SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 30 de novembro de 2010

LUA NAMORADEIRA (Crônica)

LUA NAMORADEIRA

Rangel Alves da Costa*


Na minha casa há uma área verde, bem do lado que o vento bate, com plantas espalhadas e o sol de todo dia. A partir do entardecer começa um clima gostoso, com a brisa soprando e o ar aconchegante se espalhando de cima a baixo.
A rede se balança sozinha, me esperando para a leitura e os sonhos com personagens das histórias novelescas de cavalaria. Muitas vezes viajei no Roncinante, defendi castelos medievais de reis ameaçados de perder a hereditariedade do poder. É bom porque depois encontro alguma inspiração nisso para o que vou escrever.
É uma maravilha esse recanto, onde costumo dormir a noite inteira quando o tempo não é de chuva. No calor que invade os compartimentos, ter essa varanda para dormir tranquilamente, sem ser importunado por nada ou ninguém, certamente que é uma graça divina. Contudo, nas últimas noites que tenho dormido por lá coisas estranhas começaram a acontecer.
Certamente dirão que é mentira, que faz parte dos tantos sonhos ou é pura alucinação, mas a verdade é que a lua não quer mais me deixar em paz, cismou que quer namorar comigo e diz que não desiste enquanto eu não provar a lua-de-mel no meio da noite.
Tudo começou quando coloquei em cima de cadeira "As mil e uma noites" e passei a olhar firmemente para a lua bonita lá em cima, viajando com as desventuras de Shariar e Shazman e as espertezas de Sherazade, quando percebi que a lua vinha em minha direção, como se estivesse caindo lentamente, e cada vez mais bela e encantadora ao se aproximar.
Devia estar com muito sono para estar imaginando coisas. Quem já se viu uma lua sair do firmamento e vim passear pertinho onde eu estava deitado? Adormeci, mas não consegui sonhar os meus tantos sonhos de sempre, mas somente uma miragem muito distante com uma lua que se aproximava de mim e dava um beijo.
Na noite seguinte aconteceu a mesma coisa. Após a leitura e a viagem pelo mundo dos personagens, sempre voltado para a luz do luar, senti a mesma sensação de ver a lua se aproximar, descendo devagarzinho e ficar pairando sobre o meu espaço de visão. Só que dessa vez ela veio ainda mais perto, brilhava mais forte e mudava na tonalidade da luz, como se quisesse falar com seus raios que visivelmente faziam desenhos nas paredes.
Ora, só podia estar cansado demais ou começando a enlouquecer para achar que aquilo tudo estava realmente acontecendo. Para não duvidar mais da razão, fechei os olhos e adormeci para os sonhos. Mas que sonhos que nada, apenas a imagem da lua entrando pela varanda e vagueando por cima de mim, despejando sobre o meu corpo pequenas gotas de luz que só depois passei a saber para que serviam.
E desse mesmo modo no terceiro e no quarto dia, pois no quinto aconteceu realmente o inesperado. Naquela noite deitei e nem pensei mais em ler, ficando apenas voltado para o firmamento e esperando a lua fazer sua viagem, descer e ficar bem pertinho de mim. Mas naquela noite não houve lua, não houve luarar, não houve nenhum resquício da senhora da noite. Sumiu por completo, desapareceu de vez.
Era como se ela não existisse, pois as estrelas passeavam sozinhas e faziam o papel das únicas luzes existentes no negrume do firmamento. E de repente quem vem descendo em minha direção é uma estrela bonita, grandiosa, toda iluminada de encantamentos. Chegou bem pertinho e disse que tinha um recado a me dar e falou que a lua só voltaria a aparecer na noite se eu aceitasse namorar com ela.
Perguntei como aquilo seria possível e a estrela me respondeu que bastava que eu sentisse e olhasse para a noite como um grande coração apaixonado pulsando na lua.




Poeta e cronista
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Do princípio ao fim (Poesia)

Do princípio ao fim


No começo criamos a nossa presença
dois seres entre os céus e a terra
sem saber em qual direção seguir
nas muitas estradas sem ter onde ir
então fizemos o olhar
para enxergar um ao outro
para enfim nos unir

E começamos a caminhar unidos
procurando razão na existência
sentindo a falta de alegria no coração
para espantar a frieza de dois na solidão
então fizemos o amor
para dar significado ao prazer
para acalmar nossa tentação

E um dia encontramos Deus
e Ele nos disse que dali em diante
nos daria as duas faces
de tudo que havia na terra
o bem e o mal
o frio e o calor
a solidão e o amor
para que escolhêssemos assim
o nosso princípio e nosso fim.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 16 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 16

Rangel Alves da Costa*


Com efeito, a madrugada apresentou um tempo firme, de céu estrelado e vento moderado, dentro da normalidade desse percurso entre a noite e o dia. Contudo, já perto das quatro horas da manhã a natureza começou a ficar entristecida, nuvens foram tomando conta do céu, o vento aumentou em muito sua velocidade e o que já deveria ter a claridade do dia que se iniciava ficou mais escurecido e nevoento.
Quem conhecia as transformações repentinas da natureza, logo diria que não demoraria a cair trovoada, tempestade ou coisa parecida. Mas estaria completamente enganado, pois o que começou a surgir de mansinho foi uma chuvinha fina, fraquinha, porém constante e tomando praticamente a visão da natureza ao redor. Não se enxergava praticamente cinco metros à frente.
Como a estrela-de-fogo tinha um modo diferente de dormir, pois repousava às dez horas da noite e dormia até meia-noite; despertava e assim ficava até uma hora; em seguida adormecia novamente até duas horas; acordava às duas e ficava fazendo nada até duas e meia; depois dormia até três, quando acordava e daí em diante apenas cochilava e acordava, cochilava e acordava, de modo que a partir das três da manhã já pudesse acompanhar, mesmo que ainda sonolentamente, tudo o que ocorria ao redor.
Desse modo, a partir das quatro horas da manhã, mais sonolento do que o costume por causa do clima chuvoso, ainda assim não pôde deixar de começar a perceber movimentações e conversas estranhas ali no jardim. Não era momento e oportunidade para nada daquilo estar ocorrendo, ficou imaginando.
De início, ouvia bem baixinho, como se os rumores viessem de bem longe, mas depois de aguçar o ouvido e procurar enxergar por entre o tempo fechado, passou a avistar certos vultos e ouvir certas palavras que lhe pareceram imediatamente instigantes.
Com efeito, Seu Heleno, o jardineiro, parecia estar ali àquela hora do dia e caminhava de mansinho de um lado pra outro, conversando particularmente algumas coisas com determinadas flores. E não era para aquilo estar ocorrendo porque ele não dormia ali. Aliás, pelo que já havia investigado, ele morava bem distante, num subúrbio, com esposa e filho.
Mas ele estava e parecia não restar dúvidas. "Eu disse pra você ficar calada, fazer de conta que não fez nada nem ouviu nada, mas você parece que tem o bicho falador na língua e de repente pode botar tudo a perder. Se foi você quem matou as rosas e por isso mesmo quer se ver livre da acusação, então tem que fazer com que ela suspeite mais de outras flores. Ela é esperta demais, você sabe bem disso, e é até por isso que foi contratada para descobrir a culpada ou os culpados. Mas isto não quer dizer que quem ela descubra seja realmente culpada. A culpa vai recair certamente onde os comentários crescerem, as suspeitas aumentarem, o disse-me-disse passar a indicar que tem alguma culpa. Por isso mesmo é que se você quer ficar livre dessa acusação, até porque você é a verdadeira culpada, então tem que começar imediatamente a acusar flores ou plantas inocentes. Por que não começa a comentar que foi o sabiá apaixonado? Por que não começa a jogar a culpa na margarida, no crisântemo ou na hortênsia?".
Era a voz do jardineiro, não tinha dúvidas. Mas quem falou em seguida não conseguiu identificar. E naquele momento nada mais importante do que poder constatar quem era a interlocutora do homem, pois era aquela a verdadeira assassina, segundo havia sido declarado ali. Mas a flor misteriosa respondeu:
"Mas não fui eu. Eu não tenho nada com isso. Não tenho que temer nem acusar ninguém porque não fui eu. Eu até sei por que você quer me culpar, acusando por um ato que não pratiquei. Eu não gostava delas sim, mas ainda não teria coragem de tirar a vida daquelas bestinhas egoístas. A todo mundo é dado o direito de continuar vivendo, sabia disso? E você sabe muito quem matou e a culpada está entre aquelas três que faz parte de sua máfia. E quem faz parte de sua máfia, senão o jasmim, o copo-de-leite e a violeta? Vá procurar que entre essas três há a marca de sangue no destino. E cuidado para não ter sido você o culpado".
Máfia? De que máfia falava aquela misteriosa flor? Só faltava essa. Que coisa mais intrigante, ficou conversando sozinha a estrela-de-fogo.


continua...




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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A RAZÃO NAS PESSOAS TRISTES (Crônica)

A RAZÃO NAS PESSOAS TRISTES

Rangel Alves da Costa*


A tristeza, enquanto condicionamento psicológico, é igual em todo mundo, indistintamente. Contudo, essa mesma tristeza, enquanto forma de expressão, é bastante diversificada de pessoa a pessoa.
Tristeza, segundo os estudiosos, é um sentimento humano que expressa desânimo ou frustração em relação a alguém ou algo, é a ausência de satisfação pessoal quando o indivíduo se depara com aspectos de sua fragilidade; é a expressão psicológica que aflora quando a pessoa perde algo ou alguém de sua admiração, quando está com desânimo, frustração ou incapacidade para obter aquilo que tanto deseja. Sendo oposto da alegria, do prazer e da satisfação, chega acompanhada de abatimento, consternação, aflição, mágoa, descontentamento.
Há que se considerar, contudo, que os sintomas da tristeza são passageiros na maioria das pessoas; enquanto que em outras se tornam como latentes, permanentes e reconhecíveis por todos. Naquelas, a tristeza se vai quando a dor vai arrefecendo, as perdas vão sendo mais compreendidas, o desalento perde a razão de ser; enquanto nestas parece que nada na vida conforta, anima, acende a chama das coisas boas.
Mas há que se reconhecer que as pessoas possuem toda razão e direito de serem tristes e permanecerem como tal enquanto desejarem. Não sendo problema psicológico, não há que se pretender ver qualquer atitude errônea em quem, por exemplo, gosta de chorar pelos cantos, fica com os olhos miudinhos enxergando a solidão do entardecer, se fecha no quarto e lá permanece com seus desânimos e desalentos.
Se a predisposição é para a tristeza, então que deixe que ela mostre sua feição, sem tentar forjar motivos de alegria ou satisfação, sem tentar a todo custo que o tristonho espalhe sorrisos e mostre uma felicidade inexistente. Todas as vezes que pretendem iludir a tristeza esta se revolta a seu modo, e o que bem poderia continuar apenas como aspectos íntimos de repente pode se transformar em extrema agressividade.
Ora, se a menina terminou o namoro que já vinha desde a infância e se acha no direito de chorar à vontade, de verter suas raivas e mágoas em rios e oceanos, de sumir do mundo por alguns dias e se fechar em si pelo tempo que quiser, é inadmissível que outra pessoa chegue se intrometendo na tristeza necessária e diga palavras tais como "você vai arrumar outro muito melhor", "não fique triste por quem não valia nada não", "limpe esse rosto, lave essa cara e vá curtir a vida agora mesmo".
Cadê o respeito à dor do outro? Da mesma forma que ninguém gosta que estranhos abram sua gaveta ou seu guarda-roupa para estar olhando o que não lhe diz respeito, a pessoa que quer ficar sozinha ou chorar suas tristezas como quiser não gosta que queiram entrar para dar palpites em sua vida. A tristeza deve ser respeitada porque é própria da pessoa e ninguém vai mudar esse estado com a alegação de que a alegria é tudo na vida.
É melhor uma tristeza verdadeira ou uma falsa alegria? Quem está verdadeiramente triste está sinceramente interagindo com seus sentimentos, dialogando com vitórias e derrotas, buscando respostas para a própria existência. O mesmo não ocorre com a falsa alegria, eis que esta não passa de uma tristeza disfarçada, uma vã tentativa de ser o que não se consegue, uma mentira que poderá causar graves consequencias. Ademais, o falso sentimento é a negação do espírito.
Razão à tristeza, razão à solidão. Nada mais verdadeiro no ser humano do que o sofrimento. O resto pode ser manejado a mil propósitos, menos o sofrimento. Tão real que toda dor ensina, toda perda mostra caminhos, e toda tristeza eleva.




