Rangel Alves da Costa*
A noite desce e se espalha pelos cemitérios.
Uma atmosfera padecente recai sobre tudo. Os jazigos e túmulos silenciam seus
gritos. Um cheiro de flores mortas se espalha nas lápides. Debaixo da lua triste,
em meio ao negrume de velas apagadas, os anjos velam e choram os seus mortos.
Não só anjos como outras esculturas aladas
pranteiam os mortos nos cemitérios. Túmulos existem que são perfeições
artísticas, desde a concepção da pedra tumular às esculturas que ali são
colocadas não só para dignificar o falecido como para lhe fazer companhia e
velar pelo seu descanso. Como possuem aspectos de sacralidade, também para
servir de ligação entre a morte e o etéreo, a espiritualidade.
O aspecto gótico de muitos cemitérios
(arquitetura sombria, túmulos de mármore escurecido, esculturas carregadas de
dor e melancolia), ao invés de transformá-los em ambientações tenebrosas, acaba
proporcionando uma beleza realista sem igual. Há poesia em tudo. Muitos ali
avistam a estética da alma humana, sua espiritualidade e o seu nada ser, para
novamente ser tudo depois da partida. Por isso mesmo que muitos fazem dos
cemitérios um local para refletir e tentar compreender os mistérios da vida e
da morte.
É como se o visitante estivesse caminhando
por uma cidade silenciosa, com ruas sem movimento, portas fechadas e pessoas
recolhidas ao seu descanso. Os jardins com poucas flores, tantas vezes murchas,
não escondem uma feição melancolicamente outonal. A paisagem solene e sombria
relembra sempre um entardecer. E os anjos, santos, deusas e musas, cujas
personificações tomam forma humana, sempre possuem feições profundamente
tristes, porém serenas, com olhos que se derramam em lágrimas.
Mas nenhuma poesia igual àquela que é
avistada nos semblantes dos anjos que ali silenciam com suas asas repousadas
sobre os frios mármores. Não há nada mais comovente e enternecedor, não há nada
mais sublime e emotivo, nada mais significativo à alma e ao espírito. Deveras
triste, aflitivo, angustiante, mas a fiel tradução dos sentimentos. Se os
epitáfios procuram traduzir em palavras o significado do falecido, é na feição
do anjo que se avista a dor pela sua partida.
Realmente, o semblante, a feição, o olhar e a
forma como está acima ou ao redor do túmulo, dizem por si mesmo o sentimento
evidenciado no anjo. As lágrimas descem na face tomada de luto. As asas
pendidas, rentes ao corpo, dizem da desolação e do sofrimento perante a
situação. Os braços estendidos sobre o mármore ou sobre a pedra do epitáfio, certamente
dizem sobre a vertigem da alma perante o todo ali revelado. E as lágrimas, o
que dizem as lágrimas dos anjos?
Que o vivo adentre naqueles portões e
cuidadosamente mire nos olhos dos anjos dos cemitérios. Não será preciso
recordar a vida partida, sua significação e a dor da saudade causada, pois tudo
estará revelado nas lágrimas que descem daqueles olhos petrificados. Olhos
inertes, imóveis, parados, fixos, parecendo apenas de pedra, mas latejando com
tamanha vivacidade que somente apurada reflexão para entender o porquê de
aquelas lágrimas serem tão vivas e verdadeiras.
Ali nos anjos as lágrimas dos homens. Ali no
semblante sofrido dos anjos, o sofrimento dos homens. Ali na vigília eterna da
morte, a saudade que se eterniza nos homens. Os anjos humanizam-se na dor
sentida, na tristeza, na recordação. Como os seres humanos não podem abdicar da
vida e permanecer ao lado dos túmulos de seus entes queridos, então aos anjos é
destinada aquela dolorosa sentinela. E chorando sempre as mesmas lágrimas dos
que íntima e eternamente pranteiam os seus.
Como disse o poeta: Caminho pelos cemitérios
de lenço à mão, descendo-o encharcado dos olhos. E se abraço aqueles anjos nos
túmulos, logo estarei navegando num rio de lágrimas ao encontro de quem tantas
saudades deixou. Ou conhecendo o meu próprio destino.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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