaresmal, ou já nasce predestinado à horrenda sina da monstruosa transformação. O primeiro, por ser gente ruim da peste, um “fi do cabrunco” que bate na mãe e dá rasteira em aleijado, rouba esmola de igreja ou age com desfaçatez ante a fé de um povo. O segundo, porque nascido em família de sete filhos e não é batizado pelo do meio. Ou seu irmão ou irmã se torna seu padrinho ou madrinha ou não terá jeito mesmo, pois em bicho haverá de se tornar nas noites negras e aterradoras. De qualquer modo, quando chega o tempo da semana santa os bichos aparecem depois que o negrume se fecha e mais medonhos se tornam perto da meia-noite e daí em diante. Quando a lua se esconde, o predestinado corre em busca de cama de capim e ali rola, se atormenta todo, até o bicho aparecer em seu corpo. Quando levanta e começa a correr em direção às estradas, curvas de caminhos e aos quintais, já será apenas o lobisomem.


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sábado, 25 de junho de 2016

DIÁRIO DA SOLIDÃO


*Rangel Alves da Costa


Agora chove. Sempre chove. Tudo sempre parece nublado, escurecido, carregado demais. Ou vazio demais. Ainda hei de perguntar ao sol se não se cansa de nascer e morrer todos os dias. Ainda hei de perguntar a lua se não se cansa de surgir alegre e depois partir tristonha todos os dias. Por que já me cansei de tudo.
Sei o que é reclusão sem estar aprisionado numa cela ou entre grades. O pior é ter a porta, e uma porta que pode ser aberta a qualquer momento, e não querer sair. Dizem que depois da porta e da janela sempre há uma vida chamando a viver. A liberdade permite seguir por onde quiser. Mas meus passos não seguem a lugar algum.
Não tenho mais papel nem lápis. Os poemas beberam veneno, as cartas cortaram os pulsos. Não tenho mais vela para acender. Candeeiro sem gás e sem lâmpada no bico de luz. Também já não sei se tenho qualquer coisa a escrever. Não escrevo mais sobre ilusões, sobre impossibilidades, sobre devaneios de inocente coração. Não mais amor, nada mais sobre amor. O jardim é belo, mas todas as flores morreram.
Antigamente um passarinho cantava sobre o umbral da janela. E pela fresta uma borboleta entrava para mostrar sua cor. Mesmo com pouca luz, esvoaçava deixando rastros de arco-íris. Mas tudo sumiu. Um dia imaginei que colocando flor de plástico dentro de copo d’água ela permaneceria viva. A borboleta um dia quis beijar sua pétala e entristeceu. E a flor empoeirou e perdeu a cor, depois ressecou e morreu perante o meu olhar.
Não me recordo mais da última vez que abri a janela. Era noite, isso eu consigo lembrar. Mas a lembrança vem do sopro diferente da ventania naquela noite. Foi a primeira vez que ouvi canção e lamento vindos do vento. Noite sem lua, tristonha, e de repente o açoite batendo à janela. Folhas secas ainda passavam, as folhagens pareciam gritar, mas em seguida uma canção sem voz foi chegando no sopro. Quanto mais o vento soprava mais a canção ecoava em mim. Quando tudo cessou e fechei a janela, então ouvi um lamento do lado de fora. Era o último sopro chorando saudade.
Talvez, sem eu perceber, um sopro de vento tenha entrado pela janela assim que resolvi fechá-la. De vez em quando ouço a mesma canção, e por noites inteiras a canção ecoa em minha solidão. E depois o lamento, o canto triste, trazendo mais tristeza e dor. Por isso que passei a desejar um vento novo e uma nova canção, sem lamento ou dor, mas sempre me esqueço de abrir a janela quando a noite chega e a ventania vem fazendo caminho.
Não sei mais quantas vezes lancei mão do embornal para abrir a porta e seguir estrada. Jogo dentro rabiscos e escritos e depois sempre deixo a partida para outro dia. O embornal está num canto do chão, aberto, esperando somente que eu decida partir. Mas creio que nem dele irei precisar. Basta-me o chinelo de dedo e a roupa de cima, mesmo já envelhecida demais. Partirei e seguirei sem olhar pra trás. Talvez aquela borboleta venha se despedir e já me encontra distante, um vulto na estrada, uma sombra que some.
Encorajo-me a viver assim. Seguindo, seguindo. Caminhando, caminhando. Sempre, e sempre mais, e por caminhos esquecidos e veredas desconhecidas, rumo ao próximo destino ou ao nunca chegar. Comer dos frutos do mato, beber da água da fonte, descansar sobre a relva, adormecer debaixo da copa das grandes árvores. Sem palavra à boca, sem ninguém para falar, talvez até eu me esqueça que exista o verbo. Também não será necessário ante o que o meu passo e o meu olhar desejam.
Avisto-me como aquele que vai porque deseja ir. No clarão do sol, entre névoas e brumas, debaixo da noite, no rastro da lua. Ouvir sinos distantes, orar para um Deus ainda vivo, tecer um rosário de pedras e de fé. Por que a solidão não afasta a fé e nem se distancia de Deus. E é ele a companhia que nunca se afasta, ainda que de vez em quando a angustiada voz pronuncie: Eli, Eli, lama sabactani? Ou Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!
Fecho o diário da solidão por que nada mais há dizer. Tudo escrito no pensamento, pois sem folha e sem lápis. A noite avança e já é madrugada longa. A insônia me faz procurar a lua pela fresta. Ouça a canção do vento. Sei que logo chegará o lamento. E eu não queria chorar, eu não queria sofrer.


