SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

LÁ VAI CIRANDA E DESTINO... (Crônica)

LÁ VAI CIRANDA E DESTINO...

Rangel Alves da Costa*


Ouço "O trenzinho caipira" de Villa Lobos, com poesia musicada por Ferreira Gullar, e saio por aí viajando pelos trilhos do destino, olhando e viajando pelos horizontes, subindo e descendo serras, dobrando as curvas da estrada, chorando e acenando pelas estações, chorando e sorrindo pelas janelas da vida, passageiro de sul e norte sem sair do lugar.
Porque lá vai ciranda e destino diz o poeta, porque o trenzinho sopra desde o amanhecer e não pode parar, porque nosso primeiro passo de cada dia é sempre e será muito mais de viagem e adeus, de viagem e ir a Deus, de se contentar por poder ficar; é de partida sem certeza de retornar. E Ney Matogrosso vai cantando assim:
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra o luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar...
Não sou passageiro de esquecer de viajar se o trem vai chegar. A coisa mais importante que sinto na vida de viajante é ter tudo arrumado de antemão para quando chegar o momento de levantar, abrir a porta ou janela, olhar o azul que se estende acima da estrada de barro molhada de chuva, e mesmo assim ter a coragem de sair descalço para a estação.
Tudo que eu preciso para viajar, para ficar, para ser gente ou não ser aqui ou em qualquer lugar, está num poema que um dia escrevi, e diz assim: Quero uma estrada, quero uma fronteira, não quero casa, quero identidade, quero um nome, dispenso sobrenome, quero acreditar, não precisa religião, quero toda essa precisão, se for possível ser feliz, e se não for querer demais!
É tudo o que quero para ficar ou entrar em qualquer trem, porque a vida que é vivida no barro da parede ou chorando diante da fotografia que não existe mais, é a mesma sofrida no vagão pouco iluminado do trem e nas paisagens de dor, sofrimento e solidão que vão ficando para trás, porém sem deixar de nos acompanhar.
Porque somos passageiros e temos que contar adiante o que vimos da vida e que ela é igualzinha ao que todo mundo imagina: linda e triste, pois chegada e partida!
Maninha mandou uma carta e disse que vai chegar no trem da tardezinha. Se ela soubesse que vou partir no trem da manhãzinha remarcava viagem, que era pra ver se a gente não se olhava apenas quando um trem passasse ao lado do outro, lá depois daquela serra, daquela curva, daquele monte, daquele horizonte, daquele monte de horizonte.
E se a gente não remarcar, talvez a gente nunca mais se encontre, porque disseram que a vida cismou de fazer todo mundo de passageiro. E ontem, me olhando no espalho, pensei ter visto um bilhete de viagem bem na cor dos meus cabelos, nas minhas rugas e nos meus olhos cada vez mais tristes.
Mas é assim mesmo, pois lá vai ciranda e destino!




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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