ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 23
Rangel Alves da Costa*
Quando entrou na praça onde ficava a igreja, e assim que se aproximou mais um pouco, o que começou a ver foi de causar espanto. Uma multidão se formava em frente ao templo, pessoas corriam por todos os lugares, dava para enxergar homens e mulheres chorando em desespero, com as mãos na cabeça, ajoelhados e até mesmo jogados ao chão. Mas o que será aquilo meu Deus? Zezinho ficou se perguntando parado num canto.
De onde estava avistou o padre Carmélio saltitante, em polvorosa, chamando fiéis e apontando alguma coisa com as mãos, como se estivesse ordenando que fosse por ali ou acolá. Assim que receberam as ordens as pessoas saíram em disparada, como se fossem cavalos correndo pelas matas atrás de bois.
Zezinho percebeu que uma daquelas pessoas, mais precisamente uma senhora com mais de cinquenta anos, porém correndo igual maratonista, veio em alta velocidade em direção ao local onde estava e na carreira que estava apenas deu uma rápida olhada, virou rapidamente a esquina e prosseguiu. Mas isso foi somente coisa de segundos, pois no outro instante a velocista já estava de volta.
Como se fosse um veículo que desse ré, a mulher voltou sem virar o corpo, praticamente correndo de costas, e quando chegou bem em frente ao menino, parou, olhou a sua feição, mirou de cima a baixo, fez algumas perguntas à própria cabeça, depois disse gritando "É ele!!!" e caiu desmaiada.
Zezinho nem pensou noutra coisa senão procurar ajudar à mulher. Porém, quando estava se abaixando para ver o que ela havia sofrido, chegou ao local mais de vinte pessoas e, aos gritos de "Glória!", "Aleluia!", "O salvador voltou!", Ele está aqui!".
E então arrancaram o menino de onde estava, levantaram pelos ares, colocaram nos ombros e começaram a gritar ainda mais alto, a cantar e a carregá-lo de volta à igreja. E a mulher, coitada, ficou lá estirada enquanto os outros fiéis prestavam fervorosa devoção ao seu salvador. Diante do menino, não deram à mínima atenção à pobre mulher.
Defronte à igreja, novas lágrimas de alegria, gritos de contentamento e demonstrações explícitas de fanatismo religioso. Aplausos, cantos e palavras de agradecimento eram ouvidos incessantemente. Nesse contexto que mais parecia enlouquecimento grupal, o menino foi conduzido para dentro do templo cristão parecendo santo em cima de andor.
Assim que pôde, Zezinho desvencilhou-se de tantos braços e tantas mãos e, quase num salto acrobático, escapou de quem estava ao redor e correu para o altar, de modo a deixar um espaço garantido para que os fanáticos não corressem para cima de novo. E fez mais, pois subiu na mesinha dos ofícios religiosos, bateu palmas e gritou: "Quero silêncio e ordem. Ou fazem silêncio e ordem ou sairei novamente por aquela porta para nunca mais voltar!".
E pareceu milagre, pois num segundo todos ficaram silenciosamente comportados e de olhos ávidos para ouvir o que o menino salvador tinha a anunciar. Então Zezinho disse a si mesmo que aquele seria o grande momento para dar início ao seu plano de voltar ao sertão, e em seguida começou a falar:
"Creio que muitos de vocês já tiveram oportunidade de ouvir parte da minha história. Em outros dias, outras vezes, voltarei a falar muito mais sobre essa minha ainda curta trajetória. Mas saibam que ainda não pude falar de outras coisas que acho muito mais importantes e que ainda hoje, mais cedo, pude relatar a Dona Carmosita. Deus queira que não, mas acho que a boa senhora se sentiu mal pela comoção que sentiu com o que contei a ela...".
E a multidão parecia de pedra, atenciosamente voltada para ouvi-lo. E este continuou com suas palavras planejadas:
"E saibam todos que contei apenas uma parte sobre os meus encontros com um certo amigo, e amigo este que, pelo amor que passa, pelas doces palavras, pelas lições que ensina, tenho certeza que é verdadeiramente aquele que está ali atrás de mim – E virando-se para a imagem do Senhor na cruz -. Tenho certeza que é Jesus Cristo..."
E a igreja pareceu estremecer nesse instante. Recomeçaram as gritarias, os aplausos, as palavras louvando o Senhor, o choro, as lágrimas e os desmaios. O padre Carmélio, que também chorava de emoção e alegria nesse instante, teve que correr para o meio da multidão e pedir calma para que o menino salvador continuasse.
E Zezinho continuou: "Mas sobre esse meu amigo Jesus Cristo, que acostumei estar sempre com ele em todo lugar, terei ainda muito tempo para falar. Por isso mesmo é que proponho, desde já, que tudo o que tenho a dizer não fique somente resumido a vocês que estão aqui ou que frequentam essa catedral, mas a todos os fiéis católicos de outras igrejas aqui da cidade e até de lugares distantes. E bem distantes, pois não há distância para que possam chegar as lições que o Senhor me ensinou e que tenho que repassá-las para todos..."
E depois de novo ataque de comoção e louvação dos presentes, Zezinho chegou aonde queria realmente chegar. E disse:
"E a primeira igreja que escolhi para pregar foi uma num lugar bem distante e quase esquecido do mundo. Essa igreja fica lá em..."
E a multidão começou a gritar, perguntar e dizer: "Onde?", "Irei onde for pregar o menino salvador!".
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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