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Lá no meu sertão...


Não tema os espinhos. Siga adiante. Vá porque o sertanejo disse: há também flor e fruto na caminhada...




Noite de chuva (Poesia)


Noite de chuva


Não tenho medo da chuva
tenho medo do frio e da solidão

e agora chove muito lá fora
e estou com frio e sinto solidão

não tenho medo da chuva
tenho medo do vazio no meu coração

e agora chove tanto lá fora
e preciso que retorne ao meu coração

chove chuva e tanta solidão
o meu medo é a noite em desolação.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - cartinha de um singelo amor


*Rangel Alves da Costa


Menina minha, a saudade é tanta que nem consegui escrever. Minha mão treme, meu coração se agita, meus olhos nublados de tristeza e lágrimas se perdem nas linhas. Tenho medo que cada letra vá sendo molhada de uma lágrima que eu não queria chorar. Mas choro de saudade, de muita saudade de você Maria. Espero que esteja bem e sempre contando os dias para o meu retorno. Quero logo retornar. Não suporto mais viver aqui nesse mundo feio quando tenho a mais bela flor como meu amor. Assim que eu retornar, já no dia seguinte vai deixar de ser minha namorada e se tornar minha esposa, nem que a gente se case debaixo de um juazeiro e tendo um amigo para benzer a gente. Levo par de alianças e um perfume dando de cheiroso, também outros presentinhos que você vai gostar. Vivo arrumando e desarrumando a mala, sempre marcando e desmarcando a viagem. Mas não suporto mais ficar aqui. Como cheguei, sei que vou retornar, cortando estrada até chegar aí. Dois dias e duas noites de viagem. É muito longe, mas nada como atravessar a porteira e novamente encontrar você. Vai ter forró e cerveja assim que eu voltar. Mas enquanto eles farreiam a gente namora, e namorar tanto que a gente vai se esquecer do tempo. E sem perceber a gente já é marido e mulher. Com fé em Deus vai ser assim. E logo. Com fé em Deus. Um beijo Maria. Um beijo grande de quem tanto te ama. O seu amado João.
Obs. João sequer imaginava que ela, a sua Maria, já estava até buchada de outro.


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sexta-feira, 24 de junho de 2016

E SE POÇO REDONDO SE REBELASSE DA NAÇÃO E SE TORNASSE INDEPENDENTE?


