*Rangel Alves da
Costa
Sim, a
saudade dói. E não somente dói como atormenta, angustia, aflige, tortura, fere,
desanda tudo por dentro e por fora, principalmente no olhar de revoltoso mar.
Sim, como
dói a saudade. A pessoa pensa estar feliz, sorridente, cheia de levezas no
corpo e na alma, e de repente a calmaria se transformando em voraz tempestade.
Sim,
quanto dolorosa é a saudade. O barco da paz desanda e as ondas bravias querem
afundar esperança e vida. No norte das águas profundas, ao mais profundo que
houver.
Sim, dor
de saudade dói demais. O corpo esmorece, afogueia febril, parece tomado de
espinhos. A face se retorce de dor e o olho aperta, retrai-se para depois
despejar sofrimento.
Sim, o
doer da saudade é como açoite sem chicote, punhalada sem corte, tortura sem
tronco. Ainda assim escraviza de tal forma que o ser se ajoelha implorando
clemência.
Sim, como
dói a saudade. Como faz falta a presença, a visão, o compartilhamento, o toque,
o afago, o carinho, o sentir a proximidade como a beleza mais duradoura que
existe.
Sim,
quando a saudade dói, tudo dói. Não há remédio para o que não é doença, e sim
um mistério do ser, da alma, do coração: a distância ou a ausência, o querer
sem ter.
Sim, dor
de saudade não se cura com chá, porção, comprimido, injeção ou repouso, somente
com a presença. Mas como nem sempre é possível, então tudo dilacera por dentro.
Sim, a
saudade talvez não mate como uma doença comum, mas definha e faz sucumbir.
Entristece a alma, esvazia o olhar, aflige o coração, e tudo vai se esvaindo.
Há uma
saudade chamada banzo que bem sintetiza suas trágicas consequências. Nos navios
negreiros, de repente o escravizado ia se afundando em melancolia: saudade da
terra.
Quanto
mais distante da terra, quando mais a saudade apertava, mais ele iniciava um
silencioso martírio. Chorava em silêncio, sofria em silêncio, não comia, não
bebia. Morria.
Sim, o
negro escravizado morria de saudade. Nem precisava do ferro, do tronco, do
fogo, do grilhão, bastando que na viagem sentisse que nunca mais retornaria ao
seu rincão.
Viúvas
também morrem de saudade. A dor da perda é tamanha que muitas não conseguem
assimilar a morte como algo inevitável na vida do ser humano. Nega-se a
aceitar.
Não
bastassem as tristezas, as dores, os sofrimentos, as lágrimas, também o luto
perpétuo. Vestem-se de preto não como simbologia da perda, mas porque também
morreram.
Sim, para
muitas, nada mais existe que lhes dê alegria, traga contentamento ou
felicidade. Nada mais faz sentido, nada mais interessa, senão sofrer e sofrer,
e assim definhar.
Em muitas,
o luto é, assim, a própria morte ainda em vida. A saudade é tanta que uma prece
não adianta, uma vela acesa não faz efeito, uma missa nada significa. Quer a
presença.
Como é
impossível fazer renascer aos mesmos braços quem da terra partiu, então
procuram encurtar, através da dor e do sofrimento, o encontro imaginado para
acontecer.
Outro dia,
eu avistei um título muito interessante numa crônica: “Ter saudade é usar o
vestido que a mãe vestia no dia que morreu”. E também sentar na mesma cadeira
de balanço.
Mas creio
que a saudade, ou a verdadeira saudade, nada tem a ver com aqueles voos de
pensamento quando o enamorado está distante daquela que diz ser seu eterno
amor.
E assim
por que a saudade possui raiz tão profunda, está encravada em motivos tão
fortes, que será preciso uma parte ser arrancada da outra para que necessite
ser reencontrada.
A
verdadeira saudade nasce de uma perda irreparável. Uma morte, um vazio
preenchido na dor. Nasce daquilo que faz falta ao que o coração enraizou e
aprendeu a amar.
Também
justa é a saudade daquilo que o tempo foi transformando em necessária presença.
Sente-se saudade de um amigo distante, até de uma pedra que foi levada do
lugar.
Mas
vontade de presença, de ver, de sentir, é diferente de saudade. A presença
acaba suprindo a espera. Mas a verdadeira saudade já é sentida antes mesmo de
uma partida.
E quanto
parte tudo dilacera, dói, faz sofrer. E quando eterno o adeus, então a saudade
pode mesmo se transformar em mão que se estende pedindo para ser levado também.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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