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Desse amor que é tanto (Poesia)

Desse amor que é tanto


Venha meu amor
amar o amor
desse amor que é tanto
tudo em mim é espera
desde a porta à janela
desde o olhar à distância
desde o adormecer no sonho
até o amanhecer na esperança
então não se demore
e venha logo meu amor
na asa esvoaçante do tempo
no açoite veloz do vento
na força do pensamento
que faz chegar e ficar
e quando chegares aqui
bem perto de mim
onde a paz é moradia
faça dos meus braços
pouso e repouso e pousada
pois não haverá mais estrada
senão a da montanha adiante
onde gritaremos no horizonte
que somos imensamente felizes.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 15 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 15

Rangel Alves da Costa*


Quando o jardineiro avisou para que todos ouvissem que não demoraria muito para chegar uma planta desconhecida que investigaria tudo e apontaria o culpado ou culpados, estava prestando um desserviço aos futuros trabalhos de investigação.
Sabendo de antemão que a planta trazida até o jardim com todas as pompas da jardinagem era uma detetive, logicamente que todas as espécies ficaram com um pé atrás, com acabrunhamentos, o que realmente trouxe consequencias desagradáveis.
A primeira dessas nefastas consequencias de não se guardar segredo sobre tão importante aquisição, foi que nenhuma das espécies viu a chegada da estrela-de-fogo com alegria, com bons olhos ou qualquer tipo de contentamento. Pelo contrário, todas passaram a vê-la como intrujona, verdadeira inimiga e possível responsável pela desestabilização da vida no jardim.
A segunda consequencia foi a transformação total no jardim de uma hora para outra. Ora, mesmo com as brigas, os ciúmes, as confusões e todos os tipos de desavenças, o local era compartilhado por quase todos de forma alegre e festiva, com festas e brincadeiras a perder de vista. Mas com a presença da forasteira não, pois tudo passou a ter uma sensação de vigilância que impedia qualquer ato mais tolerante.
A terceira e talvez a mais importante das consequencias foi que a partir da chegada da estrela-de-fogo, começaram as tantas e tantas falsidades e traições que pareciam intermináveis. Cada um querendo livrar sua pele, seu tronco, folha, flor ou raiz, era forçado a jogar no outro a culpa pelo ocorrido. Todos se olhavam com desconfiança, mentiam entre si, se traíam e transformavam o jardim num deplorável redemoinho de conversinhas e acusações ocultas.
Plantas seculares, de notória seriedade e honestidade, agora se envolviam em futricas e disse-me-disse. Avencas que eram sinônimos de pureza e castidade, agora tinham os seus nomes citados negativamente nos esconderijos das acusações mais nojentas; lírios brancos, que de vez em quando eram requisitados para entrar nas igrejas acompanhando as noivas, agora viviam com suas reputações praticamente no lamaçal; o copo-de-leite nunca foi olhado com tanta desconfiança, chegando a ter sua honra quebrada gratuitamente; até as rosas falecidas eram citadas como causadoras do próprio infortúnio e por isso mesmo deveriam estar na podridão das almas abjetas.
E tudo isso ainda é apenas uma parte do circo dos horrores em que se transformou o jardim. O colibri ficou gripado e se afastou por dois dias do jardim e não deu outra: o safado está se escondendo, querendo sumir porque deve ter culpa no cartório, diziam as línguas ferinas. O coelho passou a não suportar mais ser olhado com tanta desconfiança e em certo momento cavou até a raiz duas plantas e disse que se não parassem com aquilo iria fazê-las em pedaços. Chegou aos ouvidos do girassol que andavam dizendo que se o sol tivesse vergonha na cara não refletia mais com seus raios sobre uma flor covarde e assassina.
As orquídeas, famosas no jardim por formarem uma família muito unida para o que desse e viesse, passaram a ter a reputação arruinada pelos próprios parentes, que faziam afirmações que nem o pior inimigo teria coragem de fazer. E de conversa em conversa foram dizendo que o bico do beija-flor era arma afiada e ainda suja de sangue, que a não-me-toque não queria que chegassem perto dela para que não fossem descobertas as tantas evidências do crime praticado, que a tulipa e a flor de lótus eram tão frias e desumanas que matavam e depois se vestiam de luto.
Quando saía pelos canteiros, naquele caminhar pelo vento que somente as plantas e flores sabem fazer, a estrela-de-fogo detetive ouvia conversas de arrepiar os cabelos e esvoaçar polens. Parece mentira, mas a hortênsia disse que o antúrio tinha ouvido da margarida que lhe disseram que a violeta tinha ouvido da dracena que a gardênia sabia quem era o assassino, pois ouviu do jasmim que, por sua vez, já havia ouvido da flor do campo. Mas como quem tinha dito à flor do campo havia sido a mentirosa da maria-sem-vergonha, toda aquela corrente de ouve-dizer podia acabar dando em nada.
Contudo, numa manhã de chuva fininha, de repente a estrela-de-fogo fez uma descoberta que poderia ser a peça-chave para desvendar o assassinato das rosas.


continua...




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domingo, 28 de novembro de 2010

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (2ª Parte)

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (2ª Parte)

Rangel Alves da Costa*



Ouvido, o Ministério Público Federal opinou pela improcedência do pedido de presumíveis herdeiras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, nos seguintes termos de mérito:
"As demandantes dizem-se proprietárias, por herança, de parte das terras então integrantes do "Morgado de Porto da Folha", terras essas que constituiriam um imóvel individualizado cuja área seria de impressionantes cento e noventa e três mil e quinhentos hectares.
Ainda nas palavras das demandantes, suas terras foram alvo de apossamento pelo INCRA, que teria promovido diversas ações de desapropriação que contemplaram terceiros - em lugar das demandantes - com a correspondente compensação pecuniária.
Pois bem. As requerentes discorreram com habilidade ao tratar do perfil jurídico da desapropriação indireta. Conceituaram-na como esbulho forcejado pelo poder público; um ato ilegítimo que enseja indenização por não ser possível recuperar imóvel que, além de incorporado ao patrimônio, foi afetado a uma finalidade estatal.
Perfeita exposição. Todavia, a despeito da destreza ao expor o fundamento jurídico da pretensão, carecem as autoras de respaldo probatório.
Deveras. Por ordem lógica, o primeiro item a ser provado em uma demanda centrada em desapropriação indireta consiste na propriedade do imóvel supostamente tomado pelo poder público. A premissa é simples: só pode ser indenizado algo que efetivamente figurava no patrimônio do pretendente à reparação.
Quando falamos em comprovar a existência de propriedade, notadamente de uma área rural, falamos em estabelecer com precisão sua área, estremar suas confrontações e definir, de forma segura, a sua localização. Estamos falando, pois, em se documentar a realidade de algo que existe em certa medida de espaço e que se distingue dos congêneres justamente por seus limites.
Conquanto intuitivo, não é ocioso realçar que a exigência de se identificar pormenorizadamente o bem não se funda apenas no propósito de individualizá-lo. Comparece, sobretudo, a necessidade de se elucidar se sua área foi submetida ou não ao apossamento administrativo.
O registro imobiliário ancorado aos autos, no entanto, é completamente inservível no que atina à identificação do imóvel que pertenceria às autoras, pois não faz nenhuma referência à sua localização.
Transcrevo o teor relevante do citado documento (certidão de fl. 21):

"CARACTERISTICOS E CONFRONTAÇÕES: uma parte em comum dos terrenos do extinto MORGADO DE PORTO DA FOLHA, situado no Termo de Porto da Folha, desta Comarca."

Impossível aferir, destarte, a real localização física do imóvel. Qual a sua área? Quais as confrontações? Em que lugar se situa? Sem essas respostas imprescindíveis, não se pode determinar se o INCRA, por meio de ações indevidas em face de terceiros, deu causa à desapropriação indireta; não se sabe se as terras alegadamente pertencentes às autoras foram alcançadas ou não por tais demandas.
O croqui de fl. 29, desnecessário insistir, nenhuma força probante apresenta. A partir de quais bases foi elaborado, se o título de propriedade não indica qualquer marco limítrofe das terras?
Tocava às acionantes, irretorquivelmente, esclarecer a contento essa verdadeira questão prejudicial, consoante dispõe o art. 333, I, do CPC. Deveriam, em tempo e sede adequados, ter buscado a demarcação das terras e/ou a retificação/suprimento do registro imobiliário. Entretanto, mesmo na corrente lide, em momento manifestaram interesse em dirimir, por meio de prova compatível, esse quadrante nuclear de sua pretensão (fl. 112 e 118/119).
A bem da verdade, sequer a continuidade da posse, como bem salientou o Ministério Público Federal, mereceu a atenção das demandantes. Nada há nos autos que permita inferir o exercício dessa prerrogativa, deixando-se em aberto a concreta possibilidade da perda do bem por força de usucapião.
Mas não é só. O demandado fez chegar ao feito documentos pertinentes às ações de desapropriação intentadas a respeito de imóveis supostamente situados na área que pertenceria às demandantes. Ao correr dos olhos (fl. 151/251), não se percebe nenhuma irregularidade capaz de macular os procedimentos implementados pela autarquia, valendo frisar que, em todos os casos, foi realizado prévio levantamento da cadeia dominial das terras que foram objeto dos referidos litígios.
Não bastasse ser ônus processual das requerentes a comprovação de eventuais vícios que inquinassem os atos praticados pelo INCRA, é de se recordar que os mesmos são revestidos - como todos os atos administrativos - de presunção de veracidade (quanto ao substrato fático) e de legalidade (quanto ao seu ajustamento ao ordenamento jurídico). Por isso, são necessariamente presumidos válidos e regulares até comprovação segura em contrário.
Nesses termos, por mais credibilidade que se queira emprestar, o depoimento pessoal da parte autora por si só não basta para demonstrar a existência de fraudes - ou qualquer defeito - em detrimento dos registros públicos utilizados como supedâneo das mencionadas ações de desapropriação.
Tais registros, além de incorporados a processos administrativos, por si só gozam de fé pública e apenas pelo instrumento processual cabível poderiam ser desconstituídos. A hipótese de fraude, a propósito, resvala para um extremo tal que só poderia ser acolhida diante de provas irrefutáveis.
Explico. Quando o Estado promove uma ação de desapropriação, mesmo para fins de reforma agrária, a presença ou não do real titular do domínio no pólo passivo não condiciona o andamento da lide. Esta prossegue; é julgada; o imóvel é incorporado no patrimônio público. Entrementes, enquanto não solucionada a questão do domínio nas instâncias ordinárias, a indenização devida permanece retida, assegurando-se o seu recebimento pelo legítimo proprietário (vide art. 6º, §1º, da LC nº 76/93).
Ora - e esse é o ponto a que tencionávamos chegar-, a tese das autoras implicaria admitir que o Poder Judiciário Federal e o Ministério Público teriam sido ludibriados nas quase quarenta ações de desapropriação para fins de reforma agrária ajuizadas em torno das terras localizadas na suposta área rural pertencente às autoras. Ou seja, seguindo o raciocínio das postulantes, o Judiciário, com a anuência e resignação do Parquet, haveria autorizado, em afronta à norma expressa de Lei, o levantamento de indenizações por pessoas que não demonstraram a condição incontroversa de titulares do domínio dos imóveis colhidos pelo programa de reforma agrária.
Enquanto instituições, Poder Judiciário e Ministério Público são constituídos de pessoas e, portanto, são falíveis. Não se insinua, portanto, a impossibilidade de que erros tão graves e tão repetitivos possam ocorrer ao longo de vinte anos. São, em tese, possíveis, mas - diante da realidade - improváveis. Por conseguinte, a par da completa ausência de elementos de convicção nesse sentido, tal hipótese, no mínimo, soa inverossímil.
Tão inverossímil quanto o comportamento das autoras: embora sabendo das desapropriações diretas (supostas causadoras da aventada desapropriação indireta) promovidas pelo INCRA desde a década de 80, somente em 2004, restando dois anos para a consumação do lapso prescricional, resolveram promover esta demanda indenizatória. Alguém que realmente estivesse sendo esbulhado de forma tão notória em sua propriedade, dotado de um mínimo de bom senso e diligência, certamente não teria um comportamento tão leniente".
Ante as pretensões autorais, as provas juntadas e os depoimentos colhidos, acolhendo a tese do MPF, o Juiz Federal Substituto, Fernando Escrivani Stefaniu, julgou improcedentes os pedidos em 27 de novembro de 2006.
A sentença observada acima diz respeito à ação judicial promovida pela herdeira contra o Incra, postulando receber indenização pelas desapropriações irregulares que alegou terem sido feitas pelo órgão federal. Contudo, os pedido formulados foram julgados improcedentes. A competência para julgamento de tal ação foi, portanto, da Justiça Federal.
No dia 16 de fevereiro de 2007, os autos foram encaminhados, em grau de recurso, para o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5. Autuado em 13/03/2007, o Recurso de Apelação Cível foi tombado sob o nº 409688-SE, sob a responsabilidade da Primeira Turma julgadora, com a relatoria do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira. Atualmente, em novembro de 2010, está concluso ao Relator, quer dizer, aguardando alguma decisão ou despacho por parte deste.
No mesmo Tribunal Regional, na Primeira Turma e com a relatoria do Desembargador Federal José Maria de Oliveira Lucena, consta um Recurso de Apelação Cível de nº 442496-SE, autuado em 17/04/2008, onde as herdeiras, na condição de apelantes, litigam contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF. Atualmente o recurso está concluso ao relator.
Há que se observar, neste ponto, que a justiça federal não vem dando provimento aos pleitos das herdeiras. Na justiça estadual conseguiram ver reconhecido um pedido indenizatório a título de danos morais, pleiteados contra o Estado de Sergipe.
As herdeiras, antes mesmo de entrar com a ação contra o Incra, já haviam ajuizado demanda indenizatória por dano moral e material contra o Estado de Sergipe. Com efeito, através do processo nº 199911903148, julgado pela 19ª Vara Cível em 09/02/2004, as requerentes atribuíram "responsabilidade ao Estado por omissão na prestação jurisdicional que teria levado à perda da propriedade, objeto de herança paterna, denominada "Morgado de Porto da Folha" (área equivalente a 193.500 hectares)".
Segundo os termos da Sentença, a justiça reconhece, em parte, o pleito indenizatorio: "(..) entendo, pois de bom tamanho, portanto, dentro do principio da razoabilidade e da proporcionalidade, que o requerido pague a cada autora, à título de indenização pelos danos morais como compensação aos danos sofridos a quantia de duzentos mil reais (R$200.000,00)".
Como eram duas as autoras, Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, o Estado de Sergipe foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 400.000,00. O Estado recorreu através de Ação Rescisória (Processo nº 2007601095), porém teve o seu pleito negado. Não há mais possibilidade de recurso. O débito existe, mas o pagamento é outro problema a ser solucionado, pois o valor foi convertido em precatório: um título do Estado reconhecendo a dívida, que pode levar anos para ser paga.




