*Rangel Alves da Costa
Não pretendo me referir agora àquelas dores
sensoriais, sintomáticas, advindas de lesões, de distúrbios orgânicos ou de
enfermidades.
Quero me referir a outras dores, ocasionadas
pelos desvãos da vida e experimentadas no mesmo ou maior sofrimento que aquelas
produzidas por uma flechada no peito.
Quero dizer das outras dores, aquelas que não
surgem dos machucões, das contusões, das pontadas, das perfurações, dos
ferimentos, do despertar das moléstias e enfermidades. Dores que não despontam
em lugares específicos do corpo, pois afligindo a alma inteira.
Dores silenciosas, melancólicas, invisíveis,
quietas, escondidas, soturnas, noturnas, solitárias, cabisbaixas, despercebidas
por muitos. Mas o olhar não pode negar, o semblante também não, contudo, sempre
efervescente no âmago, no profundo do coração.
Uma dor assim como a dor do sertanejo que ano
após vê seu pasto esturricar, sua fonte endurecer pelo barro, seu resto de
rebanho dizimado pela falta de tudo. Tudo isso lhe dói tanto por dentro,
amargura e aflige tanto, que somente seu olhar entristecido retrata a dor
sofrida.
Uma dor assim como a da mocinha que a todo
entardecer se põe à janela para lamentar solidões e chorar as distâncias de um
amor que virá. Quanto mais o tempo passa mais a sua tristeza aumenta e vai
chorando por dentro, vai sofrendo, vai sendo tomada pela dor do desamor.
Uma dor assim como a dor da saudade em noite
de chuva. Uma dor assim como a da solidão em noite chuvosa. Uma dor assim como
a lembrança de um passado beijo, de um abraço de um dia, de uma saudosa
entrega. Quanto mais procura remédio em travesseiro mais a dor dói.
Uma dor assim como a sofrida pela velhice
abandonada, desamparada, entregue à solidão dos dias e das noites. Não é fácil
ao velho suportar o afastamento de todos aqueles que ajudou a criar ou que no
passado com ele conviveram. E agora somente a dor pela ausência e pelo
distanciamento de todos.
Uma dor assim como a das viúvas que pranteiam
seus falecidos pelo resto de suas vidas, e quanto mais choram seus lutos mais
sentem saudades pela separação. De negrume nas vestes, de negrume no peito, de
negrume nos dias. E em tudo a eternidade da dor.
Uma dor assim como a dor do girassol que
procura o sol e não consegue encontrar. E sem o sol que o faça girar em busca
de luz, então o girassol entristece e vai perdendo todo o seu viço e
encantamento. Uma flor com dor, um girassol sem seu sol.
Assim como a dor do João de Barro e sua
forçada decisão de fechar a porta de sua casa de barro e deixar lá dentro
aprisionada sua amada traiçoeira. Tanto trabalho para carregar cada punhado de
barro, construir um lar, e depois encontrar lá dentro outro passarinho. Uma dor
de pássaro, mas dor.
Assim como a dor da saudade, da lembrança, da
relembrança, da nostalgia, da recordação, da viagem da memória em doloroso
reencontro. Dói demais querer, desejar, ter vontade de ter, mas em meio a tudo
a impossibilidade pela ausência, pela distância ou pelo eterno adeus. Dói
demais.
Assim como a dor da menina que perdeu sua
boneca de pano, que perdeu sua panela de barro, que perdeu seu brinquedo
bonito. Assim como a dor do menino que perdeu sua bola de gude, sua baleadeira,
seu cavalo de pau. Uma tristeza tão grande que aparenta a maior dor do mundo.
Assim como a dor sentida pelo menino Zezé
quando cortaram seu pé de janela lima. Aquele que era seu amigo, seu
confidente, seu braço amigo e seu sombreado nos diálogos de todo dia. De
repente, a maldade cortou-lhe pelo tronco e deixou somente a tristeza e a dor
no menino.
Assim como a minha dor quando chega o
anoitecer e o meu candeeiro ilumina minha face sem lua. A luz que sempre me
falta para sorrir, para brincar, para o contentamento, para viver sem dor.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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