*Rangel Alves da Costa


A independência é sonho de todos. Não só o ser humano deseja independência, mas também povoados e até estados e regiões. Exemplo maior está nas povoações de Sítios Novos e Santa Rosa do Ermírio que desde muito tempo almejam ser independentes de Poço Redondo.
De vez em quando também se ouve falar da região nordestina como nação independente. Daí que a noção de Nordeste independente já ganhou constituição, hino, padroeiro e até língua própria. Há uma música neste sentido: “Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente...”.
Também o sul do país, principalmente no Rio Grande do Sul, há um contínuo movimento de independência com relação ao Brasil, quando a região seria desconstituída do restante da nação e passaria a ter vida própria. E, a partir da reconhecida negação de brasilidade, ser um país não muito amistoso com seu novo vizinho.
Mas, e se Poço Redondo - apenas um município empobrecido do sertão sergipano - de repente se rebelasse contra Sergipe, o Nordeste e o Brasil, e se tornasse independente? Área territorial possui, e maior que muitos países mundo afora. Mas o restante, como ficaria?
Ora, logicamente que cada povoado alcançaria o status de estado. Assim, surgiriam os estados de Curralinho, Cajueiro, Jacaré, Bonsucesso, Sítios Novos e Santa Rosa do Ermírio. O último, que nunca gostou de fazer parte do município, renegaria a nova nação poço-redondense do mesmo modo que o Rio Grande do Sul renega o Brasil.
Os estados da nação poço-redondense seriam estes, e os municípios pertencentes a cada unidade da federação seriam, dentre outros, Areias, Alto Bonito, Queimada Grande, Patos, Guia, Lagoa das Areias, e assim por diante. Queimada Grande, por exemplo, seria município do estado de Sítios Novos.
Os conjuntos São José, Lídia e Augusto Franco seriam transformados em territórios. Cada um teria seu governante, recursos próprios para o desenvolvimento, com responsabilidade sobre a educação territorial, a saúde e a segurança. Sendo responsáveis por seus destinos, certamente encontrariam os caminhos progresso e da paz.
A Basílica da nação poço-redondense seria a Capela de Santo Antônio do Poço de Cima. Santo Antônio seria o padroeiro e Nossa Senhora da Conceição proclamada a Mãe da Nação Sertaneja, sendo devocionada por todo o país a partir da Igreja Matriz da cidade de Poço Redondo, sede do governo e capital da República.
A bandeira de Poço Redondo teria um sol com chapéu de couro, ornada com um feixe de flores de mandacaru. Como lema teria a seguinte frase: “Nação sertaneja para a luta, terra sertaneja para o trabalho”. O brasão, simbolizando a identidade nacional, seria o desenho de uma craibeira florida ladeada por um ramalhete de pingos d’agua. O hino seria Romaria:
“É de sonho e de pó, o destino de um só/ Feito eu perdido em pensamentos obre o meu cavalo/ É de laço e de nó, de gibeira o jiló/ Dessa vida cumprida a sol/ Sou caipira, Pirapora, Nossa Senhora de Aparecida/ Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida/ Sou caipira, Pirapora Nossa Senhora de Aparecida/ Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida/ O meu pai foi peão, minha mãe, solidão...”.
Muitas seriam as personalidades históricas da nação, todos de famílias como as dos Sousa, dos Cardoso, dos Feitosa, dos Marques, dos Nascimento, dos Francelino, dos Rodrigues, dos Alves, dos Sacramento, dos Costa, dos Félix, dos Santana, dos Braz, dos Lucas, e tantas outras. O herói da pátria seria cada sertanejo, enquanto seu mártir seria Zé de Julião.
E o mundo enfim conheceria uma nação tão forte como o próprio homem. Nação cuja história entremeia viajantes, comboeiros, vaqueiros, coureiros, benzedeiras, rezadores, parteiras, lavradores, caçadores, sonhadores de um mundo melhor. Tem na terra sua riqueza, na luta sua história e no povo sua grandeza maior.
Eis a nação surgida: Estados Unidos de Poço Redondo. Pátria de sol e de chuva, moradia de toda esperança.


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Lá no meu sertão...


A povoação ribeirinha de Bonsucesso, no município sergipano de Poço Redondo, sempre nos presenteia com paisagens maravilhosas. Não há como não se encantar com a beleza das águas do Velho Chico sob a moldura sertaneja.




