*Rangel Alves da
Costa
Nada passa
pela estrada do tempo que não deixe seus rastros. Muito do moderno continua
envelhecido, muito da tecnologia continua na manivela. E assim também na vida
humana. Quando se imaginava que os campos de agora estariam semeados e providos
de fartura, eis que nada brota em muito lugar. Por consequência, pessoas,
famílias e comunidades inteiras sem qualquer grão, sem qualquer pão. E assim a
fome vai se alastrando.
Muito mais
que retórica acadêmica, a fome pode ser definida pela sua antítese, pela sua
imagem ou pelo seu sentir, sendo este a mais cruciante revelação que possa
existir. Pela antítese, ou mesmo no seu antônimo, a fome é conhecida pela
presença de comida, alimentação ou saciedade. Pela imagem, geralmente é
avistada nos noticiários televisivos, nas fotografias em jornais e revistas,
estampada na magreza africana, na tristeza nordestina, no prato vazio por todo
lugar.
No esteio da
palavra, contudo, a fome significa prolongada carência de alimentos, de
calorias e nutrientes necessárias à saúde do organismo e à sobrevivência. Não
diz respeito à falta momentânea de comida, mas à permanência de um estado de
escassez ou mesmo ausência de um mínimo de alimentos. Atualmente, milhões e
milhões de pessoas vivem assim, sem ter como colher da terra o seu sustento e
sem receber meios de suprir suas necessidades.
Mesmo nos
modernos tempos dos avanços agrícolas, das técnicas no aproveitamento da terra
para o plantio e colheita, bem como das tecnologias alimentares, ainda assim a
fome permanece como endêmica em diversas regiões do planeta. Não só em países
subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas também nos de primeiro mundo e nas
grandes potências. Há sempre uma situação alarmante de fome onde haja grande população.
Nos rincões mais distantes e esquecidos, então o problema se agrava ainda mais.
Tem-se,
assim, que a fome é problema que se estende por todo o planeta. Há falta de
alimento mínimo para populações inteiras e também de meios eficientes para o
seu combate, vez que, dado o estado de pobreza em que a mesma se dissemina, as
políticas públicas nem sempre diminuem com eficácia sua incidência. Também as
políticas protagonizadas pelas Nações Unidas não alcançam resultados duradouros
porque são desenvolvidas em determinadas situações de emergência e voltadas
para determinadas populações.
Por envolver
aspectos geográficos, históricos e sociais, não só na África e países
subdesenvolvidos, mas também em países reconhecidamente ricos e consumistas a
fome atinge parcelas significativas das populações. No caso brasileiro, a
pobreza, e mesmo a miséria absoluta, que são as principais causas da fome, são
historicamente causadas por problemas estruturais: desigualdade social,
desigualdade de renda, desemprego, subemprego, falta de meios de produção de
alimentos básicos.
O pior é a
constatação que o problema da fome está distante de ser solucionado, ou talvez
nunca o seja, principalmente pelo aumento das populações, a escassez de terras
e a carestia dos alimentos. Muitos estudiosos defendem que não adianta enganar
a fome através de programas sociais, quando a família empobrecida apenas ilude
seu estado de carência e não se esforça para produzir seu próprio sustento. Na
verdade, aquele que recebe um quilo de feijão, ainda que imprestável ao
consumo, dificilmente vai se dar ao trabalho de semear para colher o seu grão.
Não se deve
esquecer ainda que os programas sociais de distribuição de alimentos sequer
chegam perto de alcançar o contingente de famintos, necessitados e carentes.
Muitas vezes, numa mesma região, algumas famílias são cadastradas e recebem as
esmolas oficiais, enquanto outras, tantas vezes ainda mais necessitadas,
permanecem nutrindo sua falta de tudo. Não há pão, não há grão, não há nada que
sirva para ser colocado à mesa e chamado de comida.
Dentre as
famílias desfavorecidas dos programas sociais, as incidências de morte não são
imensamente absurdas porque elas reinventam sua própria sorte alimentar, sua
subsistência. Pedindo, esmolando, catando, aproveitando restos, fazendo
milagres com o que for encontrado, a verdade é que o estômago não esvazia de
vez e alguma força permite encorajamento à luta. Contudo, situações há que nem
mesmo a reinvenção surte efeito, dado a falta absoluta até mesmo de um pedaço
de pão adormecido para a criança.
Há também um
aspecto político-eleitoreiro que insiste em manter a fome e a pobreza como
verdadeiras bases de sustentação da política e dos políticos. Principalmente
nos sertões nordestinos, a política ainda é feita considerando a miséria das
famílias como utilidade de voto. Significa dizer que quando mais carente for a
família mais fácil será garantir sua dependência através de uma cesta de
alimentos, de um carregamento de água, de um saco de cimento e duas dúzias de
telhas.
Assim,
durante o período eleitoral chega o grão, chega o pão. Mas depois é só fome
mesmo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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