NOSSOS MEDOS
Rangel Alves da Costa*
Conheço uma história típica do sertão, na qual relata que havia uma cobra dentro de uma fresta de uma pedra bem grande. Quem tinha coragem, ia lá só para se certificar se a venenosa ainda estava intocada no mesmo lugar.
E ela não saia de lá por nada dessa vida. Nem saía nem deixava de amedrontar todos aqueles que caminhavam pela região, pois mesmo que a maioria jamais tivesse visto a serpente, bastava o simples fato do conhecimento de sua existência e que ela continuava por lá, para todos se acercarem de medo.
Esse medo do apenas suposto é mais frequente do que se imagina. No caso da cobra, ela existia realmente, estava lá o tempo todo, porém nunca houve relato que a mesma tivesse sido vista tomando sol em cima da pedra ou mesmo deixado as escamas lá e saída para beber água.
Contudo, o que mais impressiona é o medo criado diante da mera possibilidade, da ideia, daquilo que porventura possa acontecer. Nunca houve notícia de nenhum calcanhar mordido por aquela serpente, mas todos se arrepiavam só em pensar passando nas proximidades da pedra.
Assim, a pedra significa o ser humano, enquanto suas frestas e o que nelas estão escondidas significam os temores que são criados e se alastram.
Pelo que eu saiba, melancia com leite nunca estuporou ninguém, jamais levou alguém ao hospital ou a óbito. Gato preto nunca mudou a estrada nem o destino de ninguém. Se acontece alguma coisa com quem toma outro caminho porque viu gato preto aí é outra coisa. Na escuridão existem menos lobisomens e bichos com sete cabeças do que na luz do dia. Mas não adianta, todo mundo só pensa que encontrarão os danados quando a lua estiver escondida.
Diante desses fatos e relatos, é possível perceber que há o medo conceitual, que é aquele que ativa o consciente, e o medo imaginário, que é aquele forjado pelo subconsciente e que se expressa de forma diferente segundo pessoas também diferentes.
Conceitualmente, medo significa um sentimento que proporciona imensa e profunda inquietação, seja porque a mente em estado de alerta para alguma coisa ruim que possa ocorrer, ou seja diante de um fato ocorrido, um acontecimento instantâneo que cause efetivamente um estado de tensão, de pânico, de pavor.
Na primeira hipótese, a pessoa está com medo porque está esperando que o pior aconteça a qualquer momento. Por sua vez, na segunda hipótese, há o enfrentamento imediato com o que provoca medo, seja de uma barata passeando pela cozinha ou um fantasma correndo na mesma cozinha com medo da barata.
Como dito, diferentemente desse medo conceitual há também o medo como emanação do subconsciente que vive procurando motivações para expressar seus temores.
Significa que o medo já está condicionado pelo próprio indivíduo, pois já enraizou na sua mente, por exemplo, que as almas passeiam à noite nos cemitérios, o inimigo está sempre à espreita depois da curva da estrada, que vai encontrar a sereia se sair sozinho no seu barco singrando qualquer azul.
Há quem diga, contudo, que não tem medo de nada, que debaixo do sol nada lhe será afetará, pois destemido demais ou protegido por forças superiores. Vãs palavras de pessoas que não têm coragem nem de reconhecer suas fraquezas e de se comportarem como iníquos grãos de areia que são, absolutamente nada em meio às tempestades e vendavais que surgem do nada.
Nascemos para temer porque não surgimos como deuses, semideuses ou gigantes. Esses também temem porque sempre haverá algo ou alguém maior a superá-los. E nós, humanos medíocres e arrogantes, fugimos com medo da própria sombra por sermos assim, tão medíocres e tão arrogantes.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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