Silêncio, palavra (Poesia)


Silêncio, palavra


Silêncio
pensamento
e palavra
e no verbo
o que dizer?

silenciar
pensar
e falar
e a palavra
o que dizer?

dizer apenas
o silêncio
como palavra
que sente
e tudo diz.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o menino da casinha da estrada


*Rangel Alves da Costa


Toda vez que viajo para os lados do sertão, logo avisto um menino - o mesmo menino - já nos caminhos mais secos e áridos das distâncias sertanejas. Mora numa casinha pobre, de barro e cipó, de beira de estrada, numa desolação de doer coração e mente. Outra pessoa eu não consigo avistar, apenas o menino, sem camisa, de bermuda carcomida de tempo, descalço, cabelo fino desgrenhado. Possui olhos negros, vivos, numa face marcada pela simpatia, mas com aspecto sempre tristonho. Ora o avisto debaixo do umbuzeiro, brincando com ponta de vaca, ora correndo pelos cantos, atrás do cachorro magro, ou mesmo mexendo e remexendo em gravetos, garranchos, tocos de paus. Assim que vou passando em frente e olho para os afazeres, ele sempre levanta o olhar e fica mirando na minha direção. Por vezes levanta, apruma ainda mais os olhos entristecidos e vai acompanhando minha passagem. Quando, já na curva da estrada, olho para trás, é certeza de avistá-lo ainda naquela posição e com o mesmo olhar na minha direção. Qualquer dia desses paro o carro e peço licença para um proseado ligeiro. Muito tenho que falar com aquele menino. Perguntar quem são seus pais, se está estudando, por que sempre está defronte ou pelos arredores do casebre, indagar sobre muita coisa.  É um mundo que preciso conhecer, pois um menino num mundo que também é o meu. E também me certificar se aquele menino não sou eu.


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quinta-feira, 23 de junho de 2016

AS RAPARIGAS DO BECO TORTO


*Rangel Alves da Costa


O Beco Torto fica ao fim de uma rua escura, depois de três ou quatro esquinas e olhares os mais suspeitos. Dizem que ali um antro de tudo, desde o uso ao tráfico de drogas. Mas ainda assim muitos se arriscam em busca das ilusões noturnas cheirando a limão, a perfume barato e corpos encharcados e malcheirosos de sexo. Eis que à procura e encontro do Beco Torto.
Ali uma vida torta como o próprio nome do lugar. Espeluncas servindo de bares, e bares chinfrins funcionando como cabarés. Pelas calçadas, mulheres também tortas, rotas e entristecidas à espera de clientes, andando de lado a outro e exibindo rugas, rostos pintados além da conta, magrezas doentias e gorduras e estrias em abundância. Outras se mantêm dentro dos bares catando clientes e implorando gole de cerveja e rum. O preço do desfrute? Qualquer coisa, qualquer coisa...
Não poderia haver exigências, preço caro, segundo a carne ao dispor e a qualidade do produto. São mulheres sem asseios maiores, já marcadas de tempo e de cama, daquelas que já repugnam o sexo e só estão ali porque não há outro meio de sobrevivência. Por isso mesmo costumeiramente alcoolizadas, melancólicas, entristecidas, sempre se prometendo giletes nos punhos. Fato é que não se pode nada afirmar sobre as idades das raparigas, vez que algumas parecendo mumificadas e outras, mesmo ainda muito jovens, já com feições envelhecidas.
Em meio àquelas que já circulam por ali desde muito tempo e têm os cabarés quase como moradias, nada mais doloroso do que a chegada de novata que logo começa a atrair os olhares e as atenções dos possíveis clientes. Sempre veem a carne nova, bonitinha, empinadinha, como afronta e ameaça. Desde piadas a agressões verbais, tudo fazem para afastar dali a novidade que chegou para, sem durar muito tempo, se mostrar no mesmo estágio de rejeição e angústia que elas.
É ante a rapariga nova que as velhas raparigas se deparam com espelhos de vida, de dor e sofrimento. Relembram suas juventudes, seus corpos bonitos, macios, apetitosos, despertando olhares e desejos. Ao menos no pensamento, é assim o filme que lentamente vai repassando. Depois do desabrochar do sexo e o murchar da flor, apenas vistas como mulheres da vida, como prostitutas, rampeiras, qualquer uma que abre as pernas para qualquer um em troca de vintém. Mais doloroso ainda com o avançar da idade e já não encontrar sequer quem pague uma dose de cachaça e lhes aponte um cigarro.
Sempre um destino e um percurso por uma estrada e um fim já por todos conhecido. O despertar do sexo ocorrendo como normalidade, mas tudo ganhando outra feição ao fazer da prática um costume recompensado em dinheiro. Já não é o corpo em busca do prazer, mas a mulher se comercializando para uso, prazer e deleite dos outros. Ao ganhar algum tostão, logo vai tornando o costume uma profissão. Surge assim a prostituta, e sempre se prometendo amanhã tomar outro rumo na vida. Mas daí em diante o destino do sexo, das casas de programa, dos bordéis de luxo, dos cabarés, dos inferninhos, até chegar ao Beco Torto.
O Beco Torto é considerando, assim, como a esbórnia da prostituição, como o lamaçal do meretrício, como o último refúgio das vidas perdidas e jamais encontradas. De vez em quando armas surgem em punhos, copos e mesas quebrados, tiros disparados, correrias e soluços. Hei de deixar essa vida, diz uma. Não nasci para padecer assim, diz outra. Mas tudo esquecido quando a música toca, uma dose é paga, uma esperança de sexo aparece. Vamos fazer amor, pergunta. Quanto é, indaga o outro. Depende, se serviço completo ou apenas o bem-bom...
Quanto mais a noite avança mais o Beco Torto continua acordado. Algumas mulheres ainda caminham de lado a outro, outras olham o relógio enquanto somam o nada do dia e da noite. Umas surgem cambaleantes, bêbadas, drogadas, de olhos vermelhos e gestos eufóricos. Ainda outras parecem adormecidas sobre as mesas. E uma ou outra chora. Pelos cantos, nos escondidos dos escuros, silenciosamente chora. E já não se preocupa que a lágrima desfaça a maquiagem e toda a máscara da vida.
Assim a vida no Beco Torto. Assim a vida das raparigas desse beco torto e sem saída. Mas continuam por lá, dia e noite, esperando clientes. Chegam mansas, calmas, silenciosas, como se saíssem de casa para um lugar qualquer. Mas de repente se transformam em Doce Mel, Fiofó de Ouro, Boca de Seda. Assim como aquelas prostitutas degeneradas descritas por Jorge Amado.


