*Rangel Alves da Costa
Causa uma profunda tristeza avistar uma
janela fechada. Toda vez que está fechada, então logo se mostra no seu inverso:
abrir-se para o outro lado, para o mundo, para a vida.
Em muitas residências, é a janela aberta quem
primeiro dá bom dia ao alvorecer. Através dela também se toma conhecimento da
realidade lá fora. Os olhos passeiam adiante de seu umbral.
De repente a vizinha vai chegando ao redor da
janela e começa a contar as primeiras do dia. Fofoca de não acabar, mas a outra
gosta e vai puxando conversa sobra a vida alheia. Lá dentro a panela até pode
queimar, pois o interessante mesmo está na janela.
É pela janela aberta que a folha seca entra,
que a poeira toma conta da sala, que a flor é jogada na intenção da mocinha. E
esta, toda sonhadora, nela se debruça ao entardecer para sonhar com o seu
príncipe encantado.
Mesmo entreaberta, a janela não deixa de ter
serventia ao olhar e ao que se deseja avistar lá fora. Pelas frestas a
solteirona procura um jovem que passa, suspira seus desejos e sonhos,
enrubesce, lamenta e chora.
Mas depois de fechada, eis que a janela passa
a ser de uma tristeza infinita. Surgem os temores, as conversas e as indagações
se assim permanece por muito tempo. E se assim permanecer, então tudo se torna
em sofrimento e saudade.
Basta que a janela fique algum tempo fechada
e a casa inteira se mostra como inabitada, como abandonada, como reclusa em
solidão. Dá vontade de chegar pertinho e bater na madeira, chamar e chamar.
Quantas janelas fechadas não se mostram como
cruzes de eternos adeuses? Quantas janelas fechadas não se mostram como lenços
molhados de entristecimentos? Quantas janelas fechadas não se afeiçoam ao nunca
mais?
Triste saber que a pessoa sempre acostumada a
estar debruçada sobre a janela jamais vai ser ali avistada. Pessoa de bom dia e
boa tarde, pessoa de proseado e de olhar alegre e festivo ali no seu cantinho.
Mas que de repente some da janela para nunca mais.
Uma janela que se fecha à boca da noite e na
manhã seguinte já não se abre mais. No meio da noite a família vai embora, toma
a estrada rumo a outro destino e ao viver menos sofrido que aquele permitido
pela seca grande.
Uma janela que se fecha como se chorosa
estivesse. Não quer ser fechada. Não quer a escuridão e o abandono, mas não
possui forças para continuar aberta. As despedidas sempre começam pelas portas
e janelas que choram antes mesmo de serem fechadas.
Então vem a ventania como se tivesse mãos
para na janela bater. E bate e bate. E chama e chama. Volta e vem mais forte. E
chama e chama. E bate e bate. Ninguém responde, ninguém chega para abrir. Então
o vento chora e vai embora.
Noutras vezes, atrás da janela fechada há
verdadeiros tormentos. A solidão, o abandono, a viuvez, a carência, a
depressão, a angústia, a saudade, os retratos mentais que não querem ir embora.
Tudo isso se mostra emoldurado na janela fechada.
Quem passa pela frente nem percebe. Quem
avista a janela simplesmente fechada sequer imagina o quanto nela pode estar
acontecido. Travesseiros molhados de lágrimas, olhos chorosos, bocas ávidas
para gritar.
Também a janela que falsamente se mantém
fechada, mas apenas recostada para que as traições se consumam, os corpos
adúlteros se encontrem, as camas se molhem de apressados prazeres.
Assim, a janela vai cumprindo sua sina.
Aberta para o amanhecer, para o sol, para a lua, para a ventania. Ou
simplesmente fechada. Fechada e triste, chorosa, abandonada, apenas uma madeira
emoldurada de angústia e solidão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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