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terça-feira, 9 de novembro de 2010

A HISTÓRIA DE POÇO REDONDO NO PRÓXIMO FILME DE HERMANO PENNA (Artigo)

A HISTÓRIA DE POÇO REDONDO NO PRÓXIMO FILME DE HERMANO PENNA

Rangel Alves da Costa*



O cineasta paulista Hermano Penna ao longo dos anos vem demonstrando que tem uma afeição especial pelo estado de Sergipe, principalmente pelo município sertanejo de Poço Redondo, onde já filmou o cinedocumentário "A Mulher no Cangaço", para o Globo Repórter, e o premiado filme "Sargento Getúlio".
Diante dessa estreita ligação com o distante e sofrido município do alto sertão, o seu próximo filme, "Aos ventos que virão", já em fase de filmagens, terá por cenário as caatingas áridas e as ruas silenciosas (infelizmente esburacadas e feias) de Poço Redondo.
Contudo, nesse novo filme de Hermano Penna, Poço Redondo não será apenas cenário para uma história fictícia, pois será retratado no contexto de sua própria história, vez que o protagonista do filme será um sertanejo lutador, ex-cangaceiro e político, vítima das forças do destino e das perseguições das forças políticas de então.
No filme, o seu nome é José Olímpio de Brito, ou Zé Olímpio, mas na verdade se trata do famoso José Francisco do Nascimento, ou Zé de Julião, cuja história enche de orgulho os sertanejos de Poço Redondo e região.
Hermano Penna passou a conhecer a história de Zé de Julião através do seu grande amigo Alcino Alves Costa, com quem mantém fortes laços de amizade desde os idos de outras filmagens e outras visitas ao município. Por assim dizer, o enredo do filme foi proporcionado por Alcino, enquanto Penna adicionou à trama alguns elementos novos.
Mas que foi esse tal de Zé de Julião, agora resgatado na história e tendo parte de sua vida contada pela filmografia brasileira?
É possível afirmar que Zé de Julião foi um sertanejo que teve muitas vidas numa vida curta. Nasceu José Francisco do Nascimento e se transformou em Zé de Julião na sua comunidade, e em Cajazeira quando entrou para o bando de Lampião. Talvez ainda lhe coubesse outros nomes: amigo de todos, inimigo de muitos, vitorioso e perdedor.
Segundo registra os alfarrábios da história, Zé de Julião, mesmo nascido num Poço Redondo de comprovada pobreza desde os tempos mais antigos, era de família abastada. Seus pais, Julião do Nascimento e Constança do Nascimento eram donos de muitas propriedades. Contudo, naquela época imperava pelo sertão o cangaço e a volante no seu encalço. Aqueles que tinham dinheiro e propriedades eram alvos fáceis das inúmeras chantagens perpetradas pelos dois lados, principalmente do lado dos policiais.
E foi pela revolta criada com as arbitrariedades da polícia e uma desavença que tivera com um policial, que Zé de Julião, ainda rapazinho, resolveu entrar para o bando do capitão Virgulino, levando consigo sua amada esposa Enedina.
Acompanhou os passos de Lampião até o dia de sua morte, naquela distante manhã de 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, nas beiradas do Velho Chico, em Poço Redondo. Dentre os onze mortos estava sua querida Enedina.
A partir de então passou a ter uma vida de fugas, perseguições e reencontros. Quando pensou ter encontrado instantes de paz no seu lugarejo se volta para a política e daí em diante o seu destino parece retomar o ponto de partida, de combates e sofrimentos. Foi candidato a prefeito de Poço Redondo assim que houve a sua emancipação.
Nessa eleição de 1954, disputou com Artur Moreira de Sá e perdeu o pleito pelo fator idade: a eleição terminou empatada, com 134 votos para cada um. Então a vitória ficou com o candidato mais velho, que era Artur.
Mesmo sendo perseguido pelas maiores forças políticas do estado, preparou-se para disputar o pleito seguinte. Com efeito, teve como oponentes Eliezer Joaquim de Santana e todas as manobras da justiça eleitoral de então. Revoltado, no dia da eleição, juntamente com alguns amigos montados em cavalos, roubaram e queimaram urnas e espalharam o terror no município.
Recomeçaram as perseguições e teve que fugir. Quando todos achavam que retornaria ao município para continuar sua luta foi encontrado morto, com o corpo crivado de balas, no dia 19 de fevereiro de 1961, dentro das terras do seu amado Poço Redondo.
Tal história ganhou novos contornos no enredo do filme, até mesmo para não reacender desavenças familiares ainda existentes. Porém a história é a mesma, a saga mostrada não é outra senão a de Zé de Julião, e o cenário inconfundível não é outro senão o de Poço Redondo.
