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segunda-feira, 18 de março de 2013

ESTRADA PARA RETORNAR (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Já muitos dias que caminho por essa estrada. Com mais alguns certamente chegarei ao destino. Que, aliás, ainda é incerto.
Saí numa madrugada, entre a noite fechada e a semente da primeira aurora. Ouvi o galo cantar já depois da curva da estrada. Ele ainda dormia, mas ouvi o seu canto de despedida.
Descalço, com pouca roupa, levando embornal deitado nas costas e um cantil pendurado no peito, dei bom dia às pedras e espinhos, conversei com a aragem matinal, acenei para as flores do campo inexistentes na beira do caminho.
Assim fui prosseguindo manhã após manhã, noite após noite, quase sem parar para descansar. Tanta pressa de chegar possuía sua razão. Ao encontrar aquilo que ainda não sabia o que seria, prontamente retornaria pela mesma estrada.
Caminhando, seguindo adiante, suportei o frio e o calor, a sede e a fome, o sono e o cansaço, a incerteza e a aflição. Não bati em nenhuma porta, nada perguntei aos que encontrei na estrada, procurei não permitir que nada pudesse atrasar meu percurso.
Tanto vi, tanto avistei, e em tudo calei ainda que o espanto quisesse gritar. Nada poderia afastar a calma para perceber tudo que ia encontrando, vez que o retrato da ida seria confrontado na fotografia do retorno. E que não demoraria acontecer.
Coisa estranha na mente de um andante. Deixar para trás a cancela de casa, seguir estrada sem destino certo, não saber aonde chegar nem quando, mas ter a certeza do retorno assim que sentir que chegou.
E tudo com um só objetivo: avistar novamente tudo aquilo que foi encontrado no caminho de ida. E também com uma única certeza: nada daquilo avistado será o mesmo ou terá a mesma feição de poucos dias atrás.
Diferente do que ocorre com as pessoas, aonde cada segundo a mais na existência vai produzindo silenciosas e imperceptíveis transformações, noutras estradas sobrevêm perceptíveis mudanças. Tudo se deteriora rapidamente, sofre destruição, muitas vezes deixa de existir em pouco tempo.
Daí que sigo pela estrada para logo retornar e constatar o quanto já não permanece mais, foi transformado, deixou de existir. Acaso fosse demorado o retorno, logicamente que as mudanças seriam inevitáveis. Contudo, creio que em questão de dias e já estarei passando novamente pelos mesmos lugares.
Caminho avistando jardins floridos, e amanhã somente flores murchas e mortas; sigo avistando árvores imensas e imponentes, como se fossem indestrutíveis diante de qualquer ação, mas sei que talvez só encontre as toras deitadas na beira da estrada para serem transportadas para madeireiras.
Sigo avistando rios que correm à beira da estrada, águas piscosas, fontes de água boa para matar a sede, e na volta não haverá garantia alguma de encontrar ao menos uma cacimba de água salobra; vou avistando e conversando com pássaros, sentindo borboletas passeando ao redor, colibris buscando pétalas para beijar. E jamais será assim na estrada de retorno.
Sei que o retorno será mais rápido que a ida, vez que já conhecido o caminho e a distância. Mas também sei que a dor e o sofrimento tomarão o lugar do encantamento da ida, que a aflição do olhar trará cruéis consequências diante da outra realidade que certamente encontrarei.
Que houvesse transformações. Ora, tudo muda rapidamente. E também não desejaria encontrar apenas caminhos floridos, a paz e a beleza reinando por todo lugar. A consciência não permite pensar assim. O contentamento surgirá se ainda houver a permanência de algo que se deva apreciar.
Pelo que o homem faz, impõe, impiedosamente transforma, não seria difícil que retornasse por caminho desértico ou mesmo ladeando um imenso jardim. De cimento e pedra.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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