ORAÇÃO DO OLHAR DIANTE DO CORPO AMADO
Rangel Alves da Costa*
Os olhos que veem, não enxergam somente aquilo que querem enxergar. O que está diante e ao redor é para ser visto, conhecido, afeiçoado ou não. Se no primeiro instante, os olhos não têm escolha, continuar olhando é uma faculdade que, muitas vezes, transcende a emoção e a razão para ser justificado pelo coração.
É que o olhar possui armadilhas e na maioria das vezes não distingue imediatamente o pecado do prazer, o certo do errado, a vontade do contentamento em não ter.
E foi porque certa vez foi tentado por uma dessas armadilhas do olhar que um jovem franciscano se refugiou por longos anos num mosteiro se penitenciando pelo olhar voluptuoso de um dia. Porém, quando mais se penitenciava mais lembrava, e quanto mais recordava mais sentia desejo e vontade de ver o corpo de belas formas novamente.
Dizem que suas atribulações só foram embora de vez do pensamento quando escreveu uma oração ao corpo, de modo que os pecados e as virtudes da carne humana passassem a ter uma conotação religiosamente dignificante e ele. Com a oração, o coitado do religioso procurou lavar suas mãos pelo pecado do olhar de volúpia.
Da longa oração, intitulada "Oração do olhar diante do corpo amado", escrita em mais de cinquenta folhas, restou somente a passagem que se segue. As demais ele queimou quando percebeu que nada disso havia surtido efeito.
"...Senhor, perdoai-me, pois pequei por onde deveria apenas enxergar o bem, apenas avistar as belezas da natureza, admirar-me com os encantos da tua criação. E pequei Senhor, pelo olhar que mirando a vida viu também além do que merecia ver, numa jovem mulher que andava, numa bela mulher que passava e pelo corpo que essa mulher possuía e possuiu o meu olhar, que não quis mais enxergar outra coisa na vida, senão olhar e olhar, e além disso olhar e ficar imaginando coisas pecaminosasque minha pena se exime de dizer pela magnitude do erro carnal que cometi, em olhar e olhar, e olhar e desejar ter a mulher desnuda, ter a mulher sem roupa, ter o corpo da mulher. Cega-me se for preciso Senhor, mas hei de dizer o quanto de encantamento aquele corpo de mulher causou-me, a ponto de compará-la às suas mais nobres criações e ainda assim duvidar se ele não estaria no patamar do que de mais belo se possa ver. Pequei Senhor, e que infinito pecado mortal, olhar o que não ao poderia ao menos mirar,
enxergar aquilo que não me caberia imaginar, e pensa em ter muito mais que o olhar, mas também a dona do corpo e do meu pecado. Mil vezes imploro o perdão e mil vezes imploro ser castigado se merecer, mas direi sempre que o erro não foi do homem cristão e celibatário, do homem religiosamente casto, do homem que escolheu casar com a igreja e ter a fé como filha, mas sim do homem comum de carne e osso, do homem que é fraco e por isso é tentado, do homem que nunca amou mas se viu apaixonado. Pensei, meu Senhor, que o amor verdadeiro fosse somente amar o bem fazê-lo ainda melhor, mas fui tentado e pude ver que ali naquela mulher e naquele corpo de mulher se não há o bem, ainda assim pode nos fazer o bem, que é amar..."
Dizem, não posso afirmar, que a mulher que foi desejada escreveu também uma oração muito parecida, onde se penitenciava por ter um dia sentido a carne apaixonadamente queimar ao se sentir olhada por um jovem franciscano.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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