Rangel Alves da Costa*
Tempos difíceis são os tempos do homem que
imagina avistar borboletas na janela.
Na ficção, em Cem Anos de Solidão, Garcia
Márquez fez com que borboletas amarelas voejassem onde Meme Buendía e Maurício
Babilônia estivessem. E também o dramaturgo Aguinaldo Silva em Pedra Sobre
Pedra espalhou borboletas sobre o corpo de Jorge Tadeu e elas continuaram
aparecendo no quarto de suas amantes.
Para além do realismo fantástico ou do
maravilhoso na literatura e na dramaturgia, as borboletas surgem às janelas de
vez em quando. Chegam para encantar a vida, para trazer cores em dias sombrios
e tristes.
Nos interiores e povoações onde a pujança da
natureza faz vizinhança com as moradias, não é difícil que borboletas
ultrapassem portas e janelas ou pousem nos umbrais e depois adentrem para
passeios pelas acomodações.
Nos grandes centros urbanos, nas cidades de
cimento, asfalto e ferro, ninguém espere encontrar facilmente os encantadores
insetos batendo suas asas multicoloridas. Elas não estarão nos umbrais nem
pousando acima do porta-retratos.
Mas ainda assim, mesmo não havendo um só
jardim, praça ou canteiro pelos arredores, muita gente cada vez mais busca o
encantamento das borboletas nas janelas.
Mesmo em locais sem janelas, em apartamentos
que mais parecem cubículos, em aposentos sem contato nenhum com a natureza ou
mundo lá fora, pessoas insistem em avistar borboletas nas janelas.
Talvez seja a síndrome da ilusão como fuga ou
a fuga através do idílio, da fantasia, do inexistente. Algum sábio certamente
diria que o homem finge avistar aquilo que o seu medonho mundo não mais permite
ter, ver ou sentir.
Nos tempos modernos, duros como o ferro e
frágeis como a ferrugem, a visão das borboletas possui uma simbologia tão
dolorosa quanto encantadora.
Dolorosa porque uma necessidade espantosa de
encontrar qualquer coisa que cause uma boa sensação aos sentimentos. É como se
o homem precisasse encontrar um encantamento à vida a qualquer custo. Daí o
encantamento com a simbologia das borboletas na janela.
As borboletas não estão ali, não podem estar
nem jamais estarão naquele lugar, naquele umbral de janela, mas é tão grande a
necessidade de encontrar e se encantar com qualquer coisa bela, que o ser
humano acaba avistando aquelas cores maravilhosas nas asas que alegremente
valseiam.
Não há janela, não há umbral, não há
borboleta. Talvez um quarto sombrio, escuro, melancólico, triste, sem a
possibilidade de se avistar qualquer coisa que se faça presente pelo ar.
Contudo, em instantes e situações assim é que as borboletas costumam aparecer
como mais cores e mais beleza.
O distanciamento do homem moderno das
pequenas e belas coisas da vida, o afastamento deste homem da natureza e,
consequentemente, sua vida totalmente direcionada ao maquinismo burocrático da
sobrevivência, certamente que o faz perder a sensibilidade perante as coisas
simples que provocam bons sentimentos e alimentam a alma e o espírito.
Contudo, chega um tempo que o homem se sente
sufocado, oprimido, aprisionado, sem saída, necessitando urgentemente de
liberdade para reencontrar-se e novamente poder sorrir, brincar, realmente
viver. Mas nem sempre é possível a ruptura entre este e as exigências do mundo.
Ao se sentir aprisionado, então começa a avistar borboletas na janela.
Os olhos precisam encontrar uma bela
paisagem, algo confortante à alma, que cause sensações de paz e de libertação.
Mas os muros do mundo não permitem. Então avista borboletas na janela. Precisa
caminhar, correr, subir montanhas, se refrescar sobre a relva, declamar a
poesia da natureza. Mas as portas não se abrem para que assim aconteça. Então
começa a avistar borboletas na janela.
Numa síntese, as borboletas na janela seria a
metáfora da realidade desejada ante a dolorosa realidade vivenciada. O homem
quer ser feliz, quer se libertar, quer alcançar o comum da vida, quer
reencontrar as graças e as grandezas da vida, mas a sua realidade opressora não
permite. Então começa a fazer da ilusão, da imaginação e da fantasia, uma
janela.
E avista borboletas esvoaçando alegres ao
olhar em direção à janela. Certamente que não estará enlouquecendo e nem
precisará ir até lá verificar como aquilo pode ser possível. Todas as respostas
estão dentro de si. Precisa avistar borboletas, simplesmente assim.
Precisa avistar borboletas para que os sonhos
não se percam, os desejos não adormeçam, as alegrias não se percam, o seu lado
humano continue vivo e pulsante. Nas borboletas a sensação de que é preciso
viver para que as ilusões se tornem realidade além da janela e de tudo no mundo
que não permita voar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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