Poeta e cronista
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ATÉ UM DIA, ALEGRIA! (Crônica)

ATÉ UM DIA, ALEGRIA!

Rangel Alves da Costa*


Coisa que não gosto de jeito nenhum, de não suportar mesmo, é levar a vida como se ela fosse um fardo, envolto em preocupações, criando problemas onde não existe, achar que tudo é ruim, viver é uma droga e tanto fez tanto faz. Não. Muito pelo contrário. Que a paz e a felicidade estejam em mim agora e para a eternidade!
Contudo, nunca é demais perguntar quais os motivos que eu teria para ter alegria. Vou indagar sem medo das respostas: Sorrir de que, alegrar-se com o que, qual o motivo para contentamento?
Pelo que eu saiba, ao contrário do que ocorria no mundo mais primitivo, de pessoas mais simples, humanas e respeitosas, essas pessoas que vivem no mundo moderno, em pleno era da primazia do conhecimento, parecem ter esquecido conceitos básicos que deveriam ser a razão da vida em sociedade.
Ora, se a vida em sociedade é um contrato firmado intimamente pelas pessoas para conviverem em comunhão, tendo ainda o aparato legal do Estado para o caso de quebra desse contrato, não há como aceitar que estas mesmas pessoas se traiam e não cumpram do estabelecido moralmente, espiritualmente e socialmente.
A quebra desse contrato íntimo, interno, espiritual e necessário, firmado tacitamente, na fluência do pensamento, de pessoa para pessoa, é um verdadeiro desastre para a vida, para o convívio, para o estabelecimento da paz e da ordem.
Por exemplo, é inadmissível que um indivíduo ataque gratuitamente a honra de outro, quando sabe que este é digno e honesto e que este, nesta condição, jamais pensaria de praticar a mesma atitude. Ainda nesse passo, não tem cabimento algum a intensa busca de fazer o mal, de tentar atingir os outros, somente para fazer aflorar o instinto desumano da maldade.
Acaso seja perguntado às pessoas que estão ao lado, mais adiante ou mesmo muito distante, quais as principais virtudes que um ser humano deve ter logo chegarão mil respostas: honra, dignidade, moral, respeito, obediência às leis e aos princípios que regem a sociedade, decência, prática do bem, fé, esperança, fazer caridade, amar a Deus, amar o próximo como a si mesmo, humildade e muitas outras.
Contudo, se for pedido a estas mesmas pessoas que digam com suas próprias palavras o significado e a aplicação de apenas três das muitas virtudes que citaram, dificilmente se obterá uma resposta satisfatória ou até nenhuma resposta. E se ainda for perguntado se praticam sempre ações que correspondam a essas virtudes então surgirá imediatamente o pecado da mentira.
Diante de fatos como estes, não há como sentir alegria. Ademais, longe de serem suposições, são verdades que afrontam o olhar, apertam o coração e colocam as pessoas de bem ainda existentes no drama de não querer acreditar que tudo isso por estar ocorrendo.
As práticas são cotidianas e não deixam mentir. São esses mesmos que dizem conhecer as virtudes, frequentam cultos de pastores duvidosos, vivem dizendo que fazem o bem, são poços de caridade e de bom proceder, que ostentam nos corações as bandeiras das iniqüidades, das maldades, das desonras da vida e dos pecados do mundo.
Ademais, o pão está muito caro, as filas parecem intermináveis, as balas perdidas continuam ceifando vidas, as violências estão dentro e fora de casa, as buzinas não permitem mais que se ouça o canto dos passarinhos, há uma chaminé de fábrica bem no lugar onde o sol se põe, os jornais já chegam com curativos e outro dia um, de tão violentado que estava em suas páginas, não suportou o baque e morreu quando o jornaleiro jogou-o pelo portão.
Não sou cético nem pessimista, mas também não posso ter motivos para alegria. Quem teria motivos, afinal? No mundo cão em que nos confinamos para viver, quem teria motivos, afinal?



Poeta e cronista
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Não vá (Poesia)

Não vá


Não vá
não vá voar
não vou
nesse voo
não posso
voar

não vá
não vá agora
não sei ir embora
a dor se demora
não posso
ir lá fora

não vá
não tente partir
não posso seguir
a hora de ir
depende do amor
não saia daqui.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 14 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 14

Rangel Alves da Costa*


Estrela-de-fogo parecia realmente da mesma categoria dos Sherlock Holmes e Hercule Poirot das novelas fictícias. Mesmo que ainda desconhecida pela maioria dos jardins, parecia possuir todas as características de uma eficiente planta detetive. Nome imponente tinha: Crocosmia crocosmiiflora, a famosa estrela-de-fogo.
À primeira vista contava com as seguintes características essenciais próprias dos investigadores da vida jardineira: paciência, como forma de manter o equilíbrio e não perder a calma diante das situações mais imprevisíveis que ocorriam ali; intuição para buscar nos pequenos fatos uma lógica de conjunto; coragem, no sentido de não se deixar amedrontar pelas plantas, bichos e flores mais antigas e petulantes; e, acima de tudo, distância das fofocas, das intrigas pessoais, das amizades em demasia e das traições através das palavras.
Mesmo com pouco tempo no lugar já havia percebido muita coisa estranha, muitos fatos que não deveriam ser esquecidos ou descartados logo após os acontecimentos. Tudo eram detalhes que se juntariam na colcha de retalhos investigativa. Muitas coisas já exigiam explicações mais detalhadas, mais apuradas, mais aprofundadas.
Precisava saber, por exemplo, por que o jardineiro nunca havia sido comentado como um dos possíveis assassinos das rosas. Não seria demasiadamente estranho que ele pudesse tê-las matado, principalmente porque o jardineiro é sempre cúmplice de tudo que há e acontece no jardim e bem que podia ter algumas diferenças com as vítimas. Ele não estava acima de qualquer suspeita. Deveria sim, ser incluído no rol dos investigados.
Nada passaria distante ou despercebido ao seu olhar, nem o passarinho que pousava no galho mais alto, nem o beija-flor com suas preferências de flores para beijar, nem o coelhinho que todos achavam que vivia enfurnado, mas que dificilmente era encontrado na toca. Por que tantas plantas e bichos possuem hábitos noturnos? Não somente noturnos, mas também muitos suspeitos. Olhava com atenção a tudo, não deixava nem o vento fazer piruetas sem ter um olhar crítico ao seu lado.
Achava estranho que muitas espécies não queriam falar de jeito nenhum sobre aquele lamentável incidente, fazendo de tudo para mudar de assunto, baixando a cabeça desconfiadas ou simplesmente fazendo parecer que não lembravam de coisíssima alguma; enquanto outras falavam até demais, procuravam remexer nos entulhos do fatos, apontar evidências, mas sempre para jogar certas suposições pelo ar, e logicamente inocentando-se de tudo.
Aliás, a estrela-de-fogo já havia percebido que aquele jardim era praticamente uma terra de anjos, de inocentes, de espécies que jamais erraram em coisa alguma ou cometeram atos ilícitos. Um poço de castidade, tentavam sempre passar a ideia de que jamais seriam capazes de matar um mosquito. Somente tais aspectos já faziam com que desconfiasse de todos ao mesmo tempo.
Com relação às flores a situação era um pouco diferente, pois trazia consigo relatórios detalhados sobre a vida de cada uma. Por exemplo, sobre as hortênsias nos seus escritos constava o seguinte:
"Hortênsia – Hydrangea. Classificação científica: do reino plantae, da divisão magnoliophyta, da classe magnoliopsida, da ordem cornales, da família das hydrangeaceae, do gênero hydrangea.
Descrição: A Hortênsia ou Hydrangea é um arbusto arredondado com folhas caducas e serrilhadas de tons verde escuro ou claro, que se dispõem ao longo do ramo em posições alternadas. As flores das variedades mais comuns dispõem-se em cachos em forma de bolas. Há muitas variedades e também muitos híbridos.Gosta de solo rico, solto, úmido, mas bem drenado. Nos Verões quentes, floresce bem em locais ao sol ou parcialmente à sombra. Com sol direto as folhas ficam com um aspecto murcho, mesmo que tenha sido regada a pouco tempo, por essa razão nestes locais o aspecto da planta é sempre melhor ao fim do dia. As hortênsias possuem um princípio ativo, o glicosídeo cianogênico, hidrangina, que as torna venenosas. Este veneno causa cianose, convulsões, dor abdominal, flacidez muscular, letargia, vômitos e coma".
Sobre a margarida constava:
"Margarida é o nome popular comum a uma grande variedade de plantas. É qualquer planta do gênero Bellis, da família das Compostas, das quais se destacam Bellis perennis, bonina ou Bela-margarida, Coreopsis lanceolata, margarida silvestre ou margaridinha-amarela e Callistephus chinensis ou Rainha-margarida.Essas flores são caracterizadas por possuirem minusculas florescencias amarelas no centro com pétalas brancas, mas podem aparecer em outras cores. É uma das flores mais populares dos jardins, pertencente à família Asteraceae, e, portanto, parente dos girassóis, crisântemos, entre outras, não é uma só flor, mas a reunião de muitas flores, que se desenvolvem de forma diferente e cada uma com função específica. A margarida é uma flor delicada, inocente, e frágil. Porém, ela consegue sobreviver e persistir nos lugares mais inesperados. Por isso ela é considerada uma flor invasora em muitos lugares".
Sobre o crisântemo:
"Chrysanthemum, de nome vulgar crisântemo, é um gênero botânico pertencente à família Asteraceae. Em grego, crisântemo significa "flor de ouro". Classificação científica: É do reino plantae, da divisão magnoliophyta, da classe magnoliopsida, da ordem das asterales, da família asteraceae (compositae). É uma planta de dia curto, florescendo naturalmente no inverno. Possui muitos tipos e cores, e exige alguns cuidados especiais de irrigação e luminosidade. é uma flor com estilo campestre, como as outras plantas desta mesma família, no entanto, existem variedades com aparência muito majestosa. Simbologia: Essas flores representam a proteção, a esperança e a compreensão dos limites da vida. Enquanto alguns a utilizam como consolo para a perda de alguém querido, outros cultivam o hábito de brindar a vida e saúde com uma pétala de Crisântemo no fundo da taça".
Todas as demais espécies ali do jardim também estavam devidamente descritas nos arquivos da estrela-de-fogo. Precisa ter em mãos esse trabalho descritivo para conhecer a fundo a personalidade e o comportamento daqueles que se diziam e mostravam inocentes demais. Por trás da inocência poderiam estar escondidos os erros e a culpa.


continua...




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sábado, 27 de novembro de 2010

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (1ª Parte)

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (1ª Parte)

Rangel Alves da Costa*


Como se não bastassem os fatos e episódios fantásticos que parecem somente ocorrer no sertão, o realismo fantástico que torna aquelas paragens num mundo verdadeiramente diferente, de vez em quando surge elementos novos para aguçar ainda mais a curiosidade do sertanejo e testar seu poder de compreensão sobre a realidade. Mas não pode ser, será mesmo que isso é verdade? De vez em quando têm de se perguntar.
Fato é que já há alguns anos surgiu um boato de que tanto as terras de Poço Redondo como as do município vizinho, Canindé do São Francisco, não seriam das inúmeras famílias, proprietários e assentados que nela vivem como verdadeiros donos, porque compraram ou adquiriram por outros meios, ali construíram e vivem, mas sim de uma única família: a família Marinho, formada pelas herdeiras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, afirmando terem adquirido por herança toda a aquela imensidão de terras. Mas vamos aos fatos.
Há mais de 40 anos que as herdeiras, senhoras já idosas e de poucos recursos, começaram uma briga na justiça para verem reconhecidas as terras deixadas como herança por seu pai, Amâncio Ferreira da Silva, que as adquiriu de Francisco Correia de Brito em 1947. O problema é que tal herança envolve todas as terras que formam os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco.
Como fundamento fático do pedido da ação, "As demandantes dizem-se proprietárias, por herança, de parte das terras então integrantes do "Morgado de Porto da Folha", terras essas que constituiriam um imóvel individualizado cuja área seria de impressionantes cento e noventa e três mil e quinhentos hectares" (ver sentença a seguir).
Na audiência judicial, realizada às 08h30m. do dia 31/08/2006, na 6ª Vara Federal de Itabaiana/SE, a requerente Adélia Ferreira Marinho prestou o seguinte depoimento pessoal:

"QUALIFICAÇÃO: ADÉLIA FERREIRA MARINHO, brasileira, do lar, separada judicialmente, RG nº 247.546 SSP/SE, CPF 294.555.705-30, residente e domiciliado na Rua Carlos Menezes de Faro, nº04, Conjunto Augusto Franco, Aracaju/SE. (...) que as terras em questão foram adquiridas pelo seu pai na década de quarenta, que por sua vez faleceu em 1952; que o processo de inventário só veio a terminar quando a depoente contava com dezessete anos; que nesse período passaram a se emitir escrituras públicas falsas em relação a área que então seu pai havia adquirido; que as áreas desapropriadas pelo INCRA correspondem a porções de terra que teriam sido transferidas por essas escrituras falsas a terceiros; que a depoente tomou conhecimento da primeira escritura falsa em 1965, época em que levou os fatos ao jornal GAZETA. (...) que só havia cerca de trezentas tarefas nas terras que pertenciam a sua família. (...) que a própria depoente informou ao INCRA sobre as irregularidades nas escrituras quando dos processos de desapropriação; que o INCRA não se dispôs a resolver administrativamente o problema; que o superintendente do INCRA à época era Manuel Hora. (...) que a escritura original das terras teria sido subtraída de autos de processo que a própria depoente moveu em 1959, na Comarca de Porto da Folha; que o INCRA cobrava o ITR tomando como base de cálculo toda a área da propriedade; que sua mãe nunca declarou área menor para efeito de reduzir a base de cálculo do ITR; que por fim esclarece a depoente que ela própria levantou a existência de 1726 propriedades decorrentes de escrituras falsas em 1980".

Compradas por cinco mil cruzeiros por seu pai, à época da realização do negócio jurídico só havia abandono e mato em toda a região, e de vez em quando se encontrando apenas uma propriedade ou outra, segundo alegaram os herdeiros. Com o falecimento do comprador, assim que a família procurou abrir o procedimento do inventário alguns documentos, não se sabe por quais motivos, foram adulterados por cartórios da região. Sobrou apenas uma certidão que atesta a existência para a escritura dos terrenos. Com base nesse documento é que a família conseguiu entrar na Justiça.
A disputa judicial, que já durava mais de quarenta anos, já foi julgada. O Estado nunca concordou com essa dimensão do terreno mesmo porque são cerca de 195 mil hectares e em valores atuais seriam estimados em mais de R$ 600 milhões, além do que nas terras vivem cerca de 50 mil famílias, estão fixadas centenas de propriedades particulares, indústrias, comércio próspero e também onde está instalada a Usina Hidrelétrica de Xingó. Além disso, toda a história de Poço Redondo e Canindé teria que ser revista e recontada.
Como afirmado, o caso já foi julgado pela 6ª Vara da Justiça Federal de Sergipe. Eis os termos da decisão prolatada, publicada no Diário da Justiça de 13/12/2006 - Boletim 2006.000054:


- SENTENÇA -

Sob a égide do processo de conhecimento, sob o rito ordinário, Adélia Ferreira Marinho e Luiza Ferreira Marinho deduziram pretensão em face do INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o escopo de obter indenização por danos materiais e morais.
Em suma, alegaram o seguinte:

a) São legítimas proprietárias, por sucessão hereditária, da última parte do imóvel rural denominado "Morgado de Porto da Folha", cuja área corresponde a 193.500 (cento e noventa e três mil e quinhentos) hectares, abrangendo os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco;
b) As terras foram adquiridas de Francisco Correia de Brito em 1947 pelo pai das autoras, Amâncio Ferreira da Silva;
c) Em razão de dificuldades financeiras, apenas parte ínfima da propriedade foi declarada para fins tributários;
d) O INCRA deu causa ao apossamento administrativo do imóvel, pois indenizou terceiros - que não seriam os verdadeiros proprietários - ao promover diversas ações de desapropriação para fins de reforma agrária acerca da área compreendida no imóvel das postulantes;
e) Por conseqüência, entendem devida indenização pelos danos materiais, lucros cessantes e danos morais daí decorrentes.

Citado, o INCRA respondeu por meio de contestação e aduziu, em suma, que as autoras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho não demonstraram a efetiva condição de proprietárias.
Conforme sustentou, o título anexado à inicial seria nulo, pois fere os princípios da especialidade - ao não especificar a localização do imóvel - e o da continuidade - por não observar a cadeia sucessória dominial. Demais disso, ressaltou que os procedimentos de fiscalização agronômica que realiza são sempre instruídos com o levantamento exaustivo da propriedade junto aos registros imobiliários.


continua com a 2ª parte do processo...




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MANDACARU (Crônica)

MANDACARU

Rangel Alves da Costa*


Preferia ser mandacaru a essa ideia de que sou forte porque sou sertanejo. Forte mesmo eu sei quem é, e é ele, danado que avisto todo dia enquanto me apoio na enxada para enxugar um pouco o suor desse meu rosto lenhado pelas durezas da terra.
Nunca vi mandacaru reclamar de sua situação, ainda que todo mundo olhe pra ele e sinta a angústia, a tristeza e a desilusão. É assim não porque sofra com sua condição de planta exemplo de suportar sofrimento, mas pelo que vê no entorno, nos arredores onde vivem mais tristes ainda o mato seco, o ninho abandonado da acauã, o facheiro ressequido de tanto sol.
Vive sozinho porque o homem quis assim. Na mataria que existia, ao lado das moitas, catingueiras, umburanas, quipás e toda trançeira de árvores tortas pela falta de nutrientes na aridez do sertão, cortava seus dias ao lado de sua imensa família. E que imensa família a desses cactos que chegaram ao mundo junto com a luz e passaram a testemunhar com olhos de espanto tantas mudanças doloridas.
Família grande, eu disse, e tão imensa que é que até dizem que as raízes hereditárias são mais extensas do que qualquer cristão possa imaginar. Sertanejo conhece, é amigo, mas não sabe tudo. Também pudera, pois o matuto mal tem tempo para colher a sobrevivência nas pedras. Mais ainda estão por lá, dispersos, espalhados, o xiquexique, a palma, o facheiro, a urtiga, a cansanção, a cabeça-de-frade e outras que fazem dos espinhos formas de proteção.
Enxergo ele bem à minha frente, mandacaru afoito, bonito, esbelto, esguio, ainda verdejante para raiva do sol inclemente. O sol odeia o mandacaru de fogo a sangue, tem o cacto como o seu pior inimigo, pois faz de tudo que pode pra provar que mais dia menos dia vai fazer com que seus raios esturriquem até secar aqueles espinhos que parecem de ferro.
Mas ele é teimoso, valente, cabra macho, por isso é que resiste e insiste em se mostrar portentoso e vivo ainda que seja a última espécie viva depois da estiagem, da seca medonha. Chorou muitas vezes, não se pode negar; já deu vontade de sair por aí sem destino como certa vez fez um pé de angico e uma aroeira. E chorou ainda lágrimas de sequidão quando viu bicho morrer, a terra rachar, passarinho sumir, gente se desesperar e ele sem poder fazer nada. Destino triste de testemunha da dor é esse o do mandacaru!
Está lá, no meio do nada onde um dia foi mataria, depois roçado e hoje é só descampado. Restou ali por sorte, talvez porque a mão malvada do homem temesse levantar o machado e derrubá-lo no seu tronco que parece cruz. E é verdadeira cruz, com o Cristo dos sofredores ali crucificado ente os muitos espinhos.
Um dia, me acheguei perto dele e perguntei por que existem tantos mistérios, histórias e lendas envolvendo o seu nome. E ele me pediu para relatar apenas uma, uma só. Aí eu contei diversas:
Tem gente que conta que quando você floresce é sinal que a chuva chega no sertão; outros dizem que os seus braços em cruz, voltados sempre para cima, para o ar, é porque neles um dia você acolheu o Senhor; dizem que você não come nem bebe, mas chora e sente sede, e à noitinha, quando a lua está bem escondida, vai de mansinho se fartar nos nutrientes e na água que armazena no caule; contam, e isso acredito, que os seus grandes espinhos também serviam às mulheres rendeiras, em substituição aos tradicionais alfinetes, como guias das linhas dos bilros; dizem que você passa esses dias de solidão sertaneja com os braços erguidos em oração, e quando chega o anoitecer acende velas nesses braços que mais parecem candelabros de igrejas antigas; afirmam que suas flores só aparecem à noite, que é para que ninguém sinta que existe beleza na solidão.
Então, depois de ouvir essas histórias todas ele me disse que tudo era verdade e mentira. Verdade e mentira, bem assim. Mas tinha uma coisa que ninguém ainda tinha assuntado e que eu saberia naquele instante. E me disse com um sorriso triste:
"Minha única tristeza é saber que jamais poderei morrer, descansar eternamente um dia. Fui escolhido para ser a feição e face do sertão, por isso não posso fechar os olhos e partir. O sertão morreria comigo!".




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Grão solidão (Poesia)

Grão solidão


Face a face
com a face do tempo
tudo me vem
sem nenhum disfarce
nada de novo me nasce
a não ser o sofrer
na dor que renasce
e tudo porque um dia
desses da vida em catarse
pensei ser dono do amor
e tudo acabou assim
no coração em impasse
e tudo porque
exigi a paixão
tomei as chaves
da vida e do coração
exigi obediência
desfiz do perdão
quis tudo e ser tudo
e tudo em vão
e o que me resta agora
é um amanhã solidão
um grão na ventania
a sombra de um grão.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 13 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 13

Rangel Alves da Costa*


Aquela cantiga tristemente cantada por Lucinha continuaria como reflexo do seu espírito. Aquele momento de expressão mais viva acabou com a música, no instante seguinte e já era a menina triste no seu alegre e misterioso jardim.
As flores gritavam o seu nome, acenavam, davam psius, jogavam pétalas em sua direção, mas não tinha jeito. Um passarinho pousou no seu ombro e cantou a mais bela cantiga de avoar, mas não teve jeito. Bem diante dos seus olhos surgiu um beija-flor pairando e sorrindo, beliscando seus cabelos, dando beijos no seu rosto, mas ainda assim não teve jeito.
Caminhou em direção ao pé de roseira, ficou por uns três minutos silenciosamente parada em frente dela, até que acenou para o jardineiro chamando ele ali. Quando Seu Heleno chegou logo ouviu:
"Cuide bem dessa roseira. Ela não tem culpa de nada. Nossas mães nem sempre têm culpa pelo que fazemos. Cuide bem que é pra ver se logo logo outras rosas bem bonitas nascem nesse jardim. E veja o que é aquilo ali". E apontou para um pequeno broto, surgindo escondido num galho da planta.
"Mas isso aí Lucinha é o sinal de uma nova rosa vai brotar brevemente. Quanto a cuidar dela não se preocupe não, pois faço isso todos os dias, igualzinho faço com as demais", falou Seu Heleno. E prosseguiu: "A menina não estaria interessada que o amigo providenciasse um belo arranjo de flores para levar para o seu quarto? Certamente irá ter mais alegria com elas ao seu lado".
"Não, não precisa não. Os arranjos de flores têm vida curta. Tudo é bonito apenas por alguns instantes, mas depois vai perdendo a beleza, as cores, se enfraquecendo, até cair pétala por pétala. O pior é saber que elas sofrem muito, sabendo que estão morrendo e que não terão como sobreviver mais tempo de jeito nenhum. É muito doloroso para as flores e não quero que elas passem isso não. Prefiro que você leve uma planta que não dá flores e coloque o caqueirinho na minha janela. Leve uma que seja esperta, que enxergue bem o que acontece e esteja atenta a tudo. Só isso".
Há dois dias que Lucinha não havia falado tanto como dessa vez, mesmo que levasse um tempão para dizer essas poucas palavras, se arrastando na pronúncia e as expressões saindo fraquinhas e quase inaudíveis para o jardineiro. Contudo, menos mal para quem parecia distante do mundo, ficou pensando sua mãe mais adiante. E quem dera se ela quisesse cantar novamente, e cantar mais e mais...
Ao retornar para casa pediu à mãe para dormir no seu quarto àquela noite, pois não queria dormir sozinha no seu próprio quarto. Indagada pela mãe sobre o porquê desse medo de ficar sozinha, disse apenas que não era por nada não, apenas queria dormir com os pais aquela noite.
Contudo, Lucinha tinha outro motivo para se sentir amedrontada. Não disse isso a ninguém não, mas enquanto estava no jardim teve a certeza de que as rosas mortas estavam por ali em algum lugar, vez que sentiu a presença delas de alguma forma, chegando até mesmo a vê-las rapidamente caídas no chão por detrás da roseira. Coisa muito rápida, de segundos, e elas desapareceram.
Enquanto isso, a estrela-de-fogo procurava tomar pé da situação por todo o jardim. Cuidadosamente olhava tudo que acontecia por ali, ficando atento aos menores gestos, olhares, palavras, atitudes, mudanças comportamentais. Tinha que ser assim, pois primeiro deveria estudar o comportamento e as feições de cada espécie, incluindo fauna e flora, para chegar a possíveis culpados pela morte das rosas. Por enquanto, todos eram suspeitos, mesmo aquela humilde formiguinha que caminhava de um lado para o outro o dia inteiro.
Na verdade, a estrela-de-fogo detetive já estava com um plano detalhadamente elaborado para realizar e concluir suas investigações. Até previsão de penas já tinha. E no seu planejamento constava elaborar relatório sobre o ambiente em geral, descrição dos grupos que mais eram amigos ou inimigos das rosas, os motivos dessa amizade ou inimizade, o detalhamento das espécies capazes de ter cometido o ato e os motivos para a prática do crime, até chegar ao real culpado ou culpada pelo delito.
Por isso mesmo já começava a passar os olhos por algumas espécies de flores e confrontar com algumas anotações que trazia escondidas. As primeiras descobertas interessantes começariam daí.


continua...





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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

BAIXINHO, SOMENTE AO CORAÇÃO (Crônica)

BAIXINHO, SOMENTE AO CORAÇÃO

Rangel Alves da Costa*


No esvoaçar do sentimento de Exupéry, que um dia disse pela boca do Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos, direi também que o coração só ouve com perfeição quando lhe chegam gestos que são mais que palavras.
Quando muito, se a paixão é arrebatadora, desses que gritam e fazem estremecer as colinas, o coração se sentirá plenamente correspondido se as palavras que lhe chegar tiverem os mesmos sons da relva ao entardecer, da brisa dançando pelo ar, da estridência da revoada festiva que passa silenciosa rumo ao azul.
Que bom, meu amor, se eu também tivesse o dom de dizer tudo, mostrar tudo, realizar tudo e viver tudo, apenas com o barulho das águas mansas que passam! Silenciosamente o beija-flor faz sua festa na manhã inteira e todo mundo sabe dos milhões de beijos vorazes que ele deu nas flores...
Que barulho fará o meu olhar que procura, que encontra, que olha, que implora, quer entrar no teu olhar e quer mais, muito mais que isto? Que ruídos extremos esses que saem dos meus passos quando cuidadosamente caminho ao teu encontro, para chegar despercebido, fazer surpresa ao coração e roubar um beijo gostoso!
Diga-me, meu amor, como quer que eu grite que te amo, para que o mundo saiba o quanto sinto, mas somente você me compreenda e viva a força da minha expressão? Posso fazer isso de mil maneiras, tenho mil modos de dizer tudo sem dizer uma palavra sequer, ainda que seja baixinho no seu ouvido.
Vou jogar uma flor na sua janela. Há de ser manhã ainda adormecida, para que o orvalho a conserve quando seu olhar repousar sobre o vermelho mais intenso que houver. Dizem que é da paixão essa cor, mas digo apenas que é uma flor gritando para o meu amor!
Vou escrever o mais belo poema que nenhuma inspiração jamais poderá superar e depois vou recitá-lo ao entardecer, bem no instante que a suave ventania for passando e possa recolher palavra por palavra, rima com rima, para sair levando a métrica do amor pelo ar, seguindo contente e também apaixonado, rumo à sua janela.
Vou escrever pelos muros, vou riscar na areia da praia, vou soltar sinais no céu, vou dar vida ao léu, vou pedir ao meu amigo índio que suba na mais alta montanha e faça se espalhar pelo ar sinais de fumaça com o seu nome e depois faça rufar os tambores chamando os deuses da magia para a guerra interminável entre o querer e o bem-querer, entre o se doar e se ter.
Vou unir minhas mãos em preces, orações e mistérios divinos, implorando aos salmos e aos cânticos que o nosso amor, por ser eterno, não caiba somente em qualquer versículo da vida. E por que tanta fé e tanta busca de preservar o amor? Ora, meu amor, mesmo sabendo que vai morrer no instante seguinte a cigarra ainda canta...
Preciso, meu amor, desse silêncio para pensar num silêncio com palavras para que seu coração se alegre e se encante com a minha presença. Do silêncio nasce o verbo e faz-se a luz! Iluminado, o amor terá nossa feição.
Estou lendo um poema para aprender como é o silêncio que fala. Ele se chama Salmo do Silêncio, de Yttérbio Homem de Siqueira:

"Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.

Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.

Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível".

Murmuraria somente o teu nome nesse silêncio de agora...




Poeta e cronista
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Por que? (Poesia)

Por que?


Álveo
alvorecer
amanhecer
manhã perceber
que a noite
de agonia
se escondeu
perante o dia
escondendo tristeza
fingindo alegria
sem destruir
a nostalgia
a agonia
que logo virá
no entardecer
anoitecer
sofrer
adormecer
sem merecer
um sonho
sem merecer
você
somente
a pergunta
por que?
por que?


Rangel Alves da costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 12 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 12

