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quarta-feira, 15 de junho de 2016

QUALQUER GRÃO, QUALQUER PÃO


*Rangel Alves da Costa


Nada passa pela estrada do tempo que não deixe seus rastros. Muito do moderno continua envelhecido, muito da tecnologia continua na manivela. E assim também na vida humana. Quando se imaginava que os campos de agora estariam semeados e providos de fartura, eis que nada brota em muito lugar. Por consequência, pessoas, famílias e comunidades inteiras sem qualquer grão, sem qualquer pão. E assim a fome vai se alastrando.
Muito mais que retórica acadêmica, a fome pode ser definida pela sua antítese, pela sua imagem ou pelo seu sentir, sendo este a mais cruciante revelação que possa existir. Pela antítese, ou mesmo no seu antônimo, a fome é conhecida pela presença de comida, alimentação ou saciedade. Pela imagem, geralmente é avistada nos noticiários televisivos, nas fotografias em jornais e revistas, estampada na magreza africana, na tristeza nordestina, no prato vazio por todo lugar.
No esteio da palavra, contudo, a fome significa prolongada carência de alimentos, de calorias e nutrientes necessárias à saúde do organismo e à sobrevivência. Não diz respeito à falta momentânea de comida, mas à permanência de um estado de escassez ou mesmo ausência de um mínimo de alimentos. Atualmente, milhões e milhões de pessoas vivem assim, sem ter como colher da terra o seu sustento e sem receber meios de suprir suas necessidades.
Mesmo nos modernos tempos dos avanços agrícolas, das técnicas no aproveitamento da terra para o plantio e colheita, bem como das tecnologias alimentares, ainda assim a fome permanece como endêmica em diversas regiões do planeta. Não só em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas também nos de primeiro mundo e nas grandes potências. Há sempre uma situação alarmante de fome onde haja grande população. Nos rincões mais distantes e esquecidos, então o problema se agrava ainda mais.
Tem-se, assim, que a fome é problema que se estende por todo o planeta. Há falta de alimento mínimo para populações inteiras e também de meios eficientes para o seu combate, vez que, dado o estado de pobreza em que a mesma se dissemina, as políticas públicas nem sempre diminuem com eficácia sua incidência. Também as políticas protagonizadas pelas Nações Unidas não alcançam resultados duradouros porque são desenvolvidas em determinadas situações de emergência e voltadas para determinadas populações.
Por envolver aspectos geográficos, históricos e sociais, não só na África e países subdesenvolvidos, mas também em países reconhecidamente ricos e consumistas a fome atinge parcelas significativas das populações. No caso brasileiro, a pobreza, e mesmo a miséria absoluta, que são as principais causas da fome, são historicamente causadas por problemas estruturais: desigualdade social, desigualdade de renda, desemprego, subemprego, falta de meios de produção de alimentos básicos.
O pior é a constatação que o problema da fome está distante de ser solucionado, ou talvez nunca o seja, principalmente pelo aumento das populações, a escassez de terras e a carestia dos alimentos. Muitos estudiosos defendem que não adianta enganar a fome através de programas sociais, quando a família empobrecida apenas ilude seu estado de carência e não se esforça para produzir seu próprio sustento. Na verdade, aquele que recebe um quilo de feijão, ainda que imprestável ao consumo, dificilmente vai se dar ao trabalho de semear para colher o seu grão.
Não se deve esquecer ainda que os programas sociais de distribuição de alimentos sequer chegam perto de alcançar o contingente de famintos, necessitados e carentes. Muitas vezes, numa mesma região, algumas famílias são cadastradas e recebem as esmolas oficiais, enquanto outras, tantas vezes ainda mais necessitadas, permanecem nutrindo sua falta de tudo. Não há pão, não há grão, não há nada que sirva para ser colocado à mesa e chamado de comida.
Dentre as famílias desfavorecidas dos programas sociais, as incidências de morte não são imensamente absurdas porque elas reinventam sua própria sorte alimentar, sua subsistência. Pedindo, esmolando, catando, aproveitando restos, fazendo milagres com o que for encontrado, a verdade é que o estômago não esvazia de vez e alguma força permite encorajamento à luta. Contudo, situações há que nem mesmo a reinvenção surte efeito, dado a falta absoluta até mesmo de um pedaço de pão adormecido para a criança.
Há também um aspecto político-eleitoreiro que insiste em manter a fome e a pobreza como verdadeiras bases de sustentação da política e dos políticos. Principalmente nos sertões nordestinos, a política ainda é feita considerando a miséria das famílias como utilidade de voto. Significa dizer que quando mais carente for a família mais fácil será garantir sua dependência através de uma cesta de alimentos, de um carregamento de água, de um saco de cimento e duas dúzias de telhas.
Assim, durante o período eleitoral chega o grão, chega o pão. Mas depois é só fome mesmo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

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