SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 8 de junho de 2016

POBRE RIQUEZA (OU QUANDO A CULTURA NADA SIGNIFICA AO CAPITALISMO)


*Rangel Alves da Costa


O capitalismo sente ojeriza pela cultura, pelo saber, pelo conhecimento, pela cultura. Tal qual o poder, que abomina a educação, também o capitalismo não gosta que o indivíduo se torne num ser pensante e assim possa criticar sua voracidade.
Sendo a acumulação de riqueza o esteio do capitalismo, logicamente que este não objetiva outra coisa senão somar, acumular, ter mais ganho, mais lucro. Por consequência, na outra ponta está o sujeito que precisa usufruir dos bens e mercadorias e que, por isso mesmo, se depaupera, gasta, empobrece, se diminui.
Para o sistema capitalista tanto faz que a sociedade seja mais ou menos letrada, tenha mais ou menos noção do real, bastando-lhe apenas que seja uma sociedade de consumo, de compras e aquisições cada vez maiores. Sobrevive e engorda esvaziando o bolso de cada um e, faminta como é, disseca do indivíduo até a última sombra de seu salário.
Ante uma situação tal, qual seria a contribuição que o capitalismo faminto tem a dar à cultura? Ou, por outras palavras, qual a importância que o capitalismo dá à cultura de um povo. Na maioria das vezes, absolutamente nenhuma. A não ser alguns e raros mecenas modernos, o que se observa é o mundo capitalismo dizendo não a qualquer tipo de apoio ou contribuição à cultura.
Estou organizando um evento denominado 1º Encontro de Descendência do Cangaço, que será realizado no próximo dia 17, em Poço Redondo, no sertão sergipano, e me deparei com todas as portas fechadas do grande comércio e do meio empresarial. Entreguei pessoalmente ofício a cada portentoso empresário, explanei sobre o evento e sua importância para a região, mas não consegui qualquer tipo de patrocínio, ainda que todos se comprometessem com a causa.
Então, ante a certeza que o meu pleito não terá qualquer acolhida, escrevi numa rede social:Poço Redondo aprendeu cedo a voracidade capitalista. O comércio, incluindo grandes lojas e supermercados, procura tirar do bolso da população até o último tostão. Mas não dá um vintém sequer para um evento cultural voltado para a mesma população. Quer dizer, usufrui de sua economia e se torna verdadeiro inimigo de sua cultura. E bem sei por que assim afirmo”.
Mas é esta a realidade. Mesmo numa pequena cidade interiorana, o grande comerciante em nada retribui de tudo aquilo que a população lança aos seus cofres. É como se somente o povo tivesse a obrigação de comprar, comprar e comprar muito mais, e o empresário enriquecer, enriquecer e enriquecer muito mais, mas não há qualquer reconhecimento quando é procurado para prestar qualquer contribuição a um evento cultural em benefício da sociedade que lhe tem mera serventia de acumulação.
Significa ainda dizer que o povo não tem outro direito senão ser seu cliente, gastar na sua loja, supermercado ou outro comércio, esvaziar totalmente os bolsos e ainda ficar devendo, e novamente ir trabalha para matar sua sede e sua fome de acumulação capitalista. Parece ser uma obrigação. E talvez assim seja na visão capitalista, onde o povo não tem direito ao conhecimento, ao saber, à cultura.
Ora, o evento possui relevância no contexto histórico sertanejo, pois objetiva reunir não só os descendentes de ex-cangaceiros e ex-coiteiros como a população em geral, num ato de confraternização, diálogo, reconhecimento e valorização. São pessoas cujas linhagens possuem grande importância histórica e hoje vivem relegadas ao esquecimento de suas raízes. E o município de Poço Redondo foi o que mais filhos deu ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Os parentes dos cangaceiros e coiteiros que se espalham por todo o município precisam ser chamados ao conhecimento de todos, reconhecidos e valorizados, vez que fazem parte da própria história sertaneja. O evento, através de exposição, palestras, atrações culturais e outros festejos, objetiva esse congraçamento entre o sertão e o sertão, ou seja, entre aqueles descendentes e todos os demais que fazem parte do mesmo chão.
Mesmo sem qualquer patrocínio do grande comércio local, o evento será realizado. Negam a cultura, porém não podem negar a história. O povo sertanejo possui valor infinitamente maior que qualquer riqueza capitalista. Eles sempre passam, mas a cultura e a história sempre permanecem vivas.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: