*Rangel Alves da Costa
Galinha
gorda, nascida e criada na engorda dos quintais, dos monturos, dos terreiros e
na solta do meio do mundo.
E galinha
muita, pois muitos quintais e nestes sempre os poleiros, recantos e estrados apinhados
da cacarejante.
Mas também
meio mundo de pintos, galos e outros ciscantes. Hoje, a verdadeira galinha de
capoeira é raridade, está praticamente sumida.
Nos
afastados da cidade, nas fazendolas e moradias, ainda é possível encontrar a
cacarejante engordando logo após a porta da cozinha, quintal arriba e pelos
arredores.
Milho,
xerém, restos de comida, basta jogar adiante e a correria está feita. A
galinhada come de tudo, bastando jogar uma mão de qualquer coisa e a festa está
feita no quintal, terreiro ou malhada.
Puxar o
pescoço de uma dessas é ter a certeza de panela cheirosa e comida boa, gorda,
oleosa pela banha da própria ave, de osso duro e carne saborosa sem igual.
Mas nem
todo sertanejo gosta de colocar uma galinha no fogo. Coisa estranha acontece,
mas mesmo com o quintal cheio das penosas, não raro a panela estar
completamente vazia.
Muitas
vezes cria só por criar, para ter ovos ou para vender, porém não se encoraja de
puxar o pescoço de uma de jeito nenhum. E isso é uma verdade.
Conheço
gente interiorana, com galinha ciscando por todo lugar, mas não tem coragem de
lançar mão de uma quando o tiquinho de carne da feira acaba.
Fica sem a
mistura do feijão ou da feira, mas a galinha fica. Procura qualquer naco de
outra coisa, mas a penosa fica ciscando, cacarejando, em riba do poleiro,
sujando o quintal inteiro.
Na região
sertaneja, tantos nos afastados como na cidade, havia tanta galinha de capoeira
que certa feita aconteceu um episódio interessante. E bote interessante nisso.
Nos anos
70, quando da chegada da energia elétrica na cidade de Poço Redondo, a noite de
primeira iluminação foi mais surpreendente do que se poderia imaginar.
E não só
pelo número de pessoas nas ruas, mas principalmente pelas galinhas que tomavam
todos os recantos da cidade.
Acostumadas
a deitar logo ao escurecer, ainda antes da boca da noite, as galinhas
confundiram a luz da energia com a luz do dia e foi um problema sério pra ser
resolvido.
Imaginando
ainda ser dia, de repente deixaram os quintais e começaram a passear pela
cidade. Nem subiram aos poleiros e já estavam passeando pelos becos, ruas e
avenidas.
Pra cada
dez pessoas havia vinte galinhas dividindo o mesmo espaço. E demorou tempo até
se acostumarem.
Contudo,
não só as galinhas ficaram desnorteadas pela chegada da luz elétrica. Muita
gente também. E muita coisa estranha começou a acontecer, e fatos ainda hoje
recordados por muitos.
Menino não
queria dormir de jeito nenhum. Uma velha senhora chorava de se acabar porque
não sabia mais a hora de rezar seus credos e orações. Um maluquinho, reclamando
que a noite não chegava mais, então começou a jogar pedras nos postes e nas
lâmpadas.
Mas o pior
aconteceu com Leotério: oito da noite e ele deitado na calçada pra tomar sol. E
quando o galo cantava na madrugada, então ele dizia: O mundo tá doido. Nunca vi
dizer que galo cantasse com o sol já saído.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com