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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 15 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 15

Rangel Alves da Costa*


"Sempre estarei ao teu lado!". Zezinho não teve dúvidas, a voz era a dele. Levantou a cabeça, olhou para o alto, bem em direção à cruz, e sentiu que o homem pregado na cruz lhe sorria. Retribuiu com outro sorriso e sentiu-se feliz, realizado, totalmente esquecido das últimas angústias que havia passado.
Mas antes de levantar e sair não esqueceu de fazer um último e singelo pedido: "Meu Deus, por meio do teu filho Jesus Cristo imploro de todo o meu coração que não tenha acontecido o pior com minha mãe, que eu possa encontrar ela e pedir para desistir de ir viajar pra bem longe, porque se aqui é assim desse jeito, com tanto medo, tanta violência e tanta maldade, o que dirá num lugar muito maior ainda. E vou pedir a ela, meu Deus, pra gente voltar lá pro sertão, pois mesmo que lá a gente vivesse com dificuldade e na pobreza, mesmo assim a gente era muito feliz com o que tinha e com a vida de paz que levava. Me ajude meu Deus, me ajude a encontrar minha mãe, fazer com que ela volte pro sertão e que eu me livre logo desse lugar medonho e desconhecido".
Voltou e sentou no mesmo local do banco onde estivera há poucos instantes. Achou melhor ficar ali por mais alguns instantes para pensar no que fazer quando saísse da igreja. Na verdade, sentou porque ainda estava um tanto enfraquecido com a doença, cansado pelo tormentoso acontecimento ao ser confundido com um ladrão e levado para a delegacia, cheio de problemas para resolver.
E cheio de problemas para resolver porque não queria acreditar de forma alguma que fosse verdadeira a notícia da morte de sua mãe. Só passou a acreditar que realmente sua mãe havia morrido porque não suportou o sono e deitou e dormiu ali mesmo no banco da igreja.
Na dureza da madeira do banco dormiu feito uma pedra. E durante o adormecer veio o sonho e o seu amigo descendo da cruz, se aproximando, passando a mão levemente pelos seus cabelos e dizendo:
"Zezinho, meu filho, neste mundo você não mais terá sua mãe ao teu lado. Ela estará, sim, acompanhando todos os teus passos, porém sem poder conviver contigo. Hoje ela vive bem próxima a mim, pois lhe foi concedido esse direito pela mulher honesta, lutadora e boa mãe que ela era. Se seu pai já não estava sobre a terra, agora é sua mãe que foi chamada a viajar. Teus pais agora são o mundo e os meus olhos que te enxergarão e as minhas mãos que te tocarão onde estiver".
Acordou tranquilamente, sem ser importunado por ninguém, nem por uma mulher bem idosa que estava sentada logo ao seu lado. Esfregou os olhos, lembrou direitinho do sonho, porém preferia pensar nele depois, pois no momento desejava somente saber por que aquela mulher, com a igreja totalmente vazia de fiéis e com tantos bancos espalhados por todo lugar, achou de sentar logo ali, bem ao seu lado, quase tocando os seus pés quando estava deitado.
"Você deveria estar muito cansado para dormir assim tão profundamente e deitado numa madeira dura como esta. Estou aqui há uns dez minutos e você dormia parecendo que estava na cama do seu quarto. Por falar em quarto, me diga onde fica sua casa meu filho, mora longe?". Perguntou a mulher, com um aspecto amigueiro e jeito daquelas que não fazem nada na vida a não ser pensar em ir orar na igreja.
Ainda meio carregado pelo sono e pelo sonho, abrindo a boca mais de uma vez, Zezinho olhou para a senhora, pediu desculpas e começou a respondê-la, mas não necessariamente o que teria de dizer como verdade. Naquele momento, uma boa resposta seria apenas dizer o que a ela queria ouvir, e pronto. Assim pensou e começou a usar da imaginação pra falar.
"Estava aqui deitado porque gosto desse lugar e dessa vez me deu um sono danado. Acordei cedinho demais pra ir pra escola e quando voltei almocei e achei melhor caminhar um pouquinho e vim parar aqui. Minha casa não é longe não e fica há uns dois trechos daqui, e é uma casa bem grande – Tomando como referência a casa da outra senhora - com um muro bem alto na frente e nos lados e um belo jardim com cascata lá dentro. Na verdade eu moro sozinho com minha avó. E ela é uma pessoa muito boa comigo, principalmente porque...". E foi interrompido pela senhora que sorria ao lado.
"Principalmente porque você é um menino muito bom e muito criativo, sabia? Faz nascer nessa imaginaçãozinha coisas que não existem. Talvez tudo isso porque realmente gostaria que as coisas fossem assim como falou, não é mesmo?". E foi a vez de Zezinho interromper:
"Não é mesmo o que, senhora?". E a senhora prosseguiu ainda sorrindo:
"Ora, meu filho, você não é o mesmo que há instantes atrás sofreu aquela barbaridade do policial e foi levado para a delegacia?".
Zezinho ficou todo sem jeito, sem saber o que dizer ou fazer.

continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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