Rangel Alves da Costa*


Nadir, a mãe de Lucinha, encontrou o esposo ainda quase engasgado de tanto sorrir. Sem saber a motivação para aquele derramamento todo, imediatamente perguntou do que se tratava. E de forma totalmente inesperada, num gesto totalmente contrário ao comportamento anterior, Paulo sentou, colocou a cabeça entre as mãos e disse com a voz mais triste do mundo: "Estou enlouquecendo, só posso estar enlouquecendo!".
Nadir se achegou dele, fez uma carícia, aproximou sua cabeça do seu ombro e falou, enquanto passava a mão suavemente pelos seus cabelos: "Calma, me diga o que aconteceu". Então Paulo começou um longo relato, cabisbaixo, de modo tímido, até ir acalmando e ficar em plena normalidade, chegando até a demonstrar uma certa alegria eufórica.
E de repente já era Nadir que estava às gargalhadas, totalmente encantada com aquela história toda, a ponto de dizer que certamente poderiam encontrar um psicólogo ali mesmo no jardim. Mas esta também voltou à realidade e falou com uma expressão bem mais séria: "E quanto a nós, como nós ficamos em meio a essa história toda?".
"Acho melhor a gente não fazer nada, ao menos por enquanto. Se isso for verdade e tendo começado lá no jardim, então cabe a eles mesmos resolverem. Agora, com relação a Lucinha, acho também que devemos esperar um pouco, coisa de dois ou três dias, somente para sentirmos se as mudanças ocorrendo por lá refletirão nela de modo positivo. Se após isso ela continuar tristonha e parecendo distante da realidade, então é que procuraremos um profissional de verdade para tentar resolver o problema. Por enquanto peço que você procure conversar muito com ela, sempre estar presente ao seu lado. Agora mesmo vocês deveriam ir passear lá no jardim, quem sabe se no lugar que ela mais admira no mundo não vai se sentir mais alegre?".
Uns dez minutos após e Lucinha e sua mãe caminhavam pelo jardim, ora sentando num banco e noutro, ora passeando pelos canteiros. Assim que o jardineiro avistou-as fez uma festa no coração. Que bom ver Lucinha caminhando por entre as flores, falou a si mesmo. Deixou os afazeres e se apressou em direção às duas.
"Mas que maravilha ver vocês por aqui. O jardim em peso já estava com saudades de você Lucinha. Veja como as flores se alegram com sua presença, as plantas murmuram de satisfação e os bichos ficam pulando de um lado pra outro de alegria", falou Seu Heleno. E prosseguiu: "Façam o favor, cheguem mais pra perto, venham ver a nova moradora do nosso jardim". E levou as duas diante da estrela-de-fogo.
Assim que Lucinha olhou para a planta sentiu um arrepio gelado tomando o corpo, que logo foi se normalizando para se transformar num conforto espiritual que já não experimentava há dois dias. Quem olhasse para o seu rosto perceberia uma satisfação distante, uma frágil luz de retomada da alegria de viver mais distante ainda. Lucinha não disse uma só palavra, mas havia realmente se afeiçoado da planta.
A Crocosmia crocosmiiflora, também chamada de estrela-de-fogo, tritônia ou montbrácia, que dali em diante seria conhecida apenas como estrela-de-fogo, quis se comportar com a maior seriedade do mundo, com a imponência própria de quem é diferente ao meio e se acha superior a ele. Contudo, não conseguiu, não teve forças para endurecer o coração e os sentimentos. Foi traído pela presença da menina, seu encanto infantil e seu problema.
Percebendo que a feição da filha não era das piores, assim que deram os cumprimentos à nova moradora Nadir procurou um meio de tornar aquele instante mais agradável, mais alegre, mais prazeroso, de modo que a menina se sentisse o melhor possível por estar no seu jardim novamente, passeando entre seus amigos, vivendo o seu mundo.
Daí que lhe veio uma ideia e esta não deixou passar. Soltou o braço da filha e se pôs a cantarolar rodopiando pelos canteiros:
"Alecrim, Alecrim dourado/ Que nasceu no campo/ Sem ser semeado/ Foi meu amor/ Quem me disse assim/ Que a flor do campo/ É o alecrim". E em seguida:
"Se esta rua, se esta rua fosse minha/ Eu mandava, eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes/ Para o meu, para o meu amor passar/ Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um anjo/ Que roubou, que roubou meu coração/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ Tu roubaste, tu roubaste o meu também/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ É porque, é porque te quero bem".
E para suprema surpresa de todos, ouviu-se uma voz baixinha cantarolar, com o rosto tristonho de dá dó:
"Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria/ Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria/ Como poderei viver/ Como poderei viver/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Os pastores desta aldeia/ Já me fazem zombaria/ Os pastores desta aldeia/ Já me fazem zombaria/ Por me verem assim chorando/ Por me verem assim chorando/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia".
Os olhos da mãe se encheram de lágrimas no mesmo instante. Seu Heleno erguia as mãos para o alto como se estivesse fazendo agradecimentos. O jardim inteiro aplaudia silenciosamente. A estrela-de-fogo fazia um juramento a si mesmo:
"Haverei de reparar todos os erros cometidos aqui e trazer de volta o sorriso dessa menina. Existem flores humanas, e não posso deixar que a tristeza continue feito erva daninha nesse jardim maravilhoso chamado Lucinha!".


continua...




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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

NOSSOS MEDOS (Crônica)

NOSSOS MEDOS

Rangel Alves da Costa*


Conheço uma história típica do sertão, na qual relata que havia uma cobra dentro de uma fresta de uma pedra bem grande. Quem tinha coragem, ia lá só para se certificar se a venenosa ainda estava intocada no mesmo lugar.
E ela não saia de lá por nada dessa vida. Nem saía nem deixava de amedrontar todos aqueles que caminhavam pela região, pois mesmo que a maioria jamais tivesse visto a serpente, bastava o simples fato do conhecimento de sua existência e que ela continuava por lá, para todos se acercarem de medo.
Esse medo do apenas suposto é mais frequente do que se imagina. No caso da cobra, ela existia realmente, estava lá o tempo todo, porém nunca houve relato que a mesma tivesse sido vista tomando sol em cima da pedra ou mesmo deixado as escamas lá e saída para beber água.
Contudo, o que mais impressiona é o medo criado diante da mera possibilidade, da ideia, daquilo que porventura possa acontecer. Nunca houve notícia de nenhum calcanhar mordido por aquela serpente, mas todos se arrepiavam só em pensar passando nas proximidades da pedra.
Assim, a pedra significa o ser humano, enquanto suas frestas e o que nelas estão escondidas significam os temores que são criados e se alastram.
Pelo que eu saiba, melancia com leite nunca estuporou ninguém, jamais levou alguém ao hospital ou a óbito. Gato preto nunca mudou a estrada nem o destino de ninguém. Se acontece alguma coisa com quem toma outro caminho porque viu gato preto aí é outra coisa. Na escuridão existem menos lobisomens e bichos com sete cabeças do que na luz do dia. Mas não adianta, todo mundo só pensa que encontrarão os danados quando a lua estiver escondida.
Diante desses fatos e relatos, é possível perceber que há o medo conceitual, que é aquele que ativa o consciente, e o medo imaginário, que é aquele forjado pelo subconsciente e que se expressa de forma diferente segundo pessoas também diferentes.
Conceitualmente, medo significa um sentimento que proporciona imensa e profunda inquietação, seja porque a mente em estado de alerta para alguma coisa ruim que possa ocorrer, ou seja diante de um fato ocorrido, um acontecimento instantâneo que cause efetivamente um estado de tensão, de pânico, de pavor.
Na primeira hipótese, a pessoa está com medo porque está esperando que o pior aconteça a qualquer momento. Por sua vez, na segunda hipótese, há o enfrentamento imediato com o que provoca medo, seja de uma barata passeando pela cozinha ou um fantasma correndo na mesma cozinha com medo da barata.
Como dito, diferentemente desse medo conceitual há também o medo como emanação do subconsciente que vive procurando motivações para expressar seus temores.
Significa que o medo já está condicionado pelo próprio indivíduo, pois já enraizou na sua mente, por exemplo, que as almas passeiam à noite nos cemitérios, o inimigo está sempre à espreita depois da curva da estrada, que vai encontrar a sereia se sair sozinho no seu barco singrando qualquer azul.
Há quem diga, contudo, que não tem medo de nada, que debaixo do sol nada lhe será afetará, pois destemido demais ou protegido por forças superiores. Vãs palavras de pessoas que não têm coragem nem de reconhecer suas fraquezas e de se comportarem como iníquos grãos de areia que são, absolutamente nada em meio às tempestades e vendavais que surgem do nada.
Nascemos para temer porque não surgimos como deuses, semideuses ou gigantes. Esses também temem porque sempre haverá algo ou alguém maior a superá-los. E nós, humanos medíocres e arrogantes, fugimos com medo da própria sombra por sermos assim, tão medíocres e tão arrogantes.



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Nada (Poesia)

Nada


Absoluta e
inegavelmente
real e irrefutável
incontestavelmente
evidente e certo
manifestamente notória
é a incondicional
e máxima certeza
que o amor imensurável
tão grandioso e tudo
extremo e infinito
indefinível
por ser demais
ilimitado e interminável
não suporta
nessa exagerada pretensão
uma só palavra
não sobrevive sequer
a um não.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 11 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 11

Rangel Alves da Costa*


Seu Heleno procurou imediatamente encontrar a solução mais caseira que fosse possível, e resolveu reconhecer o problema e antecipar o que já estava sendo feito para resolver aquilo tudo. Assim, chamou Paulo mais pra um canto e falou baixinho:
"A tristeza que se instalou na menina de uma hora pra outra realmente está preocupando a nós todos e aporrinhando até demais. Não posso afirmar que nisso tudo tem o dedo das rosas enquanto estavam vivas porque não sou maluco de dizer uma coisa que não vi. E quem iria imaginar que elas fossem capazes de fazer um negócio desses, um feitiço, seja lá o que for, para roubar o sorriso da menina que também era tão amiga delas? Tudo isso é suposição, porque afirmar com segurança que elas tiveram culpa no caso não posso não. Mas para evitar que isso se arraste, se prolongue, e de modo que essa conversa sem pé nem cabeça chegue logo ao fim é que consegui trazer para o jardim uma planta estranha às espécies existentes. Chamam de planta estrangeira, exótica, forasteira, invasora e não sei mais lá do que, mas só sei que como detetive não pode ter igual. Ela já está ali, olhe...". E apontou uma planta realmente diferente, toda imponente, que estava mais adiante.
Para Paulo, era como se estivesse viajando num mundo de absurdos, de coisas sem pé nem cabeça, impossíveis de acreditar. E nem quis falar nada, até porque nem sabia o que dizer mais, apenas ouvir o que Seu Heleno ainda tinha que inventar.
Apontando para a planta, prosseguiu o jardineiro:
"Trata-se de um belo exemplar de Crocosmia crocosmiiflora, também chamada de estrela-de-fogo, tritônia ou montbrácia. É uma planta invasora nativa da África do Sul. É invasora e pode prejudicar as plantas nativas, pois aonde chega quer tomar conta do lugar, mas isso será passageiro, pois assim que ela descubra quem matou as rosas – E dizendo baixinho ao ouvido de Paulo – será imediatamente descartada. Mas onde consegui essa me deram uma boa ficha dela, disseram que não tem planta mais qualificada para investigar esses casos. E o senhor sabe que ela descobrindo quem está por trás da tragédia, será mais fácil também trazer o sorriso de Lucinha de volta".
Tirando um papel do bolso, falou para o extasiado, abismado e incrédulo Paulo: "Por favor, o senhor mesmo pode ler aqui tudo sobre essa planta detetive. Mandei aprontar lá onde consegui a danada e famosa. Leia, por favor".
E Paulo, que achava melhor continuar com a boca aberta sem acreditar no que via e ouvia, segurou o papel, colocou diante dos olhos e fez uma leitura como que automática:
"Crocosmia crocosmiiflora ou detetiverus fogasius, como também é conhecida pela sua extrema capacidade de desvendar os casos mais instigantes pelos mais diferentes jardins, é uma planta herbácea, bulbífera, da família Iridaceae, de 50 a 70 cm de altura, nativa da África do Sul. Hibrído entre Tritonia potsii e Tritonia aurea, a crocosmia crocosmiiflora apresenta inflorescências longas, com flores pequenas de coloração vermelho-alaranjadas ou amarelas. As flores se formam principalmente no verão. É uma planta invasora, que se desenvolve em ambientes de sombra e meia-sombra, formando densos maciços floridos. Esse tipo de planta há muito que está inscrito no panteão dos grandes investigadores da natureza, pois detetives da mesma família já desvendaram, por exemplo, a pétala roubada da última flor de Julieta, o espinho venenoso na rosa que Tristão ia oferecer a Isolda, o caso do espinho de quipá que furou o olho de Lampião, o tipo do veneno contido na maçã que Eva mordeu no Paraíso e o mistério das flores suicidas do jardim suspenso da babilônia...".
"Está vendo, doutor Paulo, quanta capacidade investigativa possui aquela planta ali? Pois vai ser ela que vai trazer a paz novamente a esse jardim e consequentemente o sorriso e alegria na face de Lucinha!". Falou todo animado o jardineiro, antes mesmo que Paulo tivesse terminado a leitura daquele histórico maluco.
"Mas o que eu estou fazendo aqui meu Deus, aonde vim me meter, será que estou enlouquecendo? Não acredito aonde eu vim me meter. Se eu contar a alguém certamente que vão me internar no mesmo instante. Quem iria acreditar em planta, bicho e flor que fala? Quem de sã consciência iria acreditar que umas flores malvadas roubaram o sorriso de minha filha? Quem iria crer nessa vida que no meu jardim, na minha casa, está morando uma planta que é detetive?". E Paulo começou a sorrir bem alto, de espantar o jardim em peso.
Entregou o papel ao jardineiro e deu a volta ainda gargalhando, seguindo para dentro de casa como se não tivesse com o juízo aprumado. E Seu Heleno, sem saber o que fazer diante dos gestos estranhos do patrão, achou melhor simplesmente dizer:
"Pois é. E o pior é que ainda não vimos nada!".


continua...




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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OU TERRA OU HISTÓRIA (Artigo)

OU TERRA OU HISTÓRIA

Rangel Alves da Costa*


Uma das primeiras incursões na região sertaneja dos movimentos organizados em defesa da reforma agrária ocorreu na fazenda Barra da Onça, município de Poço Redondo, lá pelos idos de 1986, quando o braço campesino da Diocese de Propriá se uniu ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, para lutar pela desapropriação do latifúndio improdutivo.
Conseguiram e, a partir dessa empreitada de sucesso, foram atrás de mais latifúndios na região e começaram a empreender novas e cada vez maiores e organizadas invasões, resultando no que se verifica hoje, ou seja, um sertão quase desapossado de imensas propriedades improdutivas, mas também com enormes problemas. Os assentamentos de Poço Redondo e Canindé do São Francisco são exemplos fecundos disso.
Desapareceram os latifúndios e surgiram centenas de assentamentos improdutivos e glebas que só valem como moeda de troca ou para dar ciência ao governo que ali moram assentados e que, por isso mesmo, terá de sustentá-los pelo resto da vida ou mandar que os olhos de sua justiça se fechem quando invadem, roubam, furtam, saqueiam.
Contudo, o problema maior não é a terra dividida sem ter quem cuide do seu quinhão, mas sim as marcas que deixam na terra e que jamais poderão ser reparadas. Não significa que o sertão teria que continuar caracterizado pelo latifúndio de poucos e os quintais de muitos, mas o que não se pode admitir é que a terra invadida por forasteiros, por gente que muitas vezes nunca andou no sertão, tenha que se tornar abandonada, totalmente descaracterizada nas suas raízes e sem o suor do seu povo molhando cada semente plantada.
O que os forasteiros, os sem-terra fizeram e fazem não significa outra coisa senão tomar o sertão do sertanejo, não deixar espaço para que o conterrâneo se situe mais e, o que parece pior, ir aos poucos apagando uma história construída ao calor da luta, no sangue de tantos embates e nas conquistas quase sem vitórias. O que eles estão fazendo é isso: descaracterizar totalmente o sertão e apagar de vez sua história.
Para se ter uma ideia, mesmo com todo sofrimento tão característico do sertanejo, não há um só matuto, um cabra verdadeiramente de lá, que não tenha saudades daquele seu mundão caipira, de seca e desolação, de trinta anos atrás, de antes da chegada dos exterminadores.
Ora, a pobreza se estendia pelos quatro cantos, os quatro sóis se estendiam em oito ou mais, as esperanças de dias melhoras eram poucas, mas ainda assim todos tinham orgulho de ser conhecer, de chamar o outro de compadre, de sair ao entardecer pelas ruas e dar boa tarde a todo mundo, de conversar com todos, de viver num mundo onde todos compartilhavam alegrias e sofrimentos. Mas hoje não. Depois que os sem-terra começaram a invadir tudo, os campos e as cidades, tudo se misturou numa química ruim, tudo ficou muito pior, muitas vezes insuportável.
Outro dia escrevi um artigo nesse mesmo sentido que merece ser transcrito em parte. No texto intitulado "Eu, sertanejo, com orgulho da gente e não do povo", assim me expressava:
"Aos poucos, o joio sorrateiramente começou a chegar e fez moradia por entre o trigal, e como não se pode, no início da gestação, arrancar o joio sem danificar o trigo, o sertanejo teve que forçadamente acolher o estranho, mesmo sabendo que a partir dali nada mais seria como antes.
Atualmente, joio e trigo estão espalhados no sertão indistintamente, como se fossem uma coisa só. Conseqüência disso é que a gente da terra, o trigo que não pode mais ser dono do seu próprio destino, paga o preço de todos os tipos de aberrações praticadas pelo joio forasteiro. Para quem não vive o contexto, não conhece as novas situações criadas, o sertanejo se tornou, antes de tudo, também um malfeitor.
Como ter orgulho do estranho que chega, vai engolindo as cidades, espalhando-se desordenadamente pelos arredores, formando grupos de escusos interesses comuns, andando impunemente armado, semeando violência e confusões, tirando a paz do pacato interiorano, tornando o sertão tão negativamente maculado como jamais se viu na história?
Não significa afirmar que há santidade, infinita bondade na gente do lugar, pois tem muito caipira que não é flor que se cheire, mas não se pode negar o óbvio: hoje, é preciso refazer, continuar vivendo o ontem para continuar admirando o sertão".
Portanto, dói dizer, mas não hei de pecar pelo silêncio que precisa de voz: os sem-terra construíram um mundo no sertão, mas estão acabando com a história desse mesmo sertão. E o pior: nada será com antes, o amigo, a família, o boa tarde, a vida humilde enfim; mas a violência, o medo, o assombro pelo desconhecido que está ao seu lado e quer tomar o seu lugar.




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Perdoar por amor (Poesia)

Perdoar por amor


Ainda que nada me encoraje
e o egoísmo e a vaidade tentem impedir
que o meu lado humano fale com sua voz
e o murmúrio ou o grito cheguem a ti
como palavras que venceram o vento
como sopros que não somem ao acaso
creia como se acredita no destino divino
que a manhã de amanhã só nascerá como dia
que a tarde e a noite só surgirão como esperança
se o perdão ainda possa ser reconhecido
como o gesto que se pede e se dá
porque a vida perderá sua razão de ser
sem que a desculpa pelo tão grave erro
seja transformado em amor renovado.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 10 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 10

Rangel Alves da Costa*


Quando tudo estava mais calmo, o pai de Lucinha foi até o jardim procurar Seu Heleno para saber se este poderia informar sobre aquela história maluca da tristeza na menina causada pelas rosas.
Seu Heleno já sabia que isso poderia acontecer, que as explicações sobre aquela história toda iriam acabar sobrando pra ele. Já havia pensado e repensado sobre o caso e decidido que não deixaria de forma alguma que o problema ganhasse proporções além do jardim. Por isso mesmo é que respondeu a Paulo:
"Parece coisa do outro mundo, Dr. Paulo, mas se eu disser uma coisa o senhor não vai acreditar. Pode olhar ao redor que o senhor vai perceber que está tudo normal, tudo silêncio, tudo na santa paz de Deus. Mas o senhor não sabe de nada, por isso mesmo que se eu disser o senhor não vai acreditar, mas a verdade é que as plantas, as flores, os bichos, os passarinhos e até as pedras desse jardim falam como gente, ouvem como gente, tem sentimento como gente; não andam como gente, mas possuem um jeito de sair do lugar e ir pra onde quiserem que eu nem sei explicar. Agora mesmo estão ouvindo a gente e assim que o senhor for embora vai ser a maior zuada. Mas só quem pode ouvir elas conversando e até conversar também somos nós, Lucinha e eu, ninguém mais tem esse poder..."
Paulo, que era moreno claro, ficou da cor de carambola sem casca quando ouviu essa história. Procurava dizer alguma coisa, porém não encontrava palavra nem sabia o que expressar diante daquela maluquice toda, segundo ficou imaginando no primeiro momento. Conseguiu abrir a boca pra tentar falar qualquer coisa:
"Deixe isso pra lá que a vida já é uma loucura demais para que eu enlouqueça mais cedo junto com ela. Vou procurar um médico de cabeça pro senhor, como costumam dizer – Disse sorrindo -. Se minha filha me disser isso vou levá-la ao psicólogo na hora. Mas deixe isso pra lá. E sobre essa história que as rosas querem ver minha filha triste? Como é que elas podem fazer isso se já morreram?".
Então foi a vez do jardineiro procurar palavras para responder e não conseguir encontrá-las. Olhou ao redor e sentiu as flores pulsando, chegando a ouvir a margarida dizer "Cuidado com o que vai falar!". E falou sem pensar muito no que ia dizer:
"Nada disso existe Dr. Paulo, o senhor bem sabe que somente Deus pode dispor sobre nossa tristeza e nossa alegria. É ele quem coloca no coração a chama ardente da alegria ou a frieza da tristeza, mas isso depende também muito do que a gente faça na vida. Se faz o bem, certamente Deus reconhecerá com a alegria no coração, que vai se irradiando por tudo...".
Estava filosofando demais, parecendo que dava rodeios sem chegar ao ponto que interessava a Paulo, então foi interrompido por este:
"Mas vamos ao que interessa. Lembre que eu fiz duas perguntas, que vou resumir pra apenas uma, e quero a resposta: Que história é essa que as rosas que já morreram querem ver minha Lucinha triste?"
Aí Seu Heleno ficou sem saída e teve que encontrar a resposta cabível para o momento:
"Doutor Paulo lembra que eu disse que essas espécies todas existentes no jardim falam e agem como se fossem gente, não foi? Então é fácil perceber que elas também têm sentimentos, e a meu ver o ciúme é o que está mais presente nelas. Eita turminha ciumenta é essa, cheia de futrica e de falsidade. Por causa desse ciúme todo de umas flores para com as outras é que as rosas, que sempre se acharam mais bonitas, cheirosas e importantes que as demais, nunca se deram bem, por exemplo, com as margaridas, os girassóis, os lírios e as violetas. Era o maior bafafá entre elas, com discussões de espalhar pétalas pelo ar. Então, doutor Paulo, as rosas achavam que a pequena Lucinha gostava mais das outras flores do que delas, só porque via a menina toda alegre conversando com elas. As rosas queriam porque queriam que Lucinha voltasse sua atenção somente pra elas, sem ao menos dirigir palavra ou sorriso para as outras. Tudo vaidade e egoísmo em demasia. Assim, como Lucinha não deu o braço a torcer, não trocou a amizade das outras flores para satisfazer o ego metido a besta das rosas, é que começou essa conversa toda, dizendo que as rosas tinham roubado o sorriso dela. O problema é que depois de uma mudança repentina no tempo, com uma verdadeira tempestade, as rosas apareceram mortas. E até hoje ninguém sabe quem fez a besteira..."
Então Paulo interrompeu, bastante interessado no caso: "E com a morte das rosas morreu também a alegria de Lucinha, não é isso?".
"Mas isso não existe. Essa conversa de roubo do sorriso não existe...". O jardineiro tentou dar um basta no assunto.
"Mas ora, Seu Heleno, se isso não existe e por que a menina está vivendo numa tristeza de não acabar mais? E por que aquelas malditas rosas foram parar lá no quarto dela e estavam debaixo da cama junto com a menina?". Perguntou Paulo, para total desespero do jardineiro.


continua...