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Lá no meu sertão...


Em homenagem ao saudoso mestre Manoel Dionísio da Cruz, eis abaixo uma relíquia da história poço-redondonse.




Todo teu (Poesia)


Todo teu


O que era meu
e se deu

coração meu
agora é teu

o que sou eu
não é meu

em tudo teu
meu eu

quem se deu
fui eu

então leva
eu.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - por que Bastiana chorou ao abrir a porta


*Rangel Alves da Costa


Sebastiana, ou simplesmente Bastiana, mulher forte, sertaneja, sem se dobrar nem se curvar a nada, a não ser às enfermidades e aos desejos de Deus. Acostumada a sofrer, a padecer, a se virar como podia a cada nova estiagem - uma seca mais angustiante que a outra -, fazia da fé seu sustentáculo ante os sofrimentos da vida. Por isso nunca chorava. Sempre dizia que tinha de suportar na firmeza os desígnios sagrados. Mas um dia faltou comida, faltou-lhe o pão, e tudo. Então chorou quando abriu a porta e viu um vizinho que chegava para dividir o quase nada que tinha. E novamente chorou quando, num amanhecer sertanejo, abriu a porta e se viu diante do filho desde muito arribado para terras distantes. Era o retorno mais esperado do mundo, desde muito implorado em promessas, orações e rezas para todos os santos. Contudo, chorou mais ainda ao sentir que o retorno em momento tão difícil, de dificuldades e aflições, seria sofrimento pra dois. Mas calou-se e fez com que ele experimentasse um pedaço de preá na brasa. Era tudo o que tinha. Preocupada com o dia seguinte e os vindouros, não dormiu naquela noite. Mas sentiu um sopro de vento diferente, um murmurejar diferente pelos ares, e abriu a porta para novamente chorar. Era chuva muita que vinha chegando ao seu sertão. Chorou de alegria.


