*Rangel Alves da Costa
O sol sertanejo é outro sol. Disso não há
como duvidar. Apenas contextualizado nas definições dos dicionários e dos
livros, de quase tudo se afasta para ter um conceito próprio.
Ora, dizem as letras que sol é a estrela em
torno do qual a Terra se move. É o astro central do sistema solar e é principal
fonte de luz do nosso planeta. Sendo centro do sistema planetário, é o
principal responsável pela alimentação, através de sua luz, de toda a vida na
terra.
Já o sol sertanejo pode ser tido como uma
estrela escaldante que não somente envolve toda a terra como parece estar
adiante de cada um, de cada ser, de cada planta, de cada bicho. É também fonte
de alimentação para a vida, mas também é o principal responsável pela dizimação
da existência.
O sol sertanejo pode ainda ser tido como uma
bola de fogo que desce de boca aberta e vai, voraz e ferozmente, primeiro
aquecendo, para depois esturricar e devorar tudo. Possa estar na distância que
for, mas sempre parece pairando sobre a cabeça, entrando pela janela, espalhado
vivo em cima do chão.
De sua boca faminta vão sendo lançadas chamas
terríveis, faíscas insuportáveis, labaredas chamejantes, raios fulgurantes,
fornalhas intoleráveis, línguas vulcânicas, raios chispantes. E tantas vezes,
sob sua fúria, o que está embaixo ou ao redor acaba com o meu destino de folha
seca tornada pó.
O sol do sertão, contudo, não é outro senão o
sertão no seu jeito diferente de ser. Não há meio-termo nem talvez, mais ou
menos ou entrelinhas, pois tudo é ou não é. Basta saber que pode chover dois
meses seguidos e tudo verdejar pelos campos, para em seguida, com apenas uma
semana de sol, e tudo já secar, perder a cor, esfarelar.
Ou as plantas do sertão possuem
características diferentes, sendo muito mais frágeis que as demais de outras
regiões, ou o sol é diferenciado mesmo. E assim por que num instante tudo está
verdinho e no momento seguinte já acinzentou, já pendeu, já morreu.
Só pode ser a força diferenciada do sol. As
fontes e os tanques tudo fazem para suportar a boca sedenta do sol, mas não há
jeito. A sede é tamanha que tudo vai sendo bebido, tomado insistentemente, até
que só reste o visgo amolecido nos fundos. E logo o barro petrificado e também
chamejado pela fúria solar.
Fato realmente inexplicável é a relação do
bicho de cria com o sol. A planta se entrega logo, esturrica logo, morre logo,
mas como explicar que a vaca, o boi e o cavalo, dentre outros, continuem
suportando tanto sol e tanto queimor sobre si? Num mundo sem sombras, sem água
fresca, sem lugar algum para repouso, e os bichos pastando de cima a baixo, dia
após dia.
A verdade é que o sol sertanejo parece pouco
esmorecer os bichos. A vaca sofre e definha pela fome e pela sede, mas não pelo
seu queimor. Mesmo com mil sóis sobre suas cabeças, o bicho ainda vai de canto
a outro e até adormece em cima da fornalha. Mas com a fome e a sede é
diferente. O sol nunca faz cair, arriar por falta de forças, mas outras
carências sim.
E o que dizer do homem, do sertanejo, perante
o sol do seu mundo. O chapéu não é enfeite não, é por causa do sol mesmo. A
correria no animal não é só pela pressa de chegar ou de pegar o bicho, mas
também para fugir da fogueira aberta. Ainda assim, mesmo de chapéu ou na fuga,
logo o seu rosto começa a ter a vermelhidão do barro cozido na olaria.
Coronel Pascácio Cabroeira passou a maior
parte de sua vida jurando morte ao sol inclemente que descia sobre suas terras
e que não deixava nada vingar. Num acesso de verdadeira loucura, chamou uma
dezena de jagunços e ordenou que matassem o sol de todo jeito. O que se viu foi
uma chuvarada de bala pra cima que mais parecia que o mundo ia acabar.
Tanta fumaça fez que o tempo ficou totalmente
nublado. Até que enfim havia matado o sol, brindou o velho potentado dos
sertões. Mas não demorou muito e as nuvens se dissiparam. O sol voltou
parecendo ainda mais forte, mais valente, mais revoltoso. E daí em diante foram
dez anos seguidos sem um pingo de chuva. E nas terras do coronel nada ficou,
nem bicho nem pé de pessoa. Ele virou cinzas.
Assim o sol sertanejo. Coisa que na cidade é
motivo de festa e de alegria, no sertão é muito diferente. Lampião mesmo, o
valente Capitão, temia mais o sol que bala de volante. Temia e venerava. Levava
um bem ao centro da aba de seu chapéu cangaceiro. Quando era noite de breu ele
se alumiava todinho.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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