AQUELA GENTE HUMILDE
Rangel Alves da Costa*
Meus olhos quando enxergam a gente do meu lugar, com sua vida de sempre, nos mesmos passos e mesmo norte, encontram sempre um povo pacato, corajoso, desesperançoso, primando pela humildade.
O povo humilde do meu sertão não possui humildade no sentido de ser miserável, entregue à própria sorte, com obscurecido destino ou vivendo nas desvalias da vida. Não. A humildade do meu povo esta na simplicidade de ser, no poder que ainda possui de ser amigo e irmão, na tez e no olhar para o hoje como realidade que nunca muda e no amanhã que por sorte não será pior.
A humildade de minha gente mora nas casas sem luxo, nas fachadas sem pinturas, nos casebres deteriorados, no vão que chama casa e nos dois quartos que olha como se fosse palácio. Aquela humildade que conheço cozinha no fundo da casa, no quintal no fogão de lenha, nas pedras juntadas e no garrancho que crepita cozinhando o tudo e o nada, o sabor da lembrança do frango de capoeira ou a certeza de que só tem a perna magricela do último preá existente.
Gente humilde conheço que, sem ser deseducada na concepção das exigências dos outros, toma leite quentinho caído do peito da vaca misturado com farinha num pratinho de estanho; almoça e janta embaixo da goiabeira colhendo cada bocado e levando à boca com a própria mão; espalha pimenta malagueta por cima do feijão de corda com um naco de carne de bode e se delicia para o resto do dia.
Minha gente humilde conserva a água tão preciosa no sertão em potes e porrões, refresca o que vai beber na moringa de barro que mais parece geladeira se colocada perto da janela onde o vento bate; deita na rede ao entardecer e cochila sonhando com chuva; senta na cadeira de balanço na porta de casa, faz um rendado bonito demais, manuseia a almofada com bilros, talha a madeira e molda o barro para garantir a sobrevivência.
Esse povo humilde que conheço, quando pode e a natureza ajuda, gosta de caçar o de comer (quando tinha caça), planta no quintal os remédios que curam qualquer doença, fazem chás que expulsam os males no suor; benze e limpa o corpo, afastando as coisas ruins para as águas distantes; passa a folha ou ramo pelo rosto e pelo corpo, manda fazer beberagem e prescreve que durante três dias não é pra comer carne vermelha nem ficar debaixo de lua nova.
A humildade da gente que conheço está também na molecada, na criança e no jovem que ainda não desarnou, como se diz por lá. Monta no pedaço de pau e se torna cavaleiro debaixo da lua cheia e vai procurar boi menino na mataria; cinema se faz com o corpo na luz que faz sombra na parede, e vai mexendo as mãos e os dedos e faz um filme de adivinhações; brinca de carrinho de lata e madeira; rodeia na brincadeira de roda, canta para não mais parar, porque a vida é tão bela e como é boa a infância ser plenamente vivida.
A minha gente humilde é sofredora, carente, angustiada, de olhos tristes rumando para a barra do dia. Não vem chuva não, meu irmão, mas se Deus ajudar haverá de sobreviver mais essa, a próxima e outra e todas as secas, porque seria felicidade demais se tudo fosse somente molhança, cores verdes pelos campos, a vida feito jardim e o homem despreocupado com a vida. Mas aí não seria sertão, meu irmão, seria apenas viver de ilusão.
Sou dessa mesma família da gente humilde. E humildemente agradeço a Deus por ter sangue, raiz e fruto dessa terra sertaneja e sua humilde gente.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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