SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 13 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 13

Rangel Alves da Costa*


Os policiais cismaram em não acreditar que Zezinho seria inocente e fizeram de tudo para mostrar, diante das características apresentadas pelo menino, tais como ter sido encontrado correndo, estar com roupa desalinhada e vagar sozinho pela rua, que ele poderia ter sido, sim, o ladrãozinho safado que tinha levado a bolsa da madame.
Como não convenceram a mulher, que estava preocupada mesmo era com o paradeiro da bolsa, e muito menos à filha desta, que agora parecia querer conversar a todo custo com o menino, não tiveram outra opção senão chamar o pequeno sertanejo para se defender, para dizer quem era e o que fazia naquele lugar e naquelas condições.
Fora o fato de ter fugido do hospital, que achou por bem mais conveniente omitir, ele contou tudinho, e tim-tim por tim-tim. Disse sobre o lugar onde havia nascido, sua vida no sertão, porque estava ali, a separação de sua mãe na rodoviária, como havia ido parar dentro do ônibus, o perambular pelas ruas, a certeza que reencontraria sua mãe e a fotografia encontrada no jornal, juntamente com a notícia sobre a morte dela.
"Mas porque você estava correndo pela rua?", perguntou o condutor. "Ora, seu moço, estava correndo porque pensei que tinha visto um daqueles moleques que tinham roubado meu dinheiro, minha roupa e me dado uma surra sem eu merecer".
Saiu-se como pôde, mas ficou tudo explicado e bem explicado. E tanto foi assim que dois dos policiais, de repente, ficaram de costas pelos cantos, escondendo os olhos chorosos e as feições entristecidas. A madame parecia ter se reencontrado como humana e sentia sem fazer nada a maquiagem ser desfeita pelas lágrimas que corriam incessantemente. Chegou mesmo a soluçar e a unir as mãos como se estivesse em oração.
A menininha, sem entender muito sobre aquilo tudo que tinha ouvido, ainda assim se aproximou de Zezinho, ajeitou-lhe os cabelos, passou a mão pelos seus olhos, e depois falou tentando confortá-lo:
"Essa história toda de sofrimento e ainda querem dizer que você fez coisa errada, roubando a bolsa de mamãe. Eles sabem quem roubou e também sabem que não foi você. Disseram que você era ladrão porque acham que todo menino pobre e que está correndo pela rua é ladrão. Mas agora que sabem quem você é, até que seria bom se pedissem desculpa. Mas desculpa não vale nada depois que o pior já tá feito. Mas mamãe vai lhe ajudar, vai lhe dar um dinheiro pra ajudar você. Não vai mamãe?".
Tomada de surpresa pelas palavras da filha, respondeu: "Mas filhinha, roubaram a bolsa da mamãe, não lembra? Por enquanto a mamãe está sem nenhum tostão. Mas depois, se a gente encontrar ele pelo shopping mamãe vai ajudar, tá bem?".
"Levaram a bolsa da senhora, mas não o dinheiro que tenho guardado aqui". Disse a menininha, metendo a mão num bolso e tirando algum dinheiro. Em seguida, sem contar quanto tinha, quis entregar nas mãos de Zezinho, que rejeitou no mesmo instante. E disse por que não podia aceitar:
"Minha amiguinha, muito obrigado por se preocupar comigo, mas não posso aceitar seu dinheiro não. Sei que vem do fundo do seu coração, mas não quero sair lucrando depois de tudo que passei. E sair com dinheiro daqui seria o mesmo de ter lucrado depois de ter sido arrastado, e sem ter feito nada, de lá da ria até aqui. Muito obrigado mesmo, pois sei que está agindo de coração. Mas o que preciso mesmo é poder sair daqui agora mesmo".
"Pode ir, está liberado", disse o policial condutor. Já na porta, Zezinho olhou pra trás e encontrou os olhos da menina brilhando. Somente isso serviria para apagar suas mágoas pelo ocorrido.
Começou a andar despreocupado pela rua, de cabeça baixa, pensando no que fazer agora. Se tivesse aceitado aquele dinheiro, bem que estaria garantida a sua comida de mais tarde. Mas pensaria nisso depois, quando a fome viesse, o cansaço chegasse e certamente o sono. E quando o sono chegasse então é que seria problema. Onde dormiria naquela noite? Pensava e pensava...
E caminhando e pensando na vida, se viu na porta de uma igreja. Que igreja bonita, se admirou logo na entrada. Resolveu conhecer ela por dentro e entrou. Aceitou receber um papel que lhe foi entregue por uma velhinha que saía e sentou numa das fileiras de bancos. E a igreja parecia imensa quase vazia, silenciosa e encantadora.
Como aqui é tudo grande e bonito, admirava-se. E baixou os olhos para o papel e leu, letra por letra: "Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição" (Ap 21,4). E mais adiante:
"O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em pastos verdejantes; guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias" (Salmo 23).


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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