*Rangel Alves da
Costa
Inegavelmente
que a maioria das tradições juninas vem rareando ou sumindo de vez. Quase
ninguém mais se torna compadre ou comadre após o compromisso firmado ao calor
da fogueira. O São João da roça nem sempre é ao som da sanfona. Até as
quadrilhas perderam seu simbolismo matuto para se transformar em profusão de
alegorias e adereços. Dos usos caipiras restaram apenas as chinelas de couro:
as famosas e atraentes priquitinhas.
Vindas de
outros estados, apertadas em sacos por cima de caminhões, em bagageiros de
veículos, amarradas em cordames, num sacrifício danado, mas a verdade é que as
priquitinhas chegaram e tomam conta da cidade. E já podem ser facilmente
encontradas nas esquinas, nas calçadas, pelos arredores do centro comercial,
por todo lugar. Novinhas, bonitinhas, bem trabalhadas, são um apelo aos olhares
com elas acostumados neste período junino.
Calçado
tipicamente caipira, de couro matuto curtido ao sol, a chinela simples vai
ganhando forma pelas mãos de humildes artesãos espalhados pela região
nordestina, principalmente Pernambuco, Bahia e Alagoas. Em Sergipe também há
grande produção, mas geralmente para o mercado interno e não para exportação ou
revenda em grande quantidade noutros estados. Leve, com tirinhas finas, de
preço acessível, é calçado sempre presente no dia a dia do período junino.
Há regiões
nordestinas verdadeiramente especializadas na sua produção. Destas, os
vendedores se deslocam para outros estados e de repente já estarão tomando as
ruas com pencas e mais pencas de priquitinhas. Tão grande é o número de
ambulantes que muitos se acumulam pelas mesmas esquinas. É assim que Aracaju se
vê como invadida, algo como uma invasão das priquitinhas.
Mesmo que
pelos mercados existam montes de tais chinelos, os ambulantes chegam com
tamanho alvoroço que mais se assemelham a um modismo televisivo. E um amigo já
afirmou que o número de priquitinhas pelas ruas é tão grande que daria dois
pares para cada pé aracajuano. Não há esquina ou lugar que não se encontre um
forasteiro com uma penca inteira de couro cru de todos os tamanhos.
Os
vendedores são quase todos forasteiros, oriundos de Caldas do Jorro, no
município baiano de Tucano, bem como de Caruaru, em Pernambuco, além de outras
localidades especializadas em tal produção. Mesmo que neguem, em muitas
situações se percebe que ao invés de couro é utilizado um similar sintético. A
percepção se torna maior quando a priquitinha não exala aquele cheiro tão
conhecido.
Mas por
que esse nome em um chinelo de couro cru? Sem adentrar em detalhes, por mera
alusão, por analogia e criatividade popular. Como toda sandália feita de couro
cru e sem processo industrial posterior, com envernizamento e tingimentos, o
chinelo junino sai do coureiro e por onde vai leva consigo um cheiro peculiar,
de couro mesmo, logo reconhecível. Somente com os muitos usos é que o cheiro
vai sumindo - ou sendo assimilado -, para retornar ainda mais forte quando
molhado.
É neste
sentido que surgem os dizeres ora em tom de brincadeira ora por pura malícia.
Então afirmam que a moça molhou a priquitinha e espalhou todo o cheiro pelo
salão. Ou ainda que o cheiro de priquitinha molhada se sente de longe. Mesmo
com a leveza, simpatia, preço baixo e praticidade da chinela matuta, muitas
pessoas deixam de adquiri-la precisamente pelo cheiro forte e pelas alusões que
são feitas a seu respeito. Uma minoria, porém, vez que a grande quantidade de
vendedores pelas ruas logo demonstra a sua ampla aceitação. Quer dizer, quase
todo mundo quer ter uma priquitinha.
Não há que
duvidar que o nome da sandália tivesse surgido mesmo de forma mal intencionada.
Mas de qualquer modo não há São João ou São Pedro sem priquitinha e não há
festança do mês onde ela não seja avistada, cheirando ou não, moldurando os pés
nordestinos. Todo nordestino conhece e gosta de usá-la, principalmente por
possuir a feição caipira apropriada ao período junino e ser muito mais leve que
as autênticas “aprecatas” de couro cru.
Então, se a intenção é brincar no mês junino,
de chinelar pelos salões ou caminhar por aí em busca de balões e fogos traçando
os céus, nada melhor que calçar uma priquitinha e se sentir prazerosamente
confortável. Mas tendo o cuidado de se proteger quando a chuva cair ou não
pisar em poça d’água, pois todos os salões ou aglomerados sentirão a presença
pelo cheiro e não pelo perfume. E a priquitinha chamará mais atenção do que a
própria pessoa.
De chinelo
no pé e disposição pelo corpo, resta somente brincar e se divertir na festança
junina. Acaso retorne solitário como saiu, dizem que colocar a priquitinha para
passar a noite na janela é um santo remédio. Ela tem o dom de chamar o que a
pessoa desejar. Uns dizem que é pelo cheiro, outros dizem que é pelo nome.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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