SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 31 de agosto de 2018

REVELAÇÕES DE JOÃO BATISTA, FILHO DOS CANGACEIROS CANÁRIO E ADÍLIA



*Rangel Alves da Costa


Em Poço Redondo, localidade sertaneja nos carrascais sergipanos que já viu nada menos que 34 de seus filhos seguirem as hostes cangaceiras, bem como uma leva de bons e afamados coiteiros, ainda hoje possui forte reminiscência do cangaço. Por isso mesmo que não é difícil se deparar com uma filha de Adília, um sobrinho de Sila, uma filha do coiteiro Mané Félix, e tantos outros.
Sou amigo de todos eles. Proseio muito com essa linhagem autenticamente sertaneja. De vez em quando estou ao lado de Nicinha e Paulo, ambos filhos de Adília. Contudo, nunca havia tido o prazer de me encontrar com um filho do casal cangaceiro Canário e Adília, vez que os demais não possuem a mesma paternidade. Sabia apenas que ele morava em Brasília e que raramente visitava Poço Redondo, chegando geralmente em época que eu não estava no sertão.
Mas eis que o encontrei. Ou ele me encontrou. Em viagem de Aracaju, eu ainda nem havia chegado próximo a Poço Redondo quando o telefone tocou: “Joãozinho de Canário e Adília está aqui e quer falar com você!”. Que bela surpresa, disse a mim mesmo. E cerca de uma hora depois eu já estava batendo palmas à porta da casa de Nincinha, sua irmã. “Nicinha, cadê o cangaceiro?”. Foi a minha pergunta. Ela não teve nem tempo de responder e de lá de dentro surge a legítima prole do cangaço, o filho do casal cangaceiro: João Batista.
Saindo à porta da frente, à boa luz noturna, logo percebi os seus traços. Amorenado, de altura mediana, rosto trigueiro, face com as marcas da idade, mas em tudo e por tudo parecido demais com o pai naquele famoso retrato. Ali eu estava diante não só do filho como do próprio pai, ao menos na fiel aparência. Naquele primeiro instante – o que depois se confirmaria -, vi-me perante um homem alegre, simples, de generoso diálogo.
Batizado como João Batista Correia dos Santos, mas depois simplificado para João Batista dos Santos após perder o registro, nasceu em 12 de outubro de 1938, poucos dias após a morte de Canário (Bernardino Rocha), seu pai. Veio ao mundo nas proximidades da cidade sergipana de Propriá, numa localidade chamada Morro do Chaves. Por muito tempo morou com seus avôs maternos, numa propriedade nas proximidades do então distrito de Poço Redondo.
Segundo Joãozinho – apelido familiar -, por muito tempo chamou sua mãe Adília de comadre: Comadre Adília. E sua avó de mãe. Criado na casa dos avôs e ouvindo a vizinhança chamando sua verdadeira mãe de comadre, então acostumou a chamá-la assim também. Assim que completou vinte anos arrumou mala e cuia e resolveu ir viver em outras paragens. Após breve temporada no Rio de Janeiro, fixou moradia em Brasília, onde vive até hoje. Casado em segundas núpcias, possui três filhos.
Não demoraria muito o diálogo e logo surgiu o que foi, para mim, uma revelação. Não sei se por falta de pesquisa ou de pouca leitura de minha parte, eu sempre imaginei que João Batista era o único filho de Canário e Adília. Eu estava enganado. Há um filho mais velho do casal: Antônio. Nascido um ano antes que Joãozinho, assim que nasceu Antônio foi entregue para ser criado por Domingos Balão e sua família, na região da fazenda Cassuçú, em Poço Redondo. Hoje, se vivo estiver, reside no Paraná e conta em torno de 81 anos.
Segundo Joãozinho, mesmo alguns anos depois do fim do cangaço, a casa de seus avôs foi visitada por policiais. Criança, ele estava na malhada quando viu despontar homens com roupas policiais e cheios de armas. Sua mãe Adília não estava ali, também não houve nenhuma pergunta sobre ela. Apenas descansaram as armas ao chão, escolheram uma criação no curral, mataram e mandaram cozinhar. Ali mesmo comeram e seguiram pela estrada. Naquela idade, não sabia que as caatingas sertanejas ainda guardavam resquícios daqueles idos de fogo e sangue.
Acerca de sua mãe, Joãozinho tece relatos que até contrastam com as palavras da genitora em entrevistas. Segundo ele, nunca viu sua mãe abrir a boca para falar nada mal de seu pai Canário. Diz ainda que ela o seguiu no bando pelo amor que sentia, e permaneceu o admirando por toda a vida. Em entrevistas, contudo, Adília deixa claro o ódio que passou a nutrir por seu companheiro. De seus relatos se ouve que havia chegado um tempo que sequer abria a boca para falar com ele.
E Adília diz mais que não derramou uma só lágrima quando Canário foi morto. Mas o filho não pensa assim. Segundo Joãozinho, se houve alguma indiferença entre eles foi pelo fato da vida difícil que levavam e pelo desejo da mãe de deixar aquele mundo medonho. Ela pedia para saírem. Mas ele sabia que não podia. Por fim, diz Joãozinho que sua mãe se manteve silenciosa sobre o cangaço por muito tempo. Nada falava, sobre nada queria ser perguntada. Somente depois foi contando a uns poucos aqueles retalhos de sua vida.
Mas Joãozinho relatou-me muito mais. Depois eu conto. Inté!


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Lá no meu sertão...


Bela sertaneja!



Cabaré (Poesia)



Cabaré


Noctívago errante
lua de limão e rum
um passo trôpego
e uma mesa de cabaré

uma dama de vermelho
mil damas de vermelho
perfume barato pelos ares
cheiro de sexo mal lavado
luzes bêbadas piscando
pernas abertas por tostão
e numa mesa a solidão

dois contos de réis
duas doses e uma mulher
e ainda esperar o troco
para comprar veneno.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – chuviscos na noite



*Rangel Alves da Costa


Estou no sertão sergipano, em minha querida Poço Redondo, e aqui apenas chuviscando, chuviscando, chuviscando. É noite, friorenta, e muito mais fria por causa do chuviscamento. O povo sertanejo, tão esperançoso por chuva, por chuvarada boa, de repente tem que se contentar com o chuvisco e mais chuvisco, como se fosse uma garoa sulista. Por consequência, nenhuma esperança de amanhã encontrar água juntada, os campos mais alegres, o verdor retomando a vida. E na noite, debaixo do chuviscamento, nem andar por aí está podendo. Como dizem os mais velhos, sair debaixo de chuvisco assim é doença na certa, é gripe na certa. Bom para deitar mais cedo, para se enrolar em cobertor quentinho, para abraçar um alguém que esteja ao lado, para buscar o calor nos braços e no corpo amado. As ruas estão desertas, as portas fechadas, os silêncios plangentes. Talvez os braços e os corpos estejam em fogueira. Talvez os chuviscos lá fora tenham servindo para os reencontros. Nada perdido, então. Melhor assim.


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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

SOL SERTANEJO



*Rangel Alves da Costa


O sol sertanejo é outro sol. Disso não há como duvidar. Apenas contextualizado nas definições dos dicionários e dos livros, de quase tudo se afasta para ter um conceito próprio.
Ora, dizem as letras que sol é a estrela em torno do qual a Terra se move. É o astro central do sistema solar e é principal fonte de luz do nosso planeta. Sendo centro do sistema planetário, é o principal responsável pela alimentação, através de sua luz, de toda a vida na terra.
Já o sol sertanejo pode ser tido como uma estrela escaldante que não somente envolve toda a terra como parece estar adiante de cada um, de cada ser, de cada planta, de cada bicho. É também fonte de alimentação para a vida, mas também é o principal responsável pela dizimação da existência.
O sol sertanejo pode ainda ser tido como uma bola de fogo que desce de boca aberta e vai, voraz e ferozmente, primeiro aquecendo, para depois esturricar e devorar tudo. Possa estar na distância que for, mas sempre parece pairando sobre a cabeça, entrando pela janela, espalhado vivo em cima do chão.
De sua boca faminta vão sendo lançadas chamas terríveis, faíscas insuportáveis, labaredas chamejantes, raios fulgurantes, fornalhas intoleráveis, línguas vulcânicas, raios chispantes. E tantas vezes, sob sua fúria, o que está embaixo ou ao redor acaba com o meu destino de folha seca tornada pó.
O sol do sertão, contudo, não é outro senão o sertão no seu jeito diferente de ser. Não há meio-termo nem talvez, mais ou menos ou entrelinhas, pois tudo é ou não é. Basta saber que pode chover dois meses seguidos e tudo verdejar pelos campos, para em seguida, com apenas uma semana de sol, e tudo já secar, perder a cor, esfarelar.
Ou as plantas do sertão possuem características diferentes, sendo muito mais frágeis que as demais de outras regiões, ou o sol é diferenciado mesmo. E assim por que num instante tudo está verdinho e no momento seguinte já acinzentou, já pendeu, já morreu.
Só pode ser a força diferenciada do sol. As fontes e os tanques tudo fazem para suportar a boca sedenta do sol, mas não há jeito. A sede é tamanha que tudo vai sendo bebido, tomado insistentemente, até que só reste o visgo amolecido nos fundos. E logo o barro petrificado e também chamejado pela fúria solar.
Fato realmente inexplicável é a relação do bicho de cria com o sol. A planta se entrega logo, esturrica logo, morre logo, mas como explicar que a vaca, o boi e o cavalo, dentre outros, continuem suportando tanto sol e tanto queimor sobre si? Num mundo sem sombras, sem água fresca, sem lugar algum para repouso, e os bichos pastando de cima a baixo, dia após dia.
A verdade é que o sol sertanejo parece pouco esmorecer os bichos. A vaca sofre e definha pela fome e pela sede, mas não pelo seu queimor. Mesmo com mil sóis sobre suas cabeças, o bicho ainda vai de canto a outro e até adormece em cima da fornalha. Mas com a fome e a sede é diferente. O sol nunca faz cair, arriar por falta de forças, mas outras carências sim.
E o que dizer do homem, do sertanejo, perante o sol do seu mundo. O chapéu não é enfeite não, é por causa do sol mesmo. A correria no animal não é só pela pressa de chegar ou de pegar o bicho, mas também para fugir da fogueira aberta. Ainda assim, mesmo de chapéu ou na fuga, logo o seu rosto começa a ter a vermelhidão do barro cozido na olaria.
Coronel Pascácio Cabroeira passou a maior parte de sua vida jurando morte ao sol inclemente que descia sobre suas terras e que não deixava nada vingar. Num acesso de verdadeira loucura, chamou uma dezena de jagunços e ordenou que matassem o sol de todo jeito. O que se viu foi uma chuvarada de bala pra cima que mais parecia que o mundo ia acabar.
Tanta fumaça fez que o tempo ficou totalmente nublado. Até que enfim havia matado o sol, brindou o velho potentado dos sertões. Mas não demorou muito e as nuvens se dissiparam. O sol voltou parecendo ainda mais forte, mais valente, mais revoltoso. E daí em diante foram dez anos seguidos sem um pingo de chuva. E nas terras do coronel nada ficou, nem bicho nem pé de pessoa. Ele virou cinzas.
Assim o sol sertanejo. Coisa que na cidade é motivo de festa e de alegria, no sertão é muito diferente. Lampião mesmo, o valente Capitão, temia mais o sol que bala de volante. Temia e venerava. Levava um bem ao centro da aba de seu chapéu cangaceiro. Quando era noite de breu ele se alumiava todinho.


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Lá no meu sertão...


São Francisco, Rio da Fé!






Eu e a pedra (Poesia)



Eu e a pedra


Tá tudo bem
a pedra chorou
e chorei também

gente dura
sem sentimento
mas a pedra tem

não sou pedra
mas choro a dor
que a pedra tem.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - e o vento me levou



*Rangel Alves da Costa


E o vento me levou... Tenho certeza que sim. Não estou aqui, não estou em mim, não sei onde estou. Tudo outono, tudo ressequido, tudo tão esmaecida, sem vida, sem vontade de nada. Dias existem que são assim. E hoje está um dia assim, de folhas secas e de solidão, de folhas soltas e desolação, de folhas murchas e de aflição. Já não tenho espelho, mas sei do meu olhar tristonho, de minha feição melancólica, do meu lábio trêmulo. Amante desamado, naufragado num mar de desesperanças. Aquele que fui já não sou. Sim, o vento me levou. Sem destino certo, apenas uma folha pelo ar, quem sabe se n’alguma janela estará o meu destino. Ou quem sabe se apenas uma queda entre as solidões mortas de chãos vazios e tristes desse outono de vida. Não, precisa mais soprar sobre mim sua palavra rancorosa nem seu adeus odioso. Vivemos primaveras demais. Tudo acaba. E chegam os outonos e as tristezas das folhas secas sendo levadas. Assim como sigo agora, assim como estou agora, na mudez desalentada dos que lacrimejam por si cima por cima de suas próprias folhas secas.


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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A FÉ PELA ESTRADA



*Rangel Alves da Costa


Imagino que há coisas muito mais interessantes que a política, políticos, paixões partidárias e fanatismos. Ideologias, alienações e fundamentalismos só servem aos que disto tiram proveito, e jamais aos que matam e morrem por partidarismos.
Não me distancio de tais questões, mas também não quero perder meu tempo em debates e discussões onde cada um só defende o seu imprestável preferido. Também não adiantaria discutir. As paixões são tão doentias que tudo resulta em tempo perdido.
Creio que existem coisas muito mais interessantes que precisam de atenção. Mesmo perante as agruras do mundo e as feridas abertas da realidade, há sempre uma fuga onde seja possível encontrar o que se possa chamar de vida.
Por isso mesmo que prefiro vivenciar retratos do meu sertão, a sentir e usufruir espiritualmente as imagens do meu sertão, a me envolver em discussões intermináveis sobre quais candidatos são piores ou melhores ou mesmo postar imagens daquilo que nada tem a ver com minha realidade.
Sim, ninguém vive sem a política, ninguém pode fugir de políticos, pois o próprio contexto social já é essencialmente político. Infelizmente tudo gira em torna da política, e tanto a política partidária como tudo aquilo que envolve a sobrevivência. Todo aumento de imposto ou de remédio, por exemplo, é um ato político.
A política está na sobrevivência e na própria existência de cada um. As ações políticas governamentais, as políticas públicas, as políticas de inclusão, as políticas sociais e econômicas. Nem sempre dão resultados, mas sempre estão na pauta de cada dia.
O que mais enoja, contudo, é a política partidária. Em tal contexto, a política profissional como expressão maior da hipocrisia, da demagogia, do engodo, da mentira, da improbidade, da ilicitude, da corrupção. Não há, pois, nada mais nojenta que a política partidária.
Contudo, que os abutres comam as carniças e os beija-flores voem pelos jardins. Que as aves agourentas piem os seus presságios e os madrigais ecoem os cantos passarinheiros. Que os espinhos despontem e as flores se sobressaíam às dores. Prefiro ser sertanejo a ser simplesmente eleitor.
Ainda prefiro encantar-me com as coisas simples a espantar-me com o já negativamente conhecido. Tenho olhares para tudo, mas olho ao que me agrada. Meu olha não busca o que deprime, enoja, ludibria. Meu olho busca a luz, a espiritualidade, a plangência da vida.
Enquanto vocês discutem política eu prefiro admirar-me com um retrato tipicamente sertanejo, com uma cena emoldurada na religiosidade de um povo. Uma estrada de chão e na estrada um povo em procissão. Uma imagem santa sendo levada em cima de um carro-de-bois e um povo caminhante extasiado pela fé e abnegação.
O que move um povo a agir assim, a colocar uma imagem santa sobre um carro-de-bois e sair pela estrada em cantos de devoção? O cumprimento de um destino de fé, apenas. Fé que faz curar, fé que faz chover, fez que traz esperança, fé que abre portas e caminhos, fé que alegra o coração e o fortalece para os duros embates da vida no mundo-sertão.
Prefiro, pois, tais fotografias a mil santinhos de candidatos. Todos estes, por serem imprestáveis, logo passarão. Os retratos do meu sertão jamais. Os retratos do meu sertão se eternizam como o próprio sertão. Tudo passa, tudo muda, mas sua raiz ainda fincada debaixo do sol e da lua.
E um povo que sai cortando estradas em procissão, debaixo do sol e pelo simples prazer da devoção. Não há uma gente devotada assim em nenhum outro lugar. Apenas no sertão. No meu sertão.


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Lá no meu sertão...



Saudade de um poço bem redondo. Pra matar a sede, pra me fartar de vida...




Além da lua (Poesia)



Além da lua


Além da lua
além de céu
além de tudo
de todo espaço
em etéreo
infinito
e tão bonito

uma ideia
uma miragem
uma beleza
inexplicável
que sintetiza
o esplendor
do amor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - Adeus Hélio Santisteban, ex-vocalista do Pholhas



*Rangel Alves da Costa


Desde o início da semana que fiquei entristecido ao tomar conhecimento da morte do tecladista e vocalista do conjunto musical Pholhas, que se notabilizou por compor e interpretar em inglês. Hélio Santisteban falaceu aos 69 anos neste último dia 26, em São Paulo. Ora, mas quem não recorda das músicas maravilhosas de os Pholhas: My Mistake, Forever, She Made Me Cry, I Never Did Before, dentre tantas outras. Ainda hoje My Mistake me chega com profunda emoção, não só bela beleza da melodia como pela nostalgia que a acompanha. Não havia baile dançante no Mercado Municipal de Poço Redondo que My Mistake não fosse aguardada com ansiedade. Enquanto o conjunto (Embalo D, Dissonantes, R Som 7, etc.) ia tocando e o vocalista cantarolando a melodia, os braços se davam em dança lenta, apertadinha, sob as faíscas chamejantes de um globo luminoso. Muito namoro começou ao som de My Mistake, Forever, She Made Me Cry. Ainda hoje, por falta de boa música, ouvir Pholhas é não somente recordar como reencontrar a plangência da melodia que verdadeiramente fala ao coração. Nunca imaginei que fosse assim, mas somente agora sei que a letra de My Mistake descreve um crime passional, um feminicídio: O cara foi traído e matou a esposa. Mas não somente isso, pois também cuida do erro como passo à regeneração. Mesmo hoje sendo tida como letra politicamente incorreta, importa mesmo relembrar a força de sua melodia. E tal força melodiosa ainda tem o dom fazer recordar aqueles tempos de boa música, daqueles bailes dançantes, daqueles dias de verdadeira Festa de Agosto em Poço Redondo. Na foto abaixo, Santisteban é o primeiro.


  
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terça-feira, 28 de agosto de 2018

A ESPERTEZA POLÍTICA OU O BOLO MUITO MAL REPARTIDO



*Rangel Alves da Costa


O bolo da política é sempre mal repartido. Na maioria das vezes, nem dividido é, pois sempre há quem se ache no direito de pegar o bolo para dividir e acaba abocanhando tudo sozinho. Talvez seja pela cobertura atraente demais ou pelo recheio apetitoso. A verdade é que uma vez com o bolo à mão, a ninguém mais será dado o direito de também abocanhar um tiquinho. A gula interminável da esperteza.
Assim acontece, por exemplo, nas “ajudas” que os candidatos - erroneamente - repassam àqueles que se dizem donos de votos. O candidato dá o bolo ao que se diz líder político e responsável pela justa divisão, mas nunca se assegura que tal compartilhamento, ou algo parecido com isso, vá ser feita mesmo. Quando se dá conta já é tarde demais. O espertalhão abocanhou o doce sozinho e os demais eleitores ficaram só chupando o dedo. E o dedo não foi lá na urna votar.
Em épocas eleitorais como agora, eis que surgem verdadeiros enxames de líderes políticos, com cada um pregando ter mais voto que o outro. Quem ganhou se arrastando para vereador logo diz que tem mais que o triplo de votos. Quem não teve nem cem votos, logo vende uma soma de mais de quinhentos votos. Até mesmo quem não conta nem com os votos de casa, acaba se achando no direito de vender os votos da rua inteira. Todos eles sempre asseguram de mãos entrecruzadas que o bondoso candidato - pois já lhe recheou os bolsos - sairá dali com uma votação estupenda, senão já eleito. Pura enganação.
O problema é que o candidato acredita, pois aceita ser enganado e vai logo acertando valores de mais “ajudas”. Caiu na lábia, acreditou que o povo presente naquele almoço é seu cativo eleitor. Acreditou que o povo presente apenas para matar a fome ali estava para lhe aplaudir e jurar seu voto na vida e na morte. Ainda assim pouca atenção dá ao eleitor, pois sempre achando que tudo já está acertado entre este e aquele de bolso já recheado. Assim, acreditando no mentiroso, ou seja, na falsa liderança, acaba desvalorizando aquele que é mais importante numa eleição: o eleitor, o simples eleitor, aquele de um voto só.
Tem um voto só, mas é este que vota, e não o espertalhão que abocanhou a “ajuda”. O que o espertalhão faz é o que a gente está vendo agora, ou seja, abocanhando dinheiro pela mentira, pelo voto do outro que sequer sabe que foi vendido, e a este não ajudando sequer com uma Melhoral. Quanto mais dinheiro é recebido em nome do povo mais o povo é esquecido. Quanto mais coloca dinheiro no bolso mais nega uma ajuda para comprar um remédio, para pagar uma conta de energia, para qualquer coisa que surja numa hora de dificuldade.
Está cheio de gente assim. Gente que pega dinheiro pelo voto do outro, mas depois banana para o eleitor, para aquele que fez parte do acerto sem saber. Ou será que as ditas lideranças políticas, tais como vereadores, prefeitos e outros, dão apoio de graça aos candidatos? De jeito nenhum. Todos eles recebem pelo voto dos outros. Quanto será que vale dois mil votos garantidos por um prefeito a um candidato ou quinhentos votos prometidos por um vereador? Sempre vale alguma coisa, e não é pouca coisa não.
Por mais que a compra e a venda de votos sejam crimes perante a legislação eleitoral, o que se tem é um mercado aberto. Político compra voto e político vende voto. Candidato compra voto e o povo vende voto. A negociata nunca acabou. Só que o candidato está comprando voto daquele que não tem os votos prometidos e deixando de lado o próprio votante. O dinheiro vai para o bolso do espertalhão e nada para aquele que não tem sequer um pão para o jantar. Não reclamaria se recebesse o pão, mas o problema é que não recebe nada. Tudo fica no bolso do político mercador.
Infelizmente, ainda existe a velha política dos currais. Gente é tratada como bicho votante e vendida apenas como parte da boiada. Até quando isso? Ora, até quando cada um quiser. Basta dizer que não aceita que seu voto seja vendido por liderança alguma, pois nem na dita liderança vota. E deixar isso bem claro: Não votar em candidato daquele que se diz líder político, não votar em candidato de vereador e não votar em candidato nem de prefeito nem de vice. Fazendo isso, depois seria bom saber como eles vão justificar os votos garantidos e não conseguidos.


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Lá no meu sertão...



Quando eu não puder mais voar, vou deixar de pisar o chão da nuvem e colocar minhas asas sobre o chão da terra.




Cor do amor (Poesia)



Cor do amor


O amor é assim
de um amarelo luar
brilhando em mim
como joia ao olhar

o amor é assim
de um azul de mar
correnteza sem fim
em doce navegar

o amor é assim
de um vermelho paixão
de uma cor abrasada
chamejando no coração

o amor é assim
na cor própria do amor
cor violeta ou jasmim
por todo o corpo o rubor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - precisamos viver como num realismo fantástico



*Rangel Alves da Costa


A realidade é real demais, como diria o outro. E não há fuga. Ou o indivíduo enfrenta o bicho ou o bicho lhe come, esfacela, dizima. No mundo real, a dor é a dor, o sofrimento é o sofrimento, a angústia é a angústia, o luto é o luto, a morte é a morte, a solidão é a solidão. Não há escapatória. Tudo simplesmente é. Por isso mesmo que somos um nada diante tudo isso. Por isso mesmo que somos vítimas fáceis desse mundo tão arrogantemente real. Quem dera, então, e viver e ter na vida outras opções de existência? Quem dera ter asas para voar, quem dera entrar no sonho e vivenciar seus idílios, quem dera ter o que vier na imaginação e desfrutar de frutos adocicados em plena dureza da pedra. Precisamos, pois, viver como se num realismo fantástico. O dinheiro não teria nenhuma serventia senão para fazer bolinha e brincar de arremessar. Se uma nuvem passasse toda bonita, com jeito de apetitosa, era só levantar a mão e pegar um pedaço. E a morte apenas um descanso, um sono mais duradouro para, ao acordar, a própria pessoa escolher em continuar dormindo ou levantar para reparar os erros cometidos.


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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

ESSE ÓDIO INJUSTIFICADO PELA REDE GLOBO



*Rangel Alves da Costa


Plim-plim! Que raiva, que ódio, que ojeriza. Ou não? Ou o ódio pela Rede Globo, principalmente pela TV Globo, não passa de uma encenação partidária? Então vem a vinheta do Jornal Nacional! A fúria, a raiva maior, o rancor. Ou não. Ou a aversão ao noticiário global não passa de um inconformismo injustificado?
Já dizia um conhecido que a Globo está no mesmo patamar de time de futebol. De um lado aqueles que admiram e até amam, e de outro os odientos, os que se comprazem em negar suas virtudes e lançá-la aos lamaçais. Máxima verdade. Mas fato é que os apreciadores justificam suas estimas pelas qualidades das produções, pelo profissionalismo de sua equipe e pelo empenho em todos os dias mostrar o melhor aos telespectadores. Já os depreciadores, sempre repetem velhos motes de negação: cria da ditadura e porta-voz do poder. Ou mesmo coisas mais popularescas: a televisão da politicagem e da mentira.
Em períodos eleitorais, quando os noticiários políticos se tornam mais efervescentes e rotineiros, bem como se faz necessário falar mais sobre os fazeres dos candidatos, as críticas se tornam muito maiores contra a Globo. Logo surgem acusações de proteger alguns candidatos e deturpar a imagem de outros, as alegações de ter candidato próprio e, por isso mesmo, transforma seu noticiário em palanque eleitoral. Mas será que é assim mesmo? Difícil compreender as insatisfações quando os eleitores de todos os candidatos fazem a mesma reclamação.
O petismo escrachou a Globo pela cobertura dada ao episódio Lula. O mesmo petismo que já havia escrachado a emissora no percurso do impeachment da presidente Dilma. Eleitores que já haviam propagado ter sido a Globo a responsável pela vitória de Collor. E agora não vai ser diferente. Certamente irão dizer que o jornalismo da emissora trabalha para afundar as candidaturas de uns e alavancar a de outros. Mas não é só com relação à política, pois as críticas vão desde a programação, ao teor das novelas e até aos filmes repassados. Críticas e mais críticas de todo lado. Mas será que todo esse ódio se interioriza nos odiosos ou é apenas uma forma de atirar pedras naquilo que dá frutos?
A verdade é que muita gente comenta e faz postagens esculachando a Globo, como se o canal televisivo fosse o responsável por tudo o que há de ruim no Brasil. Ou tais pessoas são domadas pela mídia ou não sabem o que dizem. É a Globo que manda político roubar, que fez semear em Brasília e nos demais recantos a crescente corrupção? É a Globo que vai para a urna votar ou aquele que a critica? É a Globo que escolhe o candidato de cada um ou o próprio eleitor?
Muitos pedem até uma retaliação geral contra a Globo, de modo que não assistam seus noticiários, suas novelas, seus programas. Ora, é muito fácil. Nas suas casas, simplesmente não liguem a televisão na Globo, mas não pretendam que os outros façam o mesmo, principalmente quando todo mundo sabe que o Brasil inteiro gosta e aplaude suas produções. Falam mal e não perdem uma novela. Criticam da boca pra fora e não perdem um telejornal. Esculacham com o plim-plim e não perdem uma partida de futebol.
Queiram ou não, critiquem ou não, a Globo é poderosa não só pela qualidade de suas produções como pela força informativa que possui. Certamente que sua notícia passa a ter mais amplitude que aquela disseminada pelos demais canais, mas tal força de penetração não tem o poder de mudar a realidade política, social ou econômica do País. E não pode principalmente por que cada um é livre para votar, para escolher suas mazelas políticas. Se depois os escolhidos se mostram corruptos, a culpa não é da Globo. Esta, como dito, não vota, não elege os governantes ou os parlamentares, não faz aumentar o gás e a gasolina, não eleva o preço do pão nem do remédio. A Globo não abre inquérito, não denuncia criminalmente, não processa nem julga, apenas noticia o andamento dos feitos. Enquanto canal informativo, logicamente que informa. Quem aparece no seu noticiário o fez por alguma razão.
O problema é que o brasileiro acostumou a criticar aquilo que não lhe convém. Então a Globo não presta por que mostra os podres de muitos, por que não mente para dizer que é santo um imprestável. Tem-se, pois, que a culpa por tudo isso está no próprio telespectador, e principalmente neste enquanto eleitor. Não sabe votar, não sabe escolher, não passa de um fanatizado partidário, e depois vai culpar o noticiário.
Por isso que antes de desligar a TV ou resolver não assistir mais a Globo, necessário que se tenha o cuidado de não ficar na janela do vizinho de olho em tudo o que passa no plim-plim. Antes de dizer que é anti-globista, primeiro veja se a culpa é do canal ou do lamaçal que o seu endeusado está envolvido.


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Lá no meu sertão...



Imaginem a surpresa de Felipe Lameu, o Rei do Xaxado de Poço Redondo, ao encontrar sua fotografia num dos espaços do Memorial Alcino Alves Costa! Mas assim aconteceu. Na tarde desta segunda-feira, ao chegar ao Memorial acompanhado de colegas do Centro Educacional Alternativo e da Professora Gleiciane Gomes, Felipe foi surpreendido com a homenagem a ele prestada. Mas você é merecedor, viu Felipe!




Os abutres (Poesia)


Os abutres


Que venham pousar os abutres
no umbral sujo de minha janela

morreram as flores que ali existiam
sumiram as borboletas que ali voavam

mas que não venham os abutres
imaginando que estarei à janela

morreu aquele que entristecido vivia
e que pranteava a saudade de tudo

agora tenho pássaros e borboletas
e rego flores onde a tristeza exalava

que os abutres conheçam esse mundo
de horizontes tomados de luz e alegria.

Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - atos sexuais sem sexo



*Rangel Alves da Costa


Sim, atos sexuais sem sexo existem sim. Aliás, o mundo inteiro parece viver em desenfreada orgia. O pior é que ninguém pode fugir da libidinagem, da permissividade, da pecaminosidade, da depravação, da putaria mesmo. Ora, as novelas televisivas só falam em sexo, só insinuam o sexo, só envolvem situações de sexo. O computador não se fala. A internet é um puteiro só. A juventude parece já viver em plena nudez. As poucas roupas insinuam o sexo, os rebolados sugerem o sexo, os comportamentos provocam o sexo, fora as facilidades para as práticas sexuais em si. Ninguém pode fechar os olhos às realidades da vida. E os olhos abertos não encontram outra coisa senão insinuações sexuais. Se o sexo em si implica em ação, em conjunção carnal ou nos extremos dos atos libidinosos, não deixa de ser sexo o que para se concretizar só falta a relação. E, neste sentido, o mundo é uma cama de pernas abertas e corpos desnudos.


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domingo, 26 de agosto de 2018

POLÍTICA E POLÍTICOS, NADA E A MESMA COISA



*Rangel Alves da Costa


Creio que devidamente justificado o título escolhido para este texto: Política e Políticos, nada e a mesma coisa. O que a política tem oferecido que mereça qualquer paixão? O que os políticos fazem que mereçam qualquer respeito?
A verdade é que de uns tempos pra cá tudo desandou de vez. Se políticos e política nunca tiveram um consenso social de aceitação, os caminhos percorridos foram dar exatamente em esgotos, lamaçais e antros putrefatos e corrompidos.
No passado, algumas lideranças políticas até que conseguiam corresponder aos anseios de seus eleitores e de parte da demais população. Mesmo em meio à política, eram homens com palavras, compromissos (e não promessas), atuantes muito mais por vocação do que por interesses.
Mas agora ficou difícil demais de separar o joio do trigo. A política se transformou num negócio, num comércio de bravatas, corrupções e ilicitudes, de espertezas e falcatruas. Só uma pergunta: qual interesse possui um candidato que gasta muito acima daquele valor que irá receber acaso seja vitorioso?
Mais uma pergunta: Logicamente que não sendo pelo salário (vez que a soma não chega nem perto do que foi gastado), de onde o político eleito vai tirar tudo o que gastou? Ou será que ele se contenta com o prejuízo pelo simples amor ao cargo e à população?
Não vou me alongar em respostas. Todo mundo sabe como tudo funciona. A cegueira é que permite que tudo descaradamente aconteça. A mesma cegueira favorecendo que novamente candidatos batam à porta com abraços, sorrisos, mãos estendidas e aquelas conversinhas de sempre. Por que não batem a porta nas fuças desses safados?
Não batem - ou nem todos batem - pelo simples fato da aceitação da população. O povo, ou o eleitor mais de perto, é o principal responsável pela proliferação desses imprestáveis, dessas ervas daninhas. No dia que o povo quiser dar a devida resposta, duvido que eles continuem fazendo a todos de palhaços.
O mais revoltante (ao menos para mim) é que além de ser passiva, omissa, indiferente, conivente em demasia, grande parte da população ainda se torna apaixonada por esses larápios espertalhões. E uma paixão tamanha que falar mal de seu candidato causa mais fúria do que se fosse com o pai ou a mãe.
Desculpem pelas palavras (ora, tem coisas que a gente não suporta mesmo, fica em tempo de azedar), mas a verdade é que tudo acontece e continua acontecendo por culpa do povo e mais ainda do eleitor. A cegueira política, o esquecimento, a bajulação e acovardamento, não são doenças não. É tudo safadeza mesmo!
Digam, por favor, qual o bem que a política está fazendo? Digam, por favor, qual a honradez de um candidato já conhecido pelas manchetes e que de repente surge como um santinho à porta de sua casa? Mas o pior é que ao invés de dizer não, grande parte não só aplaude como se apaixona.
As paixões políticas e os puxa-saquismos são modismos rotineiros no facebook e em todas as redes sociais. Muita gente já tinha morrido se uma arma apontada do facebook pudesse atirar. Ninguém pode dizer a verdade sobre este ou aquele candidato que a esculhambação começa, a arma é apontada e tudo o mais.
Muita gente defende mais candidatos e eleitos do que a si mesmo. Parecem viver pela beirada dos outros do que pelo próprio esforço, como se da política pudesse ter algum futuro. Depois toma um chute na bunda e bate a cara no chão. Bem feito!
Quem quiser votar que vote, quem quiser se apaixonar que se apaixone, quem quiser bajular que coloque até chantilly. Eu não. Por mim todos se lascam. Tá dito.


Escritor
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Lá no meu sertão...


Alcino e Rangel - Um pai, um filho!




Janela fechada (Poesia)



Janela fechada


Vivo o silêncio
dos pássaros na solidão

vivo a fragilidade
das folhas no outono

vivo o entristecimento
dos horizontes ao entardecer

vivo a secura
das bocas sem beijos

vivo o sofrimento
das noites dos enfermos

vivo um viver assim
até que tudo passe

e as aflições e as melancolias
por fim tenham fim.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - ao lado dela



*Rangel Alves da Costa


Tudo começou assim meio sem jeito, sem querer começar. Desejo de olhares, promessas dos sentimentos, e só. Mas quando tudo parecia esquecido, eis que as chamas reavivaram. Então os encontros, as outras promessas, os primeiros beijos, os outros desejos, as outras esperas. E fomos ficando, aos poucos nos conhecendo mais, trazendo revelações de parte a parte, tecendo o que poderia vingar de vez ou não. E fomos ficando. E fomos continuando. Juntos passamos o primeiro ano, o segundo, e seguimos em frente. Mas nada fácil, nada entre flores e aromas. Muitas intrigas, muitas desavenças, muitas brigas, muitos afastamentos. Sim, terminamos mil vezes ou mais. Sim, juramos nunca um olhar para a cara do outro, como se diz. Mas sempre voltamos, sempre sentimos saudades e retornamos. E assim a vida vai, assim nós prosseguimos na estrada, ora de mãos dadas, ora um dentro do outro, ou mais na distância segura. Agora os planos são outros, as responsabilidades são outras. Até quando não sabemos. Só sabemos que continuamos, que estamos juntos, que há entre nós esse mistério infindo chamado amor.


Escritor
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sábado, 25 de agosto de 2018

QUASE NADA (E TUDO)



*Rangel Alves da Costa


Coisas acontecem e simplesmente não damos nenhuma importância. Tudo apenas passa e na poeira do tempo vai sendo levado ao esquecimento. Somente depois é que passamos a dar sentido aos pequenos acontecidos.
Para muitos, o vento é apenas o vento, a chuva é apenas a chuva, a lua é apenas a lua. E nada mais que isso. Contudo, bastaria um pouco mais de atenção para compreender que em tudo, mesmo no mais simples, há um significado e uma simbologia maiores.
Dizem que nada existe ou acontece ao acaso. E a mais pura verdade. Do grão é que brota a majestosa árvore, do gesto é que pode surgir a sentença de vida ou de morte. Apenas um dedo sinalizando para baixo ou para cima.
Não há beleza maior que o voo da borboleta e o seu bater de asas. Mas muito cuidado com o voo da borboleta e o seu bater de asas.
O simples bater de asas de uma borboleta pode interferir no curso normal das coisas. As asas batendo movimentam o ar. O ar expande-se em crescente. O resultado final pode ser catastrófico.
No ser humano, as asas da borboleta estão nos pequenos gestos, nas palavras ligeiras, nas atitudes impensadas. Age-se como se nenhuma consequência houvesse, mas depois se tem o contrário.
As asas das palavras esvoaçam sem a real percepção de seu poder. Tudo parece normal a quem pronuncia, mas de consequência alarmante para quem é dirigida. A palavra pode chegar como navalha, como ponta afiada, como ferro em brasa.
Um simples olhar é um bater descomunal de asas de borboleta. Tantas vezes o olhar diz mais que mil palavras. A repreensão ou a aceitação se lançam do olhar e vão ter reflexos imediatos na outra pessoa.
Um aceno, um simples aceno, quanto efeito há num gesto assim. Aceno de adeus que provoca tristeza e melancia. Aceno distante que objetiva mostrar o reconhecimento e a saudade. O aceno ao não existente. De repente acena-se pelo desejo da presença.
Similar às asas da borboleta é a consequência do pingo d’água que cai. E muito mais quando é pingo após pingo. Quando caído na água, o pingo adentra no espelho d’água com força maior que o imaginado.
O impacto do pingo na água, de imediato provoca uma pequena onda. Mas esta inocente onda pode se expandir de tal modo e chegar até à margem como verdadeiro tsunami. De um leve impacto, a formação de uma turbulência devastadora.
E o que faz uma saudade, um pensamento, uma nostalgia? No silêncio um abrir de portas para terríveis situações. A dor, a aflição, a melancolia, o sofrimento, o soluçar, o lacrimejar sem fim. Tudo nascido de um pensamento, de uma saudade grande.
Portanto, sempre bom não desprezar a importância de cada gesto, de cada ato, de tudo o que seja mais simples. Tudo é ação e reação, tudo traz consequência. Até no amor, tudo nasce de um simples olhar. Daí a vida em vidas, dos frutos nascidos e colhidos de um quase nada.
Assim, o quase nada será sempre um quase tudo. Tudo nasce de um quase nada. E o quase nada já será quase tudo no instante seguinte, como os segundos que passam e vão se juntando em todo o tempo do mundo.


Escritor
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Lá no meu sertão...


Recordando o Cariri Cangaço Poço Redondo 2018



Um amor verdadeiro (Poesia)



Um amor verdadeiro


Eu e você
que bom que seja assim
duas crianças enamoradas
uma ciranda de roda
uma dança da lua
um amor verdadeiro

eu e você em nós dois
que bom ser sempre assim
duas mãos dadas pela estrada
dois lábios que se tocam
um sonho compartilhado
e um amor verdadeiro.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – beijos travessos



*Rangel Alves da Costa


Existem beijos e beijos. Contudo, o beijo de verdade, aquele beijado com a alma e o coração, parece estar totalmente em desuso. Pouquíssimos são os jovens que tocam os lábios na boca amada para sentir fruição, como se daquele gesto leve, sublime e afetuoso, pudesse voar. Ora, um beijo amoroso não necessita ser além de um toque, de um carinho no outro lábio, de um diálogo de pele que suavemente se roça. Atualmente, o ato de beijar parece até sufocar, pois num exagero desenfreado de sentir a outra boca. Não são nem beijos, mas mera sucção, chupamento, mordida, lambida lambuzamento, molhação de tudo, desde a boca às partes íntimas. São beijos tão travessos que as bocas parecem insaciáveis, estalando, arrancando pedaço, cuspindo, fazendo jorrar uma desenfreada lascívia. Se o beijo é assim, que se imagine o resto. Mas tanto no beijo como no resto nenhum prazer verdadeiro, nenhuma resposta amorosa que seja digna de um íntimo contentamento.


Escritor
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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

NOS TUFOS DO MATO, A TOCAIA



*Rangel Alves da Costa


Tocaia, emboscada, armadilha, cilada, espreita, é tudo a mesma coisa: esconderijo de onde se espera a passagem do escolhido para lhe dar cabo da vida. Por outras palavras, o local onde o jagunço, o assassino ou matador, se mantém escondido, com arma apontada e gatilho pronto para ser apertado, esperando somente o surgimento daquele que será vitimado pelo ódio, pela desforra, pela desfeita, pela vindita de sangue.
Ainda acontece, mas o ofício da tocaiagem era grandemente característico no passado coronelista, num tempo de senhores de instintos abomináveis, de crueldade desenfreada, onde qualquer ameaça ao seu poder era resolvida na bala. Mas também nas relações odiosas entre pessoas comuns, quando as rixas e as discórdias provocavam somatórios de mortes por emboscada. Noutras situações de vinditas também o recurso da espera assassina, assim nas lides cangaceiras e nas revoltas sangrentas sertões adentro.
Morte de tocaia é morte à traição, perpetrada sem que a vítima sequer imagine que o inimigo o espera numa curva de estrada, por detrás de um pé de pau, dentro de um tufo de mato, em qualquer lugar onde possa se manter escondido e a arma mirada em linha certeira. Impossível de se defender quando apenas a boca faminta da arma vai no encalço esperando o instante certo para cuspir fogo.
Como aconteceu tantas vezes, o sujeito vai caminhando armado até os dentes ou mesmo galopando em cavalo ligeiro com verdadeiro arsenal, mas não sabe que mais adiante alguém aguarda sua passagem de arma já preparada. Não consegue avistar nada porque o jagunço está encoberto pelas folhagens, pelas árvores ou outra mureta nativa. Mesmo a dois metros não consegue avistar nada. Mas a arma já mirando sua chegada e ávida para ser disparada. E num instante basta apertar o gatilho, e pronto. O sujeito cai estrebuchando no chão.
Tal o modus operandi no ofício da jagunçagem e da tocaiagem, mas que não se imagine ser tarefa fácil de matador. A tocaia exige profissionalismo, preparo, segurança, firmeza e frieza. E assim porque exige não só a pontaria certeira, mas também preparação e conhecimento de campo. O jagunço matador precisa escolher o local da ação, necessita conhecer a vegetação da região, bem como saber a hora aproximada que o futuro defunto passará diante de sua mira.
Escolhido o local, resta a parte mais difícil e demorada: a espera. O jagunço nunca chega pela estrada comum ou pela vereda aberta, mas por dentro da mataria, de modo silencioso e lento. Ao chegar, o passo seguinte é procurar um lugar onde fique escondido e ao mesmo tempo possa avistar tudo o que acontece mais adiante. E também a colocação do cano da arma de tal modo que, estando com a boca livre, ainda assim não possa ser avistada.
Contudo, a espera em si é o mais angustiante, fazendo mesmo que muitos jagunços tenham desistido antes do evento fatal. Em primeiro lugar, porque só suporta esperar sem refletir sobre as consequências de sua ação aquele matador que já é movido pela cegueira da ação, pela cruel insanidade ou pela contumaz covardia. Em segundo lugar, porque qualquer sentimento surgido na espera pode provocar desistência. Daí que o jagunço não pensa em outra coisa senão preparar comida de urubu e retornar para dar notícia ao mandante, seu patrão.
Foi porque o marcado para morrer demorou a passar e o matador começou a pensar num monte de coisas, principalmente na sua sina de viver para a morte do outro, que se deu a última tocaia, ao menos para este mando. Enquanto esperava, sempre em posição de disparo, o jagunço olhou por cima do cano e apo final era como se avistasse um espelho adiante: ali um defunto sendo velado, uma família chorando, pessoas entristecidas, crianças sem pai e vidas ao desalento.
Logo cuidou de mudar de pensamento, mas ainda no espelho logo lhe surgiu sua própria face, suas mãos sujas de sangue, sua cama de capim, seu rosto entristecido, sua mão recebendo vintém, o dente de ouro do coronel brilhando na boca maldita, uma cova rasa e sem cruz no meio do mato. Aquela era sua vida, aquele seria o seu destino. Em seguida avistou, ao longe, cavalo e cavaleiro se aproximando.
De arma apontada, na mira certa, mas não teve coragem de apertar o gatilho. Desistiu. Ali a última tocaia, sem tiro, sem sangue, sem morte. E um jagunço seguindo por uma estrada distante do casarão do coronel.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


O Memorial Alcino Alves Costa sendo presenteado com alforjes. 
Presente de Charles, de Poço Redondo, sertão sergipano.



Paixão (Poesia)



Paixão


E veio a chama
queimor de tição
abrasamento
da paixão

eu estava só
eu vivia só
tudo dado nó
ventania e pó

então ela veio
lava de vulcão
e me afogueou
de paixão.


Rangel Alves da Costa