SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 17 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 17

Rangel Alves da Costa*


Um padre ainda muito moço deveria estar por trás de alguma coluna, de alguma porta ou escondido nas proximidades observando e olhando tudo, pois bastou a velha senhora desmaiar para ele apontar em correria quase gritando:
"Acudam homens de Deus, pois Dona Carmosita parece ter enfartado, teve um mal súbito e vai nos fazer inveja ao lado do poderosíssimo. Socorro, socorram!!!...". E tropeçou na batina e caiu todo esparramado no chão da matriz, virado para o teto e parecendo que ele mesmo é que tinha ido embora mais cedo para as alturas.
E a pouca gente, cerca de quatro pessoas apenas, que estava por ali espalhada em orações, ficou imediatamente na dúvida sobre quem socorrer primeiro, se a velha que continuava desmaiada e colocada estendida por Zezinho no banco ou o padre Carmélio, que continuava devidamente esticado no piso.
Duas beatas, como era de se esperar, acorreram em direção ao homem da igreja, porém quando chegaram em cima de onde ele estava um fato inusitado fez com que essa dupla de caridosas, solteiras e já meio envelhecidas mulheres, igualmente tivessem um ligeiro mal súbito e começassem também a desmaiar cuidadosamente por cima dos bancos, com cada uma escolhendo, antes de fechar os olhos e debruçar o corpo, o melhor lugar para o chilique e faniquito.
É que ao cair a batina do padre foi levantada até a cintura e tudo demonstrava que o religioso não usava ou havia esquecido de usar naquele dia a roupa de baixo, ou seja, nenhuma calça, calção ou cueca, deixando à mostra suas partes mais íntimas.
Assim, as duas carolas solteironas, que comentavam sempre ser um desperdício um homem daqueles, bonitão e musculoso, viver entregue somente aos serviços religiosos, ao se depararam com a desnuda cena acharam por bem se extasiarem com a paisagem e, logo após meia dúzia de benzeduras, encenaram os desmaios.
Faniquitos que por sinal foram diferentes de todos os já vistos, pois os olhos das duas, mesmo derreadas nos bancos, não deixaram de mirar as partes do pobre homem caído e desacordado. E quantas labaredas pecaminosas inflamavam o corpo das duas.
Tendo observado a cena desproporcional das solteironas, um homem se aproximou do padre, ajeitou-lhe a batina, deu uns dois leves tapas no rosto e em cerca de dois minutos este já estava de pé e achando muito estranho a forma como aquelas duas, que também já estavam devidamente recompostas, o olhavam de cima a baixo, porém muito mais a baixo.
Na verdade, pareciam ter esquecido a bondosa Carmosita, que continuava verdadeiramente desacordada e sob os cuidados aflitos de Zezinho. Correram todos em direção ao local e começaram a perguntar como e o que teria provocado aquele mal súbito. Mas o padre disse que não era hora para perguntas, mas sim de reanimar a senhora.
Tocaram, balançaram a mulher, deram-lhe água e até água benta, mas não tinha jeito. O padre resolveu telefonar para o serviço de emergência e solicitar rápido atendimento médico ali mesmo.
E bastou ouvir os nomes médico, ambulância e enfermeiro, para que Zezinho pensasse em arranjar um jeito de sair urgentemente dali. Havia fugido naquela manhã do hospital e não queria retornar pra lá de jeito nenhum. Verdade é que quanto mais as pessoas se preocupavam com a senhora, mas ele ia saindo, despistando, até de repente sumir por uma das portas laterais.
Gostaria muito de ter ficado e ajudar aquela pessoa que parecia ser muito boa. Havia demonstrado isso quando ficou ali ao seu lado ouvindo aquelas histórias todas e se emocionando com os relatos. Foi por causa da emoção que o problema surgiu. Pensando nisso, o menino passou a se sentir um pouco culpado, entristecido e com a certeza que teria de fazer alguma coisa pela mulher.
Já ia seguindo pela rua quando resolveu voltar e fazer o que poderia naquele momento. Assim, se pôs cuidadosamente num local onde não dava para ser visto facilmente, olhou para dentro da igreja, alcançou o altar e fitou os olhos do seu amigo pregado na cruz e começou a orar:
"Senhor, meu bom Senhor da vida e da morte, eu, embora indigno e pecador, venho mais uma vez diante de Vós para implorar pela saúde dessa mulher que há pouco estava ao meu lado ouvindo e conversando, mas que um mal súbito ameaça sua vida.
Esta pessoa que vos recomendo deve estar sofrendo muito, afligida por desconhecido mal, e não tem outro recurso a não ser confiar em Vossa onipotência, na qual deposita todas as suas esperanças. Aliviai, Senhor, seu sofrimento, livrai ela desse momento difícil e conceda perfeita saúde, se isto for de acordo com a Vossa divina vontade e reverter em verdadeiro bem para sua alma"
E em seguida:
"Glória ao Pai, e ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém".
Enquanto isso o atendimento médico já havia chegado, mas antes de ser conduzida para o hospital a senhora abriu os olhos, chamou perto de si o padre Carmélio e segredou-lhe alguma coisa no ouvido.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: