ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 19
Rangel Alves da Costa*
Na verdade, mesmo sendo aquela igreja a maior da capital, pois era a catedral, a cada dia parecia que ela ficava maior ainda, imensa, diante do número de fiéis que era menor a cada celebração. Muitas vezes o bispo Albertozzi chegava a chorar nas missas dominicais ao ver cada vez mais aquele imponente templo sendo esquecido pelos fiéis católicos.
Os religiosos sabiam muito bem o que estava motivando aquilo tudo, porém não queriam deixar ver aos olhos dos outros que as práticas religiosas do catolicismo consideradas nas catedrais, igrejas e capelas, há muito que haviam perdido sua essência de evangelização.
O povo parecia não mais querer ouvir latinismos, pregações que não condiziam com a realidade, a devoção absoluta a preceitos que nem mesmo os religiosos obedeciam mais; o conservadorismo exacerbado; a imponência e luxuosidade do clero diante do pobre humilde, pobre e faminto.
Sabiam que as igrejas que pregavam outros credos evangélicos estavam atraindo para si multidões por culpa da própria igreja católica, que simplesmente esquecia de renovar-se e humanizar os doutrinamentos cristãos. Aquela catedral onde atuava o padre Carmélio era o mais nítido exemplo dessa evasão de católicos em busca de outros credos.
A cúpula religiosa, contudo, havia chegado à conclusão de que, diante da maioria conservadora somente da batina pra fora, o melhor a se fazer era não decidir por nenhuma mudança radical por enquanto, mas deixar que os próprios fiéis dissessem qual a feição da igreja católica que gostariam de ver.
O padre Carmélio foi escolhido para convocar aqueles católicos mais fervorosos e presentes na igreja para discutirem possíveis novos rumos. Daí que se reunindo dia sim e dia não, beatas e beatos chegaram à conclusão de que não deveriam mudar coisa nenhuma se tal mudança implicasse na banalização da igreja.
Afirmavam não querer mudança que abrisse as portas para que as pessoas passassem a praticar o catolicismo com algazarras, festas, danças, cantorias e teatralizações. Ora, a igreja era coisa séria e merecia respeito, concluíram finalmente, porém sem nada ajudar no propósito para o que ficaram tantas vezes reunidos.
Uma das beatas foi entregar o relatório com as conclusões do grupo ao padre Carmélio bem no momento em que este conversava com Dona Carmosita e Dona Esmeraldina. O religioso leu silenciosamente o documento e não pôde conter a tristeza e o desânimo que se abateram. Diante da insistência das duas senhoras, teve que dizer os motivos de ter ficado assim.
E foi quando Dona Esmeraldina falou de um sonho que havia tido na noite passada e que estava ali precisamente para relatar tal ocorrido. E disse a senhora:
"O sonho que tive ontem me dizia exatamente como salvar a igreja, a religião e a fé católica. Chegou-me uma luz bem forte, que depois foi ficando azulada até ficar como uma nuvem, e dentro dessa nuvem saiu uma voz dizendo que por esses dias vai surgir do nada um menino pobre e abandonado nesta igreja e este menino será a salvação deste templo e de todos os templos, pois atrairá multidões com o seu conhecimento, suas lições e sua história de vida".
E então, como sempre acontece em casos assim, o acaso passou a providenciar tudo ao seu modo. E eis que surge Zezinho naquela igreja; eis que Dona Carmosita o encontra ali; eis que esta senhora ouve um menino pobre e abandonado contando sua vida com tanta sabedoria e repassando lições como um grande mestre.
E eis ainda o mal-estar que acometeu a velha senhora, a fuga e o retorno do menino à igreja, o encontro com o padre Carmélio e a certeza deste que o sonho de Dona Esmeraldina estava se realizando. Havia surgido aquele que salvaria os templos católicos e efervesceria novamente os corações dos católicos com a mais pura fé e religiosidade; havia chegado o salvador dos tempos modernos; havia chegado o menino prometido.
Desse modo, após descobrir que se tratava realmente do menino citado no sonho, padre Carmélio nem procurou explicar a Zezinho a história toda, disse apenas que depois explicaria melhor a situação, e apenas cuidou de tomar algumas rápidas decisões.
"Você, meu bom menino, agora encontrou um lar, um verdadeiro lar, pois esta igreja será sua casa por enquanto, antes que outros lares abram também as portas em outras igrejas – E chamando um ajudante – Providencie imediatamente o melhor quarto para este menino, com o maior conforto que houver e tudo que ele desejar. A partir de agora ele será nosso ilustre hóspede..."
"Mas...", quis falar o assustado Zezinho, porém sem conseguir vez que o padre continuou: "E tome as medidas dele para comprar imediatamente roupas e sapatos novos. Coloquem à sua disposição o melhor banheiro, o melhor tudo...".
E foi quando o ajudante teve que interromper para falar:
"E o senhor bispo o que dirá disso tudo?".
"Nada, não dirá simplesmente nada, apenas se ajoelhará humildemente aos pés deste menino". Disse o sorridente e eufórico padre.
continua...
Poeta e cronista
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