Rangel Alves da Costa*
Em velório acontece de tudo, sabe-se de tudo, a difícil despedida se torna em verdadeiro e disputado evento. Mas tudo surgindo comedidamente, como sopro aos ouvidos, cuidadosos gestos, palavras quase silenciosas. Mas sempre com efeitos espetaculares.
O que não se admite muito, ainda que ouvidas e ecoadas onde haja velório ou sentinela, são as piadas desconcertantes, aquelas que provocam risos largos, galhofadas e estrondosas gargalhadas. Ora, é inadmissível tornar um momento de dor num festim piadista, num banquete de anedotas cabeludas e gracejos desconcertantes.
E tem gente que só fica triste em velório, só se mantém com feição enlutada, porque procura piadas para ouvir e não encontra na proporção e na descontração que gostaria. Daí que um dia alguém, após ter forçado tristeza inexistente num momento desses, resolveu que só iria a velório que existisse contação de piadas.
Mas toda anedota boa causa algazarra, barulho, podendo chamar atenção dos que estão concentrados na despedida, gerando grande desconforto e recriminação da maioria, certamente. Então, a única solução encontrada foi incentivar a criação de piadas tristes para velório. Coisas assim:
“Um bêbado encontrou com outro ainda mais bêbado. Este, conhecido daquele, logo o convidou para um velório. Imediatamente o amigo perguntou quem havia morrido de cachaça, se era algum conhecido. E ouviu como resposta que era ele mesmo que iria ser morto pela esposa ao chegar em casa. Havia saído há dois dias para fazer a feira e só agora voltava sem um tostão no bolso”. E ninguém achou graça na piada, sinal que era boa pra velório.
“Uma fofoqueira chegou pra vizinha também fofoqueira de mão cheia, e perguntou se sabia o que andavam dizendo dela, da amiga. E esta respondeu que não porque esteve ocupada em ouvir o que estavam falando dela, da outra amiga. Era fofoca? Perguntou. Fofoca não era porque não gosto disso, mas era coisa muito mais cabeluda do que você ouviu falar de mim”. E nem um sorriso após a piada. Mais um sinal de piada apropriada para velório.
“Tá vendo esse defunto aí, esse mesmo com a cara mais séria do mundo? Não valia nada. Metia-se a encanador e a eletricista quando a mulher do amigo estava sozinha em casa; dava uma de bondoso, levava flores e presentinhos para as mulheres dos amigos, mas só quando estes não estavam em casa. Até que ontem chegou na casa de uma com um brinco de ouro. Mas foi o marido dela que abriu a porta e exigiu receber o presente. Agora ele tá aí desse jeito, mortinho da silva, pela bala que o amigo fez questão que aceitasse”.
“Foi assim mesmo?”. Perguntou um. “Foi. Foi minha própria mulher quem me contou, chorosa a coitadinha. Outro dia ele havia aparecido lá em casa para deixar uma lembrancinha. E ela aceitou”. E começou uma gargalhada que espantou todo mundo. E um a um foi chegando para ouvir a piada.
Percebendo a aglomeração, imediatamente a viúva se encaminhou até o local. Queria saber o que se passava ali para estar aquela algazarra toda. Mas quando chegou encontrou apenas rostos cabisbaixos e faces disfarçadas em tristeza. Ainda assim perguntou o que estava acontecendo e ouviu de um que estavam apenas falando da seriedade e honradez daquele grande homem que era o falecido.
Ao ouvir sobre a seriedade e a honradez, então foi a vez da mulher desandar a gargalhar incontidamente, num frenesi que parecia tomada por estranhezas. Das risadas que dava tanto avermelhava como lacrimejava sem querer, e também deixava escorrer um rio de urina pelas pernas.
As pessoas que olhavam a mulher naquele estado, ainda se derramando em gargalhadas e noutros líquidos, queriam também acompanhá-la na euforia, mas temiam que fossem mal interpretadas e escorraçadas. Mas ao perceberem o mijo escorrendo pelo chão não houve jeito mesmo. Todos se danaram a gracejar de tal forma que o velório mais parecia um salão de piadas.
O morto também queria sorrir. Mas, não se sabe lá porque, não conseguia.
Poeta e cronista
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