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terça-feira, 23 de novembro de 2010

SOMOS RICOS DEMAIS (Crônica)

SOMOS RICOS DEMAIS

Rangel Alves da Costa*


Talvez não tenhamos agora mais que duas moedas no bolso, um monte de contas a pagar, ainda não foi feita a feira, e certamente faltará o gás e um monte de coisas que só faltam quando a gente está sem dinheiro.
No rosto, um ar de preocupação; em cima da mesa a falta do leite e do pão. Não é bom nem abrir a geladeira para não entristecer ainda mais. De repente, surge uma dorzinha de cabeça exatamente quando não tem mais remédio no armário. Já faz tempo que comprou uma calça nova, um chinelo ou uma camisa. Tudo ainda é novo porque de pouco uso, menos a certeza da volta por cima.
Para esquecer os problemas nada melhor do que procurar se distrair com os programas de televisão. E chegam as notícias dizendo que um milionário foi preso por sonegação de impostos, outro perdeu milhões em menos de meia hora na bolsa de valores; em qualquer lugar do mundo deram um rombo de bilhões e um banco faliu, outro banco teve lucro recorde de tantos por centos, e também foi o que mais aumentou suas taxas de juros. Dinheiro, dinheiro, dinheiro!...
Para que vale o dinheiro? Haverá de se perguntar, pois é inevitável a pergunta. Ao menos naquele instante em que falta tudo, não tem nenhum tostão e está endividado até dizer chega, ter muito dinheiro seria a coisa melhor do mundo. Seria mesmo?
É difícil compreender, mas ainda existem pessoas assim. Pessoas que estão com muitas dificuldades, mas ainda assim têm a certeza que o dinheiro não resolverá sozinho os problemas. E o que farão, então, para alimentar a esperança de dias melhores sem ter que fazer um empréstimo ou arranjar dinheiro de qualquer jeito?
Ora, compreendem a vida como o bem maior, sem nenhum valor que a possa usurpar, sem nenhuma fortuna que tire o seu significado, sem nenhum banco onde possa ser depositada. Compreender o significado da vida é por si só saber a inestimável fortuna depositada na mente, no espírito e no coração de cada um.
Basta dar a ela o que ela exige para ser afortunado sempre, que é dividir com o próximo o pouco que se tem; compartilhar com o outro os encantos da felicidade advinda dela própria; fazer da doação uma comunhão com Deus, porque somente este Homem sabe e pode agradecer em nome de todos.
Certamente o pote não secará nem a moringa se esvaziará se oferecer uma caneca de água àquele que tem sede. Quantas fortunas valem um cantil de água no deserto, quando não há mais oásis nem esperança. E quanto doce é água oferecida na sede e bebida com o coração!
Não há mais pão, mas ainda há biscoitos ou bolachão, e porque não oferecer um pedaço a teu irmão que mostra que tem fome? Muitos reis, soberanos e poderosos já deixaram apodrecer seus pães sem permitir que eles fossem doados aos famintos. De repente, os castelos, todos construídos com o fermento da maldade, começaram também a apodrecer. Ainda assim o pobre estenderá um pedaço de pão para o rei.
Se não há nada a oferecer que seja de beber, de comer, de vestir, certamente será possível encontrar coisas muito mais importantes para doar. Todos aqueles de bom coração têm uma palavra amiga, um gesto de conforto, uma atitude solidária, um apoio a abonar num momento de precisão. Certa vez uma criança só tinha o olhar e olhou de tal modo que todos compreenderam o significado do grito do dor. E bastou segurar na sua mão...
Por isso somos ricos demais. E de uma fortuna tão imensa que somente se iguala ao valor da bondade, do respeito a si mesmo e ao próximo, do amor verdadeiro, dessa joia inestimavelmente preciosa que se chama Deus!




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Dividir somar (Poesia)

Dividir somar


Não sou mais tudo
mais todo, inteiro
não sou mais imenso
mais único, verdadeiro
não sou mais o máximo
mais adiante, primeiro
não sou mais infinito
mais ilimitado, ponteiro
não sou mais rápido
mais veloz, ligeiro
não sou mais nome
sobrenome, herdeiro
não sou mais eterno
mais dezembro, janeiro
não sou mais luar
mais luz, candeeiro

e o que resta
se divide igual
na minha parte
e na sua metade
porque não sou nada
sem amor de verdade.


Rangel Alves da Costa

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 9 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 9

Rangel Alves da Costa*


"Filhinha, pelo amor de Deus, o que você está fazendo aí?". Perguntou a mãe aflita, enquanto o pai já se jogava no chão e olhava para debaixo da cama.
"Venha, venha cá filhinha, é papai que está aqui lhe chamando, venha!". Falava Paulo, deitado no chão, olhando Lucinha toda encolhidinha lá no meio e esticando o braço para alcançar a menina.
Não teve jeito dela querer sair dali, continuando com um choro baixinho e persistente. Foi preciso que Paulo e Nadir levantassem a cama com as mãos, colocando mais de lado, para que ela fosse alcançada e levantada do chão.
"Mamãe jogue essas flores lá fora e diga a elas para não aparecerem mais aqui...". Disse Lucinha assim que sua mãe a levantou e segurou nos braços. Os pais não compreenderam de imediato as palavras da menina, mas olharam para o chão, bem no local onde estivera deitada, e viram rosas murchas estendidas. Mas que coisa mais estranha, pensaram.
E quando Paulo se dirigiu até o local para recolher as flores murchas, ao erguê-las percebeu que mesmo com a aparência bastante deteriorada das pétalas, ainda assim continuavam inteiras e percebia-se que eram rosas pela imponência que parecia não morrer jamais.
"Jogue logo essas flores, papai. E bem longe que é pra elas não voltarem mais aqui". Disse a menina tristonha nos braços da mãe. "Vá, vá logo Paulo, faça o que ela pediu e depois volte rápido para cá que precisamos ter uma conversa muito importante". Falou Nadir, expressando agora um certo temor e uma reconhecível preocupação.
Será que minha Lucinha está enlouquecendo? Perguntou a si mesma, deixando cair pelo canto do olho uma lágrima teimosa. A menina não podia ver aquele início de pranto de jeito nenhum. Não naquele momento, quando precisava estar ao menos aparentando firmeza para enfrentar o que viesse pela frente.
Assim que o pai retornou, a primeira coisa que Lucinha perguntou foi onde ele tinha jogado as rosas. "Entreguei ao jardineiro e mandei que ele fosse bem longe, perto de um algum lixão, para jogar aquelas flores murchas por lá. Mas me diga uma coisa minha filha, porque essa preocupação toda com as flores já sem vida e sem cor, que daqui há instantes não restará mais nada delas?". Respondeu o pai, indagando.
"É que elas me fazem ficar triste...", disse Lucinha em seguida. "Mas como assim, minha filha, pode explicar a gente, bem calmamente?", perguntou Nadir, chamando Paulo para sentar ao seu lado.
A menina desceu dos braços da mãe, caminhou até a janela e olhando para fora, para o jardim, começou a falar com uma voz que parecia soprada no vento, leve e distante:
"Aquelas flores não gostam de mim. Aquelas flores já morreram e voltaram aqui, não queriam sair do meu quarto porque não gostam de mim. Aquelas flores não podem fazer mal às outras flores do jardim porque a força da natureza existente ali impede que façam isso, então elas vieram para o meu quarto para exigir que eu destrua todas aquelas flores do meu jardim. Como eu disse que não ia fazer isso de jeito nenhum, então elas disseram que eu, além de nunca voltar a ter alegria, passarei a ter elas no meu quarto dia e noite, me atormentando, até que eu faça o que elas querem, que é matar as outras flores...".
A mãe não podia mais esconder as lágrimas e chorava com a cabeça no ombro do esposo. Foi quando este perguntou: "Mas porque essas rosas querem que você destrua as outras flores, filhinha?".
"Porque alguma coisa do jardim, podendo ter sido uma flor, uma planta, um bicho ou um passarinho, matou elas. Segundo elas mesmas me disseram, não morreram por morte natural ou por qualquer praga, mas foram mortas de verdade. Então como elas já tinham inimizade com as outras flores e não sabem ao certo quem causou a desgraça, então querem que eu destrua todas as flores. É uma vingança das rosas através das minhas mãos, papai. E isso eu não vou fazer nunca, nem com minhas flores nem com nada nessa vida... Tudo só é bonito vivendo! Tudo só é importante vivendo! A vida é tudo papai!...".
E o pai completou: "É filhinha, a vida é tudo!". Levantou, foi até perto dela e deu um abraço apertado. Em seguida fez mais uma pergunta: "E que história de tristeza é essa?".
"Só quem podia responder isso eram as rosas, mas elas não estão mais aqui. Elas não vão voltar mais aqui, não é papai?".


continua...



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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MANUAL DO HOMEM DE BEM (Crônica)

MANUAL DO HOMEM DE BEM

Rangel Alves da Costa*


Partindo-se do pressuposto que ao lado da vida, a liberdade humana é o bem mais precioso e almejado por todos, há que se considerar que a manutenção desse status não só de homem livre, mas também isento de perseguições e possuidor de nome respeitado onde chegue, diferentemente do que muitos possam imaginar, depende somente do respeito que o próprio homem dá a si mesmo.
Logicamente que esse respeito próprio deve sempre estar acompanhado de alguns aspectos comportamentais, físicos, mentais e até espirituais, próprios do homem dentro de sua normalidade. Tais aspectos seriam honestidade, integridade, dignidade, respeito ao próximo, respeito às leis e aos bons costumes, dentre alguns mais que a ninguém é dado o direito de omitir nas suas ações.
Somente a título de exemplificação, age com honestidade aquele que não se aproveita de determinadas situações para tirar proveito de modo abusivo ou ilegal; age com integridade aquele que não procura esconder a verdade dos fatos nas suas relações pessoais ou de direito; age com dignidade aquele que procura sempre operar para edificar e não para destruir; age com respeito ao próximo aquele que não procura humilhar nem ter o outro como inimigo a qualquer custo; age com respeito às leis e aos bons costumes aquele que se comporta dentro dos limites permitidos pelo direito e pela sociedade.
Contudo, nada do que foi dito até agora terá alguma importância se o espírito do homem não seja convicto da máxima validade daqueles dez mandamentos da lei divina: "Amar a Deus sobre todas as coisas; Não tomar Seu santo nome em vão; Guardar domingos e festas de guarda; Honrar pai e mãe; Não matar; Não pecar contra a castidade; Não furtar (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo); Não levantar falso testemunho; Não desejar a mulher do próximo; Não cobiçar as coisas alheias".
Sem deixar de se ater e preservar os outros ensinamentos, observando-se com estreiteza quatro desses mandamentos já é possível evitar grandes problemas com a justiça, ou dela sair incólume.
Assim, os mandamentos de Não matar, Não furtar, Não levantar falso testemunho, e Não cobiçar as coisas alheias, possuem repercussão também na esfera judicial penal, bem como no cível e outras áreas, em alguns casos. Até pouco tempo atrás o adultério também era crime, deixando de sê-lo talvez pela impossibilidade da máquina estatal judiciária condenar todos os adeptos dessa pouca vergonha chamada infidelidade conjugal.
Não matar, pois se praticar o crime será imputado na tipificação do art. 121 do Código Penal e sofrerá suas consequencias, podendo ainda responder pela mera tentativa de homicídio.
Não furtar, pois se "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel sem a prática de violência ou grave ameaça ou de qualquer constrangimento físico ou moral à pessoa", poderá ser condenado pelo crime previsto no art. 155 do Código Penal.
Não praticar falso testemunho, pois esta prática é também tipificada no art. 342 do Código Penal, consistindo em fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade perante a justiça. O Código de Processo Penal, no art. 203, exige "a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado", ou seja, a testemunha prestará o compromisso de dizer somente a verdade.
Por fim, Não cobiçar as coisas alheias é preceito não verificado em tipificação específica, mas observável em todos aqueles atos onde a ganância, a avidez, a busca da riqueza material a qualquer custo, predispõe a pessoa a cometer os mais diversos atos ilícitos, como a fraude, a apropriação indébita, o estelionato, o roubo e muitos outros delitos.
Ademais, nem será preciso esmiuçar que o homem que realmente se impõe diante do seu destino e busca preservar sua existência contras falsas acusações, contra as invejas e os ódios que se espalham esquina a esquina, jamais ficará desatento e se voltará somente para a prática do bem. Agindo com lealdade, seriedade e dentro dos ditames da justiça divina e humana, certamente ainda poderá dormir tranquilo e igualmente sonhar coisas boas.
Diante de tudo o que foi dito, mesmo que a carne humana fraqueje, procure reerguer as melhores virtudes e caminhar pelo mesmo caminho por onde um dia seguiu o velho sábio: a estrada que vai sendo construída passo a passo, enquanto se caminha na vida!




Poeta e cronista
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