Rangel Alves da Costa*
Toda velhice tem a idade do tempo que viveu no passado. Ou, de outro modo, o tempo que permaneceu com validade no pensamento ou na memória. Ao menos assim deveria ser.
Contudo, não falo da velhice da idade, daquela imposta pelo calendário, pelos idos e acontecidos. Do mesmo modo, não falo da velhice do que era jovem ou do que simplesmente alcançou a última curva da estrada da vida.
A velhice, pois, abordada aqui, diz respeito a tudo aquilo que deixamos de lado simplesmente porque imaginamos que não tem mais valia, a tudo aquilo que preferimos não mais considerar com serventia alguma.
Para muitos, não tem mais valia alguma no mundo moderno acorrer ao quintal em busca de plantas medicinais, colocar um velho vinil numa vitrola mais velha ainda, ter em casa oratório ou mesmo acender uma vela para o diálogo espiritual.
Quanta velhice em ler a Bíblia, dialogar sobre os salmos e os caminhos dos evangelistas. O catecismo perdeu-se no tempo, a tabuada parece coisa do outro mundo. Aqueles cadernos grandes de caligrafia tornaram-se desconhecidos para a grande maioria dos jovens estudantes.
E por que acontece assim? Ora, a velhice, simplesmente a velhice. Basta a ideia de algo de uso comum em tempos passados para que os mais novos automaticamente façam a devida rejeição. E assim as coisas velhas, tão úteis e essenciais no saber e na praticidade da vida, acabam se tornando com as mesmas feições da velhice humana: incompreendida e esquecida.
Tal velhice é imposta pelo homem em atendimento aos apelos e exigências dos modismos da vida moderna. Expurga de si, faz vencer antecipadamente o prazo de validade e torna imprestável tudo aquilo que não corresponda ao novo. E muitas vezes sem proveito algum, pois apenas para corresponder ao que se sobressai no momento.
Lamentável que ocorra assim. O bom, o útil, o proveitoso, a lição, a sabedoria, mas de nenhum proveito porque o orgulho e a vaidade lhe impingiram o caráter negativo do envelhecimento. Assim, vão criando velhices até mesmo naquilo que continua usando ou fazendo - às escondidas -, e tão-somente para dar vazão aos prazeres e realidades que, na maioria das vezes, não são suas.
Uma velhice assim, considerada não pela idade e sim pelo esquecimento ou desvalorização, pode ser estendida a inúmeras situações pessoais e da vida. Pessoalmente porque de repente nos abandonamos um pouco, nos tornamos negligentes, deixamos de lado os cuidados tão considerados noutros momentos.
E nas situações de vida a velhice nos é mostrada a cada passo, em cada situação vivenciada. Para citar um exemplo, toda vez que alguém deixa de fazer alguma coisa correta porque se sente envergonhada, vez que teme ser chamada de cafona ou ultrapassada, aí estará uma terrível velhice.
Citando outro exemplo. Os simples cumprimentos, coisa como um bom dia ou boa tarde, ou mesmo aquela tradição de chamar os idosos por minha avó ou meu avô, quase não existem mais, foram expurgados das virtudes respeitosas simplesmente porque os jovens de hoje se sentem desobrigados aos bons costumes.
São fatos assim que remetem à velhice aqui abordada. Pelo mencionado acima, podemos conceituar esse tipo de velhice como o confronto não assumido do passado, de repente ignorado pelos mais jovens - e também pelos mais velhos - pelo fato de não pretenderem ser vistos como conservadores, retrógrados, com costumes desprezados pelos que estão ao redor.
Não sabem, contudo - ou sabem e se negam a admitir -, que as coisas velhas jamais deixarão de estar presentes no cotidiano de cada um. Ora, as lições são eternas, as sabedorias são calcadas nas pedras do tempo, todos os fundamentos do que se tem hoje por conhecimento possuem um longo caminho. Tudo velho, tudo antigo. E sempre atual.
Os modismos chegam arrogantemente, ameaçam, querem destruir conceitos a qualquer custo. Mas duvido que consigam afastar algumas coisas simples que se eternizam, assim como o livro “O Pequeno Príncipe”, um álbum de família, um brinquedo da infância.
Respeitando os costumes modernos e as propensões de vida abraçadas, ainda assim prego que não haverá demérito valorizar o antigo naquilo que a simplicidade e o romantismo do ser desejam ardorosamente. Chegar ao encontro levando à mão uma flor não é coisa do outro mundo; surpreender o outro com um versinho em bilhete também não.
E saber amar, um amor verdadeiro como antigamente, ao invés de ser um retorno ao passado é um renascimento daquilo que parece sepultado pelos apelos carnais dessa desrespeitosa e descomedida vida nova.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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