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sábado, 27 de novembro de 2010

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (1ª Parte)

O PROCESSO SOBRE A HERANÇA DAS TERRAS DE POÇO REDONDO E CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO (1ª Parte)

Rangel Alves da Costa*


Como se não bastassem os fatos e episódios fantásticos que parecem somente ocorrer no sertão, o realismo fantástico que torna aquelas paragens num mundo verdadeiramente diferente, de vez em quando surge elementos novos para aguçar ainda mais a curiosidade do sertanejo e testar seu poder de compreensão sobre a realidade. Mas não pode ser, será mesmo que isso é verdade? De vez em quando têm de se perguntar.
Fato é que já há alguns anos surgiu um boato de que tanto as terras de Poço Redondo como as do município vizinho, Canindé do São Francisco, não seriam das inúmeras famílias, proprietários e assentados que nela vivem como verdadeiros donos, porque compraram ou adquiriram por outros meios, ali construíram e vivem, mas sim de uma única família: a família Marinho, formada pelas herdeiras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, afirmando terem adquirido por herança toda a aquela imensidão de terras. Mas vamos aos fatos.
Há mais de 40 anos que as herdeiras, senhoras já idosas e de poucos recursos, começaram uma briga na justiça para verem reconhecidas as terras deixadas como herança por seu pai, Amâncio Ferreira da Silva, que as adquiriu de Francisco Correia de Brito em 1947. O problema é que tal herança envolve todas as terras que formam os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco.
Como fundamento fático do pedido da ação, "As demandantes dizem-se proprietárias, por herança, de parte das terras então integrantes do "Morgado de Porto da Folha", terras essas que constituiriam um imóvel individualizado cuja área seria de impressionantes cento e noventa e três mil e quinhentos hectares" (ver sentença a seguir).
Na audiência judicial, realizada às 08h30m. do dia 31/08/2006, na 6ª Vara Federal de Itabaiana/SE, a requerente Adélia Ferreira Marinho prestou o seguinte depoimento pessoal:

"QUALIFICAÇÃO: ADÉLIA FERREIRA MARINHO, brasileira, do lar, separada judicialmente, RG nº 247.546 SSP/SE, CPF 294.555.705-30, residente e domiciliado na Rua Carlos Menezes de Faro, nº04, Conjunto Augusto Franco, Aracaju/SE. (...) que as terras em questão foram adquiridas pelo seu pai na década de quarenta, que por sua vez faleceu em 1952; que o processo de inventário só veio a terminar quando a depoente contava com dezessete anos; que nesse período passaram a se emitir escrituras públicas falsas em relação a área que então seu pai havia adquirido; que as áreas desapropriadas pelo INCRA correspondem a porções de terra que teriam sido transferidas por essas escrituras falsas a terceiros; que a depoente tomou conhecimento da primeira escritura falsa em 1965, época em que levou os fatos ao jornal GAZETA. (...) que só havia cerca de trezentas tarefas nas terras que pertenciam a sua família. (...) que a própria depoente informou ao INCRA sobre as irregularidades nas escrituras quando dos processos de desapropriação; que o INCRA não se dispôs a resolver administrativamente o problema; que o superintendente do INCRA à época era Manuel Hora. (...) que a escritura original das terras teria sido subtraída de autos de processo que a própria depoente moveu em 1959, na Comarca de Porto da Folha; que o INCRA cobrava o ITR tomando como base de cálculo toda a área da propriedade; que sua mãe nunca declarou área menor para efeito de reduzir a base de cálculo do ITR; que por fim esclarece a depoente que ela própria levantou a existência de 1726 propriedades decorrentes de escrituras falsas em 1980".

Compradas por cinco mil cruzeiros por seu pai, à época da realização do negócio jurídico só havia abandono e mato em toda a região, e de vez em quando se encontrando apenas uma propriedade ou outra, segundo alegaram os herdeiros. Com o falecimento do comprador, assim que a família procurou abrir o procedimento do inventário alguns documentos, não se sabe por quais motivos, foram adulterados por cartórios da região. Sobrou apenas uma certidão que atesta a existência para a escritura dos terrenos. Com base nesse documento é que a família conseguiu entrar na Justiça.
A disputa judicial, que já durava mais de quarenta anos, já foi julgada. O Estado nunca concordou com essa dimensão do terreno mesmo porque são cerca de 195 mil hectares e em valores atuais seriam estimados em mais de R$ 600 milhões, além do que nas terras vivem cerca de 50 mil famílias, estão fixadas centenas de propriedades particulares, indústrias, comércio próspero e também onde está instalada a Usina Hidrelétrica de Xingó. Além disso, toda a história de Poço Redondo e Canindé teria que ser revista e recontada.
Como afirmado, o caso já foi julgado pela 6ª Vara da Justiça Federal de Sergipe. Eis os termos da decisão prolatada, publicada no Diário da Justiça de 13/12/2006 - Boletim 2006.000054:


- SENTENÇA -

Sob a égide do processo de conhecimento, sob o rito ordinário, Adélia Ferreira Marinho e Luiza Ferreira Marinho deduziram pretensão em face do INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o escopo de obter indenização por danos materiais e morais.
Em suma, alegaram o seguinte:

a) São legítimas proprietárias, por sucessão hereditária, da última parte do imóvel rural denominado "Morgado de Porto da Folha", cuja área corresponde a 193.500 (cento e noventa e três mil e quinhentos) hectares, abrangendo os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco;
b) As terras foram adquiridas de Francisco Correia de Brito em 1947 pelo pai das autoras, Amâncio Ferreira da Silva;
c) Em razão de dificuldades financeiras, apenas parte ínfima da propriedade foi declarada para fins tributários;
d) O INCRA deu causa ao apossamento administrativo do imóvel, pois indenizou terceiros - que não seriam os verdadeiros proprietários - ao promover diversas ações de desapropriação para fins de reforma agrária acerca da área compreendida no imóvel das postulantes;
e) Por conseqüência, entendem devida indenização pelos danos materiais, lucros cessantes e danos morais daí decorrentes.

Citado, o INCRA respondeu por meio de contestação e aduziu, em suma, que as autoras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho não demonstraram a efetiva condição de proprietárias.
Conforme sustentou, o título anexado à inicial seria nulo, pois fere os princípios da especialidade - ao não especificar a localização do imóvel - e o da continuidade - por não observar a cadeia sucessória dominial. Demais disso, ressaltou que os procedimentos de fiscalização agronômica que realiza são sempre instruídos com o levantamento exaustivo da propriedade junto aos registros imobiliários.


continua com a 2ª parte do processo...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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