Eis a sinopse de "Os ventos que virão", segundo a captadora de recursos audiovisuais Sagres:
"Um homem cambaleia na caatinga agreste. Ele é o cangaceiro Seriema. É José Olímpio de Brito. É Zé Olímpio. A batalha com a volante foi terrível. Ele está desgarrado de seu bando e muito ferido. Perde as últimas forças, rola no chão e ai fica. É salvo da morte certa por um bando de mulheres que passa ao acaso, em uma espécie de procissão. O cortejo segue, agora com o semi morto, e desaparece na galharia da caatinga.
Sobre a imagem de uma pequena cidade do sertão sergipano, um letreiro indica o ano e o tempo que passou: 1958- 20 ANOS DEPOIS.
No palanque Zé Olimpio presta contas à sua gente. Ele é candidato a prefeito na sua cidade, Raso Grande. O dia da eleição está próximo e nem tudo corre bem. Os títulos eleitorais dos partidários de Zé não são deferidos pelo juiz, em Aracaju. O partido de Zé é oposição ao governo estadual.
O tempo passa e nada dos títulos. Todas as tentativas legais de consegui-los fracassam. Zé e amigos sentem a eleição certa escapar-lhes das mãos. Nos dias imediatos à eleição, Zé vê crescer na alma a revolta e o desejo de responder à injustiça de que são vítimas, ele e sua gente.
O cangaço e suas formas de ação, a força das armas, explodem na sua mente como a única maneira de responder aos fatos. Fala de sua vontade aos amigos. Alguns reagem. Tentam mostrar-lhe que a violência não resolverá nada. Que o cangaço morreu com Lampião. Aliás, o cangaço só lhe trouxe sofrimento e humilhação. São dias de dúvidas, angústia, lembranças. Zé decide, contrário aos amigos, e põe o seu plano em ação. No dia da eleição, a frente de dezenas de cavaleiros, invade Raso Grande, rouba e queima as urnas eleitorais.
A repressão não tarda e é violenta. A ferocidade da polícia do estado é exercida sem freios.
Zé Olimpio foge e se esconde na Serra Negra, lendária serra que divide os estados de Sergipe e Bahia. O local exato do seu esconderijo só é conhecido pelo fiel amigo Nêgo de Rosa. Zé traz para a Serra sua jovem amante, Dalvina. Na serra vivem a constante tensão de procurados, até o dia em que são localizados e Zé é levado preso.
Em Aracaju, encontra no presídio alguns dos amigos de Raso Grande. Com eles, espera o processo judicial. E com eles acompanha, em vivas conversas, o momento do país: a era JK. Acompanha nas revistas e num rádio Espeeker, pequeno rádio portátil, a euforia daquele momento tão importante da história brasileira. A rápida aceleração industrial. O início da indústria automobilística. A construção de Brasília. Zé se interessa e conversa muito sobre Brasília. Passa horas vendo as fotos da construção da cidade nas revistas ilustradas.
O processo político de conciliação nacional empreendido pelo Presidente Juscelino acaba por chegar em Sergipe, e Zé Olimpio e companheiros são libertados.
Zé volta para a pequena vila de Serra Negra. A inauguração de Brasília está próxima. E Zé aproveita o dia da grande festa no Planalto Central para também comemorar sua volta à liberdade. Duas festas e um só momento cinematográfico. Na distante Serra Negra, nos fins dos sertões sergipanos, alguém escuta no rádio e participa da alegria da grande festa do Planalto Central
Os dias deveriam voltar à rotina. Mas, enquanto nacionalmente o governo federal tenta levar a paz política a todo país, localmente as escaramuças persistem. A perseguição aos correligionários de Zé é constante e muitas vezes marcada pela violência. Nesse contexto chega de Raso Grande a notícia de que tinha sido assassinado Nêgo de Rosa, o grande amigo. A revolta em Serra Negra é geral. Todos pedem vingança. Cobram de Zé Olímpio uma resposta de sangue. A compreensão de Zé, agora, é outra. Para ele vingança é sangue cobrando sangue. E comunica a todos que irá para Brasília. Lá, iria denunciar no Congresso Nacional os crimes, atrocidades e as perseguições praticados pelos inimigos. Em Aracaju Zé toma o avião. Em Salvador, escala técnica, no aeroporto é preso e conduzido até um carro que parte veloz. Alguns dias depois seu corpo, crivado de balas, é encontrado próximo à vila de Serra Negra.
Imagens de Brasília, Praça dos Três poderes, Congresso, Esplanada, encobertas pela névoa seca, sugerem uma cidade distante, ainda inatingível. Sobre as últimas imagens o letreiro: AOS VENTOS QUE VIRÃO".
Como visto, qualquer semelhança não será nenhuma mera coincidência.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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