O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 1
Rangel Alves da Costa*
Um dia, igual a um dia qualquer que as pessoas acordam para viver; num tempo, igual a um tempo qualquer, onde as pessoas apenas sentem os reflexos dos anos, dos dias e das horas que passam e vão consumindo sem piedade; num lugar, igual a um lugar qualquer, como esses em que as pessoas procuram conforto para sobreviver ou vivem porque têm de viver; numa família, igual a uma família qualquer que vive sonhando com dias melhores; havia uma menina, porém não era uma menina qualquer.
O nome dessa menina era Lúcia, podendo também ser chamada Lucinha, pequenina menina de luz. Estava com os seus oito anos, ainda na doçura da inocência, aprendendo a viver a partir das coisas belas da vida, próprias nas pessoas dessa idade.
Lucinha era filha única. Menina linda, estudiosa, graciosa filha e sempre atenta para o respeito aos mais velhos, para as boas formas de comportamento e para a convivência amigueira e pacífica com todos que conhecia. Possuía um quarto só dela, com uma casinha de bonecas e muitos brinquedos, com arco-íris desenhado na parede e enfeites tilintando sobre sua cama.
Mas o que Lucinha gostava mais no seu quarto não era nem dos brinquedos nem do conforto ali propiciado, mas sim da janela e da porta que se abria diretamente para um pequeno solar, e deste para um jardim enorme, lindo, encantador, com inúmeras espécies de plantas e flores de todos os tipos e cores.
O jardim era repleto de plantas nativas e exóticas. Avencas, pinus, bromélias, cactos, samambaias, bambus, trepadeiras, casuarinas, lírios, orquídeas, dracenas, heras, brilhantinas e muito mais. As flores, também exóticas e nativas, eram maravilhosas, podendo-se apreciar rosas, violetas, girassóis, antúrios, alpineas, amarilis, celósias, chuvas de prata, margaridas, cravos, crisântemos, frésias, gardênias, gerberas, goivos, helicônias, íris e mais uma infinidade.
Lucinha tinha um amor e uma atenção especiais por esse jardim. Todos os dias, e muitas vezes durante o dia, passeava em meio aos canteiros, observava como as plantas e as flores estavam sendo conservadas; cuidava para que não faltasse água, adubo e remédios para espantar e acabar com as pragas; zelava pela limpeza e pelo aspecto de tudo que havia ali.
Estava sempre cobrando ao jardineiro que não deixasse o jardim sujo, feio, cheio de folhagens, galhos retorcidos e flores mortas pelos canteiros. Afirmava que as plantas, as folhas, as flores, as sementes e até o pólen que se espalhava pelo ar, sentiam quando o ambiente estava mal-cuidado, à toa, jogado às traças, como dizia. E porque sentiam o jardim abandonado, ficavam tristes, com cores esmaecidas, sem querer brotar, sem querer florescer, sem querer reproduzir.
Ela mesma cuidava de sair pelo jardim perguntando como estava a tudo que encontrava pela frente. Era uma grande amiga de todas as espécies, conhecendo os gostos de cada uma e até confidente em diversos instantes.
Chegava perto das flores, acariciava, dizia baixinho alguma coisa e depois colocava o ouvido pertinho das pétalas como se estivesse ouvindo as respostas ou as fofocas. Muitas vezes dizia que se encontrasse esta ou aquela flor ainda triste no outro dia ficaria muito zangada e passaria três dias sem falar com ela.
Contudo, verdade é que Lucinha, mesmo gostando demais de todas as plantas e flores, guardava no seu coraçãozinho infantil algumas preferências. Por exemplo, sentia uma afeição especial pelos lírios, girassóis e margaridas. Pensava que tais preferências jamais seriam descobertas pelas outras espécies, vez que não era doida de dizer isso a nenhuma daquelas flores. Sabia que se as outras soubessem seria uma guerra de ciúmes, uma situação de mal-estar que preferia evitar.
Engano seu. Nem todas as plantas e flores haviam percebido as suas predileções, mas algumas espécies já tinham conhecimento de tudo. E o pior é que não gostavam nada disso, pois se sentiam inferiorizadas e rejeitadas.
Onde é que aquele amarelado do girassol é mais bonito do que eu? Ela é amiga, mas precisa usar óculos, pois achar que aquela espevitada da margarida é bonita só pode estar cega! Perguntavam-se e diziam no ciúme ainda velado.
Contudo, a rosa, que sempre foi a mais egoísta e vaidosa das flores, se danou quando tomou pé da situação. Assim, logo cedinho, bem próximo ao momento que Lucinha iria passear pelo jardim, ela se enfeitou como nunca, se perfumou muito mais, colocou suas joias mais brilhantes, escolheu o sorriso mais luminoso e ficou esperando a menina passar.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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