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quarta-feira, 22 de junho de 2016

DOR DE SAUDADE


*Rangel Alves da Costa


Sim, a saudade dói. E não somente dói como atormenta, angustia, aflige, tortura, fere, desanda tudo por dentro e por fora, principalmente no olhar de revoltoso mar.
Sim, como dói a saudade. A pessoa pensa estar feliz, sorridente, cheia de levezas no corpo e na alma, e de repente a calmaria se transformando em voraz tempestade.
Sim, quanto dolorosa é a saudade. O barco da paz desanda e as ondas bravias querem afundar esperança e vida. No norte das águas profundas, ao mais profundo que houver.
Sim, dor de saudade dói demais. O corpo esmorece, afogueia febril, parece tomado de espinhos. A face se retorce de dor e o olho aperta, retrai-se para depois despejar sofrimento.
Sim, o doer da saudade é como açoite sem chicote, punhalada sem corte, tortura sem tronco. Ainda assim escraviza de tal forma que o ser se ajoelha implorando clemência.
Sim, como dói a saudade. Como faz falta a presença, a visão, o compartilhamento, o toque, o afago, o carinho, o sentir a proximidade como a beleza mais duradoura que existe.
Sim, quando a saudade dói, tudo dói. Não há remédio para o que não é doença, e sim um mistério do ser, da alma, do coração: a distância ou a ausência, o querer sem ter.
Sim, dor de saudade não se cura com chá, porção, comprimido, injeção ou repouso, somente com a presença. Mas como nem sempre é possível, então tudo dilacera por dentro.
Sim, a saudade talvez não mate como uma doença comum, mas definha e faz sucumbir. Entristece a alma, esvazia o olhar, aflige o coração, e tudo vai se esvaindo.
Há uma saudade chamada banzo que bem sintetiza suas trágicas consequências. Nos navios negreiros, de repente o escravizado ia se afundando em melancolia: saudade da terra.
Quanto mais distante da terra, quando mais a saudade apertava, mais ele iniciava um silencioso martírio. Chorava em silêncio, sofria em silêncio, não comia, não bebia. Morria.
Sim, o negro escravizado morria de saudade. Nem precisava do ferro, do tronco, do fogo, do grilhão, bastando que na viagem sentisse que nunca mais retornaria ao seu rincão.
Viúvas também morrem de saudade. A dor da perda é tamanha que muitas não conseguem assimilar a morte como algo inevitável na vida do ser humano. Nega-se a aceitar.
Não bastassem as tristezas, as dores, os sofrimentos, as lágrimas, também o luto perpétuo. Vestem-se de preto não como simbologia da perda, mas porque também morreram.
Sim, para muitas, nada mais existe que lhes dê alegria, traga contentamento ou felicidade. Nada mais faz sentido, nada mais interessa, senão sofrer e sofrer, e assim definhar.
Em muitas, o luto é, assim, a própria morte ainda em vida. A saudade é tanta que uma prece não adianta, uma vela acesa não faz efeito, uma missa nada significa. Quer a presença.
Como é impossível fazer renascer aos mesmos braços quem da terra partiu, então procuram encurtar, através da dor e do sofrimento, o encontro imaginado para acontecer.
Outro dia, eu avistei um título muito interessante numa crônica: “Ter saudade é usar o vestido que a mãe vestia no dia que morreu”. E também sentar na mesma cadeira de balanço.
Mas creio que a saudade, ou a verdadeira saudade, nada tem a ver com aqueles voos de pensamento quando o enamorado está distante daquela que diz ser seu eterno amor.
E assim por que a saudade possui raiz tão profunda, está encravada em motivos tão fortes, que será preciso uma parte ser arrancada da outra para que necessite ser reencontrada.
A verdadeira saudade nasce de uma perda irreparável. Uma morte, um vazio preenchido na dor. Nasce daquilo que faz falta ao que o coração enraizou e aprendeu a amar.
Também justa é a saudade daquilo que o tempo foi transformando em necessária presença. Sente-se saudade de um amigo distante, até de uma pedra que foi levada do lugar.
Mas vontade de presença, de ver, de sentir, é diferente de saudade. A presença acaba suprindo a espera. Mas a verdadeira saudade já é sentida antes mesmo de uma partida.
E quanto parte tudo dilacera, dói, faz sofrer. E quando eterno o adeus, então a saudade pode mesmo se transformar em mão que se estende pedindo para ser levado também.


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