Rangel Alves da Costa*
No tempo de quintal também era o tempo do
saruê e do soim. Dois bichos miúdos, zanzando de lado a outro, surpreendendo a
cada instante. Um com um líquido fétido de não acabar mais e o outro com
mordida perigosa demais.
Saruê é bicho de mata, mais parecendo um rato
rabudo, mas que costuma visitar quintais onde existam árvores grandes,
principalmente frutíferas. O mesmo ocorre com o pequenino macaco, também
conhecido como sagui ou soim.
O saruê nunca gosta de ser revelado pelo seu
outro nome: gambá. Os motivos são óbvios. Teme que ninguém dele se aproxime com
medo de sua fama de malcheiroso. Exala o odor fétido mesmo, mas muito mais como
defesa do que por gostar de ser detestável.
O soim também não gosta de ser chamado sagui.
Acha mais romântico ser lembrado como bicho de estimação a ser reconhecido
apenas como um macaco que não cresceu. Odeia ser chamado sagui porque lhe faz
parecer algo como macaco-anão.
Tanto o saruê como o soim gosta das alturas
das árvores, de dormitar durante o dia e aparecer de repente onde se encontre
gente. Saem do quintal e vão se achegando da cozinha adentro, subindo nos
telhados, nas madeiras, onde exista um buraco para se esconder. Acabam sendo
forçosamente domesticados.
Descobriu-se um dia que tanto o saruê como o
soim tudo fazia para agradar seus amigos humanos, ou aqueles em cujos quintais
e residências acabavam fixando moradia. Desse modo, o saruê evitava ser expulso
a vassourada por causa da fama do seu cheiro ruim, enquanto o soim procurava se
comportar da melhor forma possível e não ser rejeitado pelas suas costumeiras
macaquices.
Por isso mesmo é que de vez em quando o saruê
sumia quase o dia inteiro. Quem o procurasse nada encontrava nem em cima da
árvore nem nos escondidos da casa. Quando a barriga apertava e tinha que soltar
líquido, então achava melhor estar na distância a ser apedrejado até a morte.
Por isso é que se escondia na mata para que seu odor não importunasse ninguém.
E dizem que seu cheiro era tão forte que ele
mesmo chegava a desmaiar por não suportar a podridão ao redor. Chegou ao ponto
de ter dificuldade até de encontrar um lugar sossegado para soltar seu esguicho
e depois forçadamente adormecer, pois muitos animais não admitiam que empesteasse
seus ambientes de vida. E foi até ameaçado se novamente aparecesse por ali.
Depois de retornar cansado e abatido de muito
distante, o saruê foi percebido pelo soim, que logo chegou a uma distância
segura para perguntar o que tinha acontecido para estar assim daquele jeito.
Quando, choroso e deprimido, o saruê lhe contou a situação e a ameaça recebida,
logo recebeu conforto imediato. E mais: ele, o soim, ia dar um jeito de não
precisar mais sair dali quando precisasse esguichar seu líquido malcheiroso.
E só mesmo soim para ter tanta inventividade.
Pediu que o amigo saruê esperasse um pouco e saiu em diligência pela casa, numa
velocidade estonteante, mais parecendo um raio pulando de canto a outro. Não
demorou muito e voltou dizendo que já havia encontrado o elixir de salvação do
amigo. E quando a vontade de esguichar apertasse era só avisar. Mas tinha de
ser a uns dois minutos antes, que era o tempo de ir buscar o remédio.
E foi por isso que os perfumes, as loções e
as lavandas, de repente começaram a sumir da penteadeira da bela e vaidosa
mocinha. Ali em cima do verniz lustroso o Toque de Amor, o Charisma, a Alfazema
Suissa, o Jardim Orvalhado, dentre outros frascos perfumados e de contínuo uso.
Um único responsável pelo sumiço da perfumaria: o soim.
Quando o saruê se apertava e gritava pelo
amigo, logo o macaquinho pulava em direção à janela da bela mocinha. Voltava rapidamente
trazendo um frasco que ele mesmo cuidava de abrir e emborcar na boca do
malcheiroso. E forçava que o saruê bebesse tudinho, não deixasse sequer um
pinguinho. Garantia-se, assim, que perfumado por dentro o bicho não lançasse
nada fedorento para fora.
Mas tudo teve efeito contrário. E duplo. A
bela mocinha pegou o soim com a boca na botija, enquanto surrupiava mais uma fragrância
e o expulsou do quintal a cabo de vassoura. Já o saruê não teve melhor sorte,
pois morreu com tanta mistura química no organismo. No alto da árvore estava e
lá mesmo se despediu dessa vida. Mas nunca se viu um bicho defunto tão
perfumado. Ao longe o macaquinho sentia o vento levando a fragrância e chorava
de saudade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com