*Rangel Alves da Costa
Ainda
acontece, mas o ofício da tocaiagem era grandemente característico no passado
coronelista, num tempo de senhores de instintos abomináveis, de crueldade
desenfreada, onde qualquer ameaça ao seu poder era resolvida na bala. Mas
também nas relações odiosas entre pessoas comuns, quando as rixas e as discórdias
provocavam somatórios de mortes por emboscada. Noutras situações de vinditas
também o recurso da espera assassina, assim nas lides cangaceiras e nas revoltas
sangrentas sertões adentro.
Morte de
tocaia é morte à traição, perpetrada sem que a vítima sequer imagine que o
inimigo o espera numa curva de estrada, por detrás de um pé de pau, dentro de
um tufo de mato, em qualquer lugar onde possa se manter escondido e a arma
mirada em linha certeira. Impossível de se defender quando apenas a boca
faminta da arma vai no encalço esperando o instante certo para cuspir fogo.
Como
aconteceu tantas vezes, o sujeito vai caminhando armado até os dentes ou mesmo
galopando em cavalo ligeiro com verdadeiro arsenal, mas não sabe que mais
adiante alguém aguarda sua passagem de arma já preparada. Não consegue avistar
nada porque o jagunço está encoberto pelas folhagens, pelas árvores ou outra
mureta nativa. Mesmo a dois metros não consegue avistar nada. Mas a arma já
mirando sua chegada e ávida para ser disparada. E num instante basta apertar o
gatilho, e pronto. O sujeito cai estrebuchando no chão.
Tal o modus operandi no ofício da jagunçagem e
da tocaiagem, mas que não se imagine ser tarefa fácil de matador. A tocaia
exige profissionalismo, preparo, segurança, firmeza e frieza. E assim porque
exige não só a pontaria certeira, mas também preparação e conhecimento de
campo. O jagunço matador precisa escolher o local da ação, necessita conhecer a
vegetação da região, bem como saber a hora aproximada que o futuro defunto passará
diante de sua mira.
Escolhido
o local, resta a parte mais difícil e demorada: a espera. O jagunço nunca chega
pela estrada comum ou pela vereda aberta, mas por dentro da mataria, de modo
silencioso e lento. Ao chegar, o passo seguinte é procurar um lugar onde fique
escondido e ao mesmo tempo possa avistar tudo o que acontece mais adiante. E
também a colocação do cano da arma de tal modo que, estando com a boca livre,
ainda assim não possa ser avistada.
Contudo, a
espera em si é o mais angustiante, fazendo mesmo que muitos jagunços tenham
desistido antes do evento fatal. Em primeiro lugar, porque só suporta esperar
sem refletir sobre as consequências de sua ação aquele matador que já é movido
pela cegueira da ação, pela cruel insanidade ou pela contumaz covardia. Em
segundo lugar, porque qualquer sentimento surgido na espera pode provocar
desistência. Daí que o jagunço não pensa em outra coisa senão preparar comida
de urubu e retornar para dar notícia ao mandante, seu patrão.
Foi porque
o marcado para morrer demorou a passar e o matador começou a pensar num monte
de coisas, principalmente na sua sina de viver para a morte do outro, que se
deu a última tocaia, ao menos para este mando. Enquanto esperava, sempre em
posição de disparo, o jagunço olhou por cima do cano e apo final era como se
avistasse um espelho adiante: ali um defunto sendo velado, uma família
chorando, pessoas entristecidas, crianças sem pai e vidas ao desalento.
Logo
cuidou de mudar de pensamento, mas ainda no espelho logo lhe surgiu sua própria
face, suas mãos sujas de sangue, sua cama de capim, seu rosto entristecido, sua
mão recebendo vintém, o dente de ouro do coronel brilhando na boca maldita, uma
cova rasa e sem cruz no meio do mato. Aquela era sua vida, aquele seria o seu
destino. Em seguida avistou, ao longe, cavalo e cavaleiro se aproximando.
De arma apontada, na mira certa, mas não teve coragem de apertar o gatilho. Desistiu. Ali a última tocaia, sem tiro, sem sangue, sem morte. E um jagunço seguindo por uma estrada distante do casarão do coronel.
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