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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 16 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 16

Rangel Alves da Costa*


Só mesmo fruto de pensamento de menino criado para encontrar as respostas imediatas para tudo na vida, mas diante do fato de a senhora ter afirmado que o mesmo poderia estar mentindo com relação à casa onde e com quem morava, ele se saiu com essa:
"Mas é tudo verdade. Moro naquela casa imensa, de muro alto, com jardim e cascata, e também com a velhinha bondosa e que chamo de minha avó, simplesmente porque quero e pronto. Do mesmo modo que eu poderia dizer que morava aqui mesmo nessa igreja. Mesmo que todo mundo soubesse que eu não morava aqui, mas eu dizia que morava e pronto. Minha senhora – Disse como se fosse gente grande falando -, a gente é tudo que quiser ser, tem tudo que quiser ter. As pessoas deveriam pensar como eu e todo mundo era rico, milionário, tinha tudo de bom na vida. Mas não. Vivem chorando pelos cantos, se lamentando até porque não tem mais do que já possuem, e é por isso que Deus castiga..."
E a senhora idosa, ali diante de um pequeno sábio, talvez profeta do inexistente, ficava admirada sem ter palavra alguma a dizer. E o menino continuou:
"A senhora bem sabe que Deus castiga quem não reconhece o que tem e nem agradece pelo pão que tem no dia-a-dia. Quem agradece o pão pode ter uma padaria, quem sorri com o pouco merece a alegria de ter muito mais, quem não reclama do sol Deus não faz cansar. Tudo isso me ensinou minha mãe. É por isso que a senhora vê certas pessoas só andando pra trás. Não sabe viver, não sabe agradecer pelo que tem, não sabe pedir a Deus pra ter mais, então não pode ter nada pela frente. Veja a senhora que se a lua fosse orgulhosa e quisesse ficar sozinha lá em cima Deus não ia mandar aquele montão de estrelas pra ficar alumiando e bonito demais. No céu, na terra, em todo lugar, tudo é assim. Onde não houver orgulho nem egoísmo tudo será muito e muito mais, muito mais bonito e com fartura de não acabar mais..."
"Mas onde você aprendeu tudo isso meu filho?". A senhora teve que interromper para perguntar.
"Ah! foi a vida. E quando digo que foi a vida foi porque minha mãe me ensinou, aprendi vendo nos outros, e aprendi muito mais porque um grande amigo me diz tudo como é a vida e como devo ser na vida. Esse meu amigo está aqui agora, mas também vai estar em qualquer lugar que eu for. Ele também tá perto de todo mundo, quer conversar também com todo mundo, mas o problema é que muita gente finge que não conhece mais ele, não segue o que ele ensinou e deixa ele cada vez mais distante do seu coração...".
E a senhora passou a temer pelo frágil coração, porém ainda assim perguntou: "E quem é esse amigo, meu filho, que você diz que está aqui?". E prontamente Zezinho respondeu:
"Ele está aqui e em todo lugar. Olhe ele ali!". E apontou para Jesus Cristo na cruz.
As lágrimas derramaram-se no rosto da senhora de tal modo que Zezinho começou a temer que ela não suportasse aquele estado de emoção. Como não tinha lenço, começou a passar levemente a mão naquela face de muitos anos, que ao seu toque parecia de veludo num jardim primaveril.
Depois de alguns instantes, já demonstrando estar totalmente recuperada, ela pensou em dizer um monte de coisas de uma só vez, sem conseguir falar nada, para o agrado do menino, que estava ansioso para continuar com sua conversa. E antes que a senhora tentasse falar mais coisas, ele prosseguiu:
"Como a senhora bem sabe, eu disse que era rico. E sou rico, milionário, tenho tudo na vida. Minha imaginação quer e diz assim e pronto. Depois é só trabalhar para confirmar isso. Agora ser rico na imaginação e na esperança é uma coisa, e ser rico no prato, na roupa e no chinelo é outra coisa. E se eu disser a senhora que eu, eu pessoa que tem de comer, andar, vestir e dormir, não tenho nada disso? Que nesse momento essa roupa não é minha, não tenho um centavo no bolso, estou com fome, só encontrei cama porque dormi aqui, não tenho casa nem lugar pra onde ir, não tenho mais ninguém me esperando, que minha mãe morreu, que se eu saí ali da porta pra fora vou ser igualzinho a esses meninos que chamam de meninos de rua, porque vivem à toa ou abandonados pelas ruas? Hein, o que a senhora diz agora?"
"Eu..., eu..., eu...". E a senhora, sem dizer mais palavras, esboçou um sorriso diferente na face que parecia de dor, pendeu a cabeça para o lado e desmaiou.

continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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