Rangel Alves da Costa*
Gostaria de ter a dureza do cedro, a firmeza
do diamante, a impassibilidade da rocha. Contudo, sou apenas humano. Portanto,
nem o cedro, nem o diamante, nem a rocha. Apenas um vivente com sentimentos, anseios
e imperfeições. Quando muito, a ferrugem corroendo os restos daquilo que
imaginei ser.
Mas não me curvo às desditas da vida. Avisto
a árvore imponente, frondosa, de tronco vasto e folhagens espessas, e digo a
mim mesmo que sou assim também. Muito difícil será que eu perca aquela
imponência, aquela postura de permanência. Árvore que a nada se dobra, que não
se deixa ameaçar.
Assim também com a rocha que parece cada vez
mais petrificada e grandiosa. Os anos passam, surgem as tempestades e
vendavais, e ela ali com seu cume majestoso. Sou como aquela pedra, digo em
confissão. E sem imaginar que a cada segundo dezenas de grãos são levados na
passagem do vento, no cair da chuva, nas mudanças da natureza. E um dia, grão a
grão, pouco restará de tudo.
A feição efêmera, provisória, inconstante da
vida. Em tudo busco a perenidade, a permanência, porém sei que tudo tem seu
curso e pede passagem. E vai, e segue adiante sem adeus nem volta. Assim as
águas do rio vão desaguando, a árvore ficando nua, o novo cobrando seu espaço
de existência. E o antigo, ah o antigo é apenas folha no ardor do outono.
A folha não merecia ter o destino igual o do
homem. Diferencia-se apenas pela beleza na vida e pelo tempo curto demais pra
viver. O homem de vez em quanto alcança a velhice. Mas a folha sempre parece
morrer quando ainda está no mais belo viço da vida. E tão de repente. E muitos
olhares humanos acabam velando milhares de folhas ao longo da existência.
Jamais imaginei que a folha tão bela e
vistosa pudesse definhar tão rapidamente. O verde tomando a cor amarelada, o
amarelo ficando na cor ocre, o ocre se tornando cinzento, e o cinzento já sem
vida, sem seiva, sem essência, sem nada. E os restos da vida – uma vida frágil
e de braços abertos – esperando somente a passagem da ventania do entardecer
para alçar aos espaços, ao chão, ao túmulo de mil folhas mortas.
Que tristeza a vida da folha. Numa manhã,
sentado no banco da praça, por longo tempo mirando aquela perfeição da
natureza. Desde o tronco da árvore à folha mais alta do galho mais alto, tudo
num equilíbrio verdejante de encantar. Ali a seiva pura, a essência, o frescor
tingido em verde, a formosura brilhosa. No entardecer do dia seguinte a
paisagem já é outra. Melancólica, aflitiva, angustiante.
Há por todo lugar um cemitério de folhas. Nos
canteiros, jardins, praças, por dentro do mato, atrás dos muros. Não apenas no
outono como nas demais estações, elas se desprendem dos galhos e alcançam o
chão já adormecidas para a eternidade. Restos ocres, cinzas, enferrujados, sem
cor, apenas folhas mortas.
Há quem sente nos bancos das praças para as
sentinelas do adeus. Há um poeta que sempre chega ao entardecer para versejar
sobre a vida, a morte e o renascimento das folhas. Há um velho senhor que
silenciosamente mira aquele tapete enlutado e depois começa a lacrimejar. E nas
tardes, quando o meu passo passa ao redor de tais folhas, prefiro olhar para o
alto, para os galhos além, e talvez avistar as vidas que logo se transformarão
em pó.
És pó, e ao pó há de retornar. A sentença maior,
inevitável. E os exemplos parecem não ter serventia alguma ao ser humano. Nunca
percebemos que os outonos sempre chegam, que as folhas morrem, e mesmo assim
queremos ser demais, vivemos na ilusão do poder, da riqueza, apegados à
ganância e à cobiça, à insensatez.
O tronco da árvore, aparentemente tão forte,
também destinado ao definhamento, à lâmina ou à serra, à voracidade do ferro. E
ferro que também corrói, enferruja, se dissipa, morre. Tudo com o seu tempo de
nascer e morrer. Uma aparente solidez que o tempo transforma em pó e pelo ar da
eternidade vai esvoaçando.
Por isso mesmo que não vivo de ilusões. Queria
ter a força de cedro, a solidez do ferro, a firmeza do diamante. Talvez um
sonho humano. Tudo diferente do que a realidade permite ser: apenas uma folha.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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