Rangel Alves da Costa*
Que não se imagine a sertaneja Marizete como
mais uma beata que todo dia vai cumprir seu ofício de oração na Igreja Matriz
de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Beata ela é, pois religiosamente
devocionada, de fé incontida, lançada de corpo e alma aos poderes de Deus, dos
santos e anjos. Contudo, é muito mais. E de forma até incompreendida.
Quem é de Poço Redondo conhece Marizete não
só por ser uma das pessoas mais tradicionais do lugar, de família reconhecida
na terra e parentesco que remonta às origens sertanejas, mas também pelo seu
convívio com a igreja matriz e abnegação e zelo pelo templo de fé. E creio
estar aí – na vocação para servir à sua igreja – o prazer da vida somente
comparável à sua família e seu lar.
Marizete faz parte de um respeitado círculo
de pessoas a quem deve muito a igreja poço-redondense. Pessoas que sempre se
dedicaram de corpo e alma ao zelo do templo católico, a manter vivos os
ofícios, a chamar fiéis para expressarem suas devoções não só nas pregações
eucarísticas como também nas ladainhas, vigílias, sentinelas, procissões,
encontros de cantos e devoção, enfim, para aquecerem a chama divina nos
corações.
Marizete, mesmo sendo mais jovem, é da mesma
raiz devocional da qual fazia parte Isabel Marques, Dona Lídia, Maria José sua
irmã e tantas outras sertanejas que foram além de simples católicas extremadas,
para se transformarem em guardiãs da Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Conceição, e desde que o templo era de construção acanhada e menos espaçosa que
a bela casa de Deus que hoje se contempla imponente na Praça da Matriz.
Quando Isabel Marques, ou Bebela, como era
mais conhecida, vivia a igrejinha como se fosse seu segundo lar, e por isso
mesmo mantinha até as chaves consigo, Marizete já lhe ajudava no cuidado, na
manutenção, no dia a dia de tudo que o templo precisasse para bem acolher os
fiéis. E quando Bebela, por um atrito havido com um vigário então chegado,
resolveu entregar as chaves da igreja e dela se afastou (depois acabou
construindo uma igrejinha bem ao fundo da matriz), Marizete continuou servindo
ao lar sagrado.
Nunca foi do interesse de Marizete ser alçada
à condição de administradora, de responsável pela vida do templo, de ser pessoa
influente na igreja e na paróquia. Sempre se satisfez – e algo que certamente a
orgulha muito – em se dedicar com força viva à manutenção e preservação daquele
local sagrado. Ao invés de estar pelas calçadas conversando, ela sempre
preferiu estar zelando pela igreja. Ao invés de ser apenas mais uma católica se
dirigindo para os ofícios, ela lá já está preparando tudo para a acolhida dos
fiéis.
Talvez seja por isso que Marizete sempre foi
incompreendida por pequena parte da população poço-redondense. Nem sempre
agrada a pessoa que se dedica a uma causa tão nobre como ela faz. Nem sempre é
vista com o devido reconhecimento a pessoa que abdica de tantas coisas na vida
para se sentir bem fazendo o que ela faz: amiga da igreja, de todo sacerdote,
organizando eventos religiosos, convidando para os ofícios, sempre presente no
lar sagrado.
Na verdade, Marizete faz parte de uma legião
católica que infelizmente está rareando em Poço Redondo. Foi-se o tempo de
Bebela, Dona Lídia, de sertanejas que partiram abraçadas à cruz. Mas os mais
jovens, tanto homens como mulheres, deveriam seguir o exemplo de pessoas como
Marizete, Mazé de Iracema, Jovanete e tantas outras que se orgulham de sua
igreja e dela alimentam a vida.
Ainda lembro-me de minha avó Marieta (Mãeta),
já velhinha, atravessando a Praça da Matriz em direção à igrejinha. Minha mãe
Dona Peta velando a imagem do Senhor na semana santa, virando a madrugada
entoando cânticos belíssimos e tristes com sua linda voz. E minha avó Emeliana
com seu passo de fé em busca de proteção para toda a família. Um povo de fé.
Uma fé que Marizete ainda cultiva. Graças a Deus.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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