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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 24 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 24

Rangel Alves da Costa*


Zezinho sentia que seria sua chance de motivar os fiéis ali presentes para uma santa missão em terras bem distantes. Retornando ao seu lugar de nascimento seria mais fácil de arrumar desculpas posteriores, ou mesmo aprontar das suas e continuar por lá.
Já havia pensado e não tinha encontrado outra solução senão sair daquele lugar desumano e grande demais para pessoas pobres e abandonadas, como era o seu caso. Ora, se fosse para viver pelas ruas que fosse pelos becos de um lugar que conhecesse; se fosse para pedir esmolas que fosse junto aos seus conterrâneos, que dividem o pão sem falsidade e sem pretender humilhar ninguém; se fosse para continuar dormindo ao relento que fosse embaixo de um pé de pau na sua terra; enfim, se fosse para continuar sendo ninguém que fosse o que pudesse ser num lugar onde as pessoas se respeitam.
Se era pra lá que teria que voltar, o momento era agora, trazia isso do pensamento. E explicava tudo ao seu modo, de modo que não percebessem suas reais intenções:
"Se realmente tenho as palavras certas para atrair novamente multidões para a igreja, então que isso seja provado não somente aqui, mas principalmente em outro local bastante diferente, não é mesmo? Mas primeiro vamos fazer um teste aqui na capital mesmo. Então vocês devem escolher uma igreja afastada daqui e amanhã mesmo estarei lá falando sobre minha história de vida, as lições que aprendi e os ensinamentos que aquele nosso amigo me ensinou – Apontando para a cruz -. Se o que tenho a dizer, e tenho ainda muito mais, produzir o efeito que desejamos, então partiremos para um local bem distante, para uma comunidade pobre e uma igreja que sobrevive da fé de poucos. Está bem assim?".
E todos concordaram quanto à pregação, mas não com relação ao local. Todos queriam que Zezinho fosse para a sua paróquia, para a igreja do seu bairro. Padre Carmélio decidiu então fazer um sorteio colocando os nomes de todas as igrejas da capital. Nesse intento, entrou para uma pequena sala e, ao invés de colocar os nomes de todas, escreveu o nome daquela mesma igreja em todos os papéis, que ele mesmo embrulhou e colocou numa caixa para apresentar aos fiéis.
Diante destes, com o aspecto mais sério do mundo, pediu para que chamassem uma criança para fazer o sorteio. E quando o papelzinho foi aberto não deu outra e a igreja escolhida para a pregação foi aquela mesma, ainda que com muitas reclamações.
No horário marcado no dia seguinte a igreja estava repleta e os fiéis que não haviam chegado cedo para conseguir entrar começaram a se aglomerar do lado de fora, enchendo ruas e fazendo parar todo o trânsito ao redor. Serviços de alto falante foram testados, tudo foi providenciado para que não desse nada errado e bem antes disso já se ouviam cantos, rezas e ladainhas por todos os lados.
"Por favor irmãos, façam silêncio por favor que ouviremos agora o menino salvador da nossa igreja e da nossa religião, o abençoado e amigo do Senhor, o pequeno Zezinho". Anunciou o padre Carmélio.
Começaram os aplausos, os gritos de louvação, as manifestações extasiadas para saudar Zezinho. Porém, aqueles que se espremiam como podiam dentro da igreja, e que teriam a honra de estar defronte ao menino salvador, acharam estranho que ao invés do menino tomar lugar no púlpito para falar, quem chegou em seu lugar foi o velho e desprestigiado bispo.
Quando o homem todo escondido por baixo de mil paramentos começou a falar "Irmãos, antes que o menino Zezinho comece sua pregação também pretendo dizer algumas palavras sobre os ensinamentos que o Senhor nos deixou...".
Mas não conseguiu dizer mais que isso, pois começaram as vaias, bolinhas de papel foram atiradas em direção homem, palavras insultuosas começaram a ser proferidas, parecendo um levante que estava a caminho. E surgiram os gritos:
"Zezinho! Zezinho! Zezinho!".


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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