*Rangel Alves da Costa
Em Poço Redondo, localidade sertaneja nos
carrascais sergipanos que já viu nada menos que 34 de seus filhos seguirem as
hostes cangaceiras, bem como uma leva de bons e afamados coiteiros, ainda hoje
possui forte reminiscência do cangaço. Por isso mesmo que não é difícil se
deparar com uma filha de Adília, um sobrinho de Sila, uma filha do coiteiro
Mané Félix, e tantos outros.
Sou amigo de todos eles. Proseio muito com
essa linhagem autenticamente sertaneja. De vez em quando estou ao lado de
Nicinha e Paulo, ambos filhos de Adília. Contudo, nunca havia tido o prazer de
me encontrar com um filho do casal cangaceiro Canário e Adília, vez que os demais
não possuem a mesma paternidade. Sabia apenas que ele morava em Brasília e que
raramente visitava Poço Redondo, chegando geralmente em época que eu não estava
no sertão.
Mas eis que o encontrei. Ou ele me encontrou.
Em viagem de Aracaju, eu ainda nem havia chegado próximo a Poço Redondo quando
o telefone tocou: “Joãozinho de Canário e Adília está aqui e quer falar com
você!”. Que bela surpresa, disse a mim mesmo. E cerca de uma hora depois eu já
estava batendo palmas à porta da casa de Nincinha, sua irmã. “Nicinha, cadê o
cangaceiro?”. Foi a minha pergunta. Ela não teve nem tempo de responder e de lá
de dentro surge a legítima prole do cangaço, o filho do casal cangaceiro: João
Batista.
Saindo à porta da frente, à boa luz noturna,
logo percebi os seus traços. Amorenado, de altura mediana, rosto trigueiro,
face com as marcas da idade, mas em tudo e por tudo parecido demais com o pai
naquele famoso retrato. Ali eu estava diante não só do filho como do próprio
pai, ao menos na fiel aparência. Naquele primeiro instante – o que depois se
confirmaria -, vi-me perante um homem alegre, simples, de generoso diálogo.
Batizado como João Batista Correia dos
Santos, mas depois simplificado para João Batista dos Santos após perder o
registro, nasceu em 12 de outubro de 1938, poucos dias após a morte de Canário
(Bernardino Rocha), seu pai. Veio ao mundo nas proximidades da cidade sergipana
de Propriá, numa localidade chamada Morro do Chaves. Por muito tempo morou com
seus avôs maternos, numa propriedade nas proximidades do então distrito de Poço
Redondo.
Segundo Joãozinho – apelido familiar -, por
muito tempo chamou sua mãe Adília de comadre: Comadre Adília. E sua avó de mãe.
Criado na casa dos avôs e ouvindo a vizinhança chamando sua verdadeira mãe de
comadre, então acostumou a chamá-la assim também. Assim que completou vinte
anos arrumou mala e cuia e resolveu ir viver em outras paragens. Após breve
temporada no Rio de Janeiro, fixou moradia em Brasília, onde vive até hoje.
Casado em segundas núpcias, possui três filhos.
Não demoraria muito o diálogo e logo surgiu o
que foi, para mim, uma revelação. Não sei se por falta de pesquisa ou de pouca
leitura de minha parte, eu sempre imaginei que João Batista era o único filho
de Canário e Adília. Eu estava enganado. Há um filho mais velho do casal:
Antônio. Nascido um ano antes que Joãozinho, assim que nasceu Antônio foi
entregue para ser criado por Domingos Balão e sua família, na região da fazenda
Cassuçú, em Poço Redondo. Hoje, se vivo estiver, reside no Paraná e conta em torno
de 81 anos.
Segundo Joãozinho, mesmo alguns anos depois
do fim do cangaço, a casa de seus avôs foi visitada por policiais. Criança, ele
estava na malhada quando viu despontar homens com roupas policiais e cheios de
armas. Sua mãe Adília não estava ali, também não houve nenhuma pergunta sobre
ela. Apenas descansaram as armas ao chão, escolheram uma criação no curral,
mataram e mandaram cozinhar. Ali mesmo comeram e seguiram pela estrada. Naquela
idade, não sabia que as caatingas sertanejas ainda guardavam resquícios
daqueles idos de fogo e sangue.
Acerca de sua mãe, Joãozinho tece relatos que
até contrastam com as palavras da genitora em entrevistas. Segundo ele, nunca
viu sua mãe abrir a boca para falar nada mal de seu pai Canário. Diz ainda que
ela o seguiu no bando pelo amor que sentia, e permaneceu o admirando por toda a
vida. Em entrevistas, contudo, Adília deixa claro o ódio que passou a nutrir
por seu companheiro. De seus relatos se ouve que havia chegado um tempo que
sequer abria a boca para falar com ele.
E Adília diz mais que não derramou uma só
lágrima quando Canário foi morto. Mas o filho não pensa assim. Segundo
Joãozinho, se houve alguma indiferença entre eles foi pelo fato da vida difícil
que levavam e pelo desejo da mãe de deixar aquele mundo medonho. Ela pedia para
saírem. Mas ele sabia que não podia. Por fim, diz Joãozinho que sua mãe se
manteve silenciosa sobre o cangaço por muito tempo. Nada falava, sobre nada
queria ser perguntada. Somente depois foi contando a uns poucos aqueles retalhos
de sua vida.
Mas Joãozinho relatou-me muito mais. Depois
eu conto. Inté!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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