*Rangel Alves da Costa
As novas discussões, suposições e
invencionices, que surgem a cada dia, servem apenas para demonstrar o quanto
impossível é contextualizá-lo de forma progressiva, através das ocorrências.
Surgem tantos absurdos, mentiras e conversas sem pé nem cabeça, que o
despreparado no tema logo entrará num turbilhão de descrenças.
Mas algumas verdades podem ser ditas sobre o
Cangaço. Alguns contextos podem ser visualizados no Cangaço que jamais poderão
ser negados, vez que extraídos não dos acontecimentos em si, mas do todo que
serviu de base à sua existência. Então vejamos.
O Cangaço
não é página histórica bonita nem feia, é testemunho do passado que precisa ser
estudado e compreendido. O Cangaço não está numa balança para saber se pende
mais para o lado do heroísmo ou do mero banditismo, pois seu peso está no
contexto histórico, e não na conveniência da opinião de cada um.
O Cangaço
não é filme imaginário, de cenas mirabolantes, encenações grandiosas nem de
cenários ilusórios, mas uma realidade tão viva, apavorante e perigosa, que cada
personagem de sua história temia o que poderia acontecer no passo seguinte. O
Cangaço existiu dentro de uma teia de covardias, de mentiras e traições, mas
principalmente num contexto de valentes, destemidos e desassombrados.
O Cangaço
não existiu somente no mato, em meio aos catingueirais, coitos e veredas
espinhentas, mas também nos palácios, nos centros de poder, nos casarões
coronelistas, pois chamou para si a atenção de todos e, de certa forma, alargou
o conceito de coiteiros poderosos.
O Cangaço
teve em muitos sua força de existência. Não apenas o cangaceiro sustentou no
ombro o peso da vida tão dura e de sacrifícios. O sertanejo comum, aquele
mateiro ou lavrador, logo denominado coiteiro, também suportou dores e aflições
em nome daqueles foragidos das matas. Muitas vezes, o pobre sertanejo era
torturado para dizer o que não sabia sobre o paradeiro do bando.
O Cangaço
se sustentou no medo, no temor, na violência, no sangue derramado. Mas o rastro
de sangue deixado vinha de uma vítima maior: o sertão. Foi o sertão quem mais
sofreu com a existência do cangaço e das volantes, com os embates e as
perseguições, com as caçadas e as estadias. Não havia nem sossego nem paz. O
Cangaço amedrontava, mas a volante aterrorizava.
O Cangaço,
e há de se reconhecer, foi forte demais para existir e resistir por tanto
tempo. Mas houve um tempo de luta justificada contra a opressão, outro tempo de
confrontos e lutas renhidas em nome da sobrevivência, e ainda outro tempo onde
nada mais se justificava, a não ser a busca de se defender. Não havia mais
bandeira de luta nem nada que justificasse a permanência no sacrifício.
O Cangaço
não existiu nem sobreviveu por tanto tempo com suas próprias forças, pois
dependeu de gente muito poderosa para alimentar seu império de luta. O Cangaço
nasceu como centro de arregimentação de renegados, perseguidos e bandidos
comuns, para depois se transformar no Cangaço de Lampião: um escudo contra as
injustiças e opressões, mas para depois transmudar em mero confronto às forças
estatais de perseguição.
O Cangaço
de Lampião representou uma oposição ao status
quo da política, dos poderes e dos latifúndios, ainda que para sobreviver
dependesse de muito daquilo que dizia combater. O Cangaço pode ser visto como
um partido político, cujo comandante buscava atrair opositores pela força,
tecia alianças para garantir sobrevida, impunha terror aos desafetos, porém sem
perspectiva de vitória alguma.
Qual vitória
poderia obter o Cangaço? Continuar apenas existindo, mesmo já reconhecendo suas
fragilidades, seus desânimos à luta, sua sangria por dentro. O Cangaço já não
estava tão vivo quando morreu. Seus sopros de vida já estavam esvaídos. A
continuidade da luta era muito mais por teimosia do que pela valia de alguma
coisa.
Os que
continuavam na luta já estavam sendo sacrificados demais e talvez esperando
somente a tão esperada decisão de Lampião: depor as armas, fugir ou se
entregar. Se não fosse o episódio cinematográfico da Chacina de Angico, talvez
o Cangaço nem tivesse alcançado tamanha repercussão histórica.
Mas a chacina daqueles onze na trágica manhã de julho de 38, antecipando um fim que já tão próximo, acabou colocando nos epitáfios o que ainda sustenta a história: O Cangaço não morreu!
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