SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de novembro de 2017

NO DESALENTO DAS HORAS


*Rangel Alves da Costa


Quem dera poder levar consigo o relógio da felicidade. Nem um só minuto de dor, de angústia, de aflição. Nenhuma passagem que fosse de desalento, de lágrima, de despedida, de um até mais na incerteza da vida e do reencontro. Mas ninguém é dono do tempo. O tempo e as horas carregam seus próprios mistérios, com instantes que somente a eles cabe revelar.
Hora do adeus, hora da despedida, hora da partida, em tudo hora triste. O aceno indesejado, o sinal sempre evitado, o tempo marcando a tristeza da hora. O sino que dobra na igrejinha, o grito perdido no ar, a certeza que a hora chegou. Horas tristes, sofridas, melancólicas, desoladoras desde o primeiro segundo. E as tristezas se avolumando a cada minuto, a cada passar do tempo.
As horas tristes não se resumem ao que é marcado pelo relógio ou que chega no instante exato, mas são sentidas em uma infinidade de situações e momentos. As horas da solidão são tristes e dolorosas, as relembranças e as saudades sempre entristecem os instantes. Naquele afazer do dia, quando o simples ato de abrir um armário ou passar o espanador no porta-retrato, ou mesmo colocar água na planta do caqueiro, não deixa de ser um gesto aflitivo.
Tristes são as horas dos quartos fechados e janelas entreabertas. No silêncio escurecido, na penumbra das quatro paredes, tudo parece chamar o sofrimento. A solidão pelo abandono, a solidão pelo desamor, a solidão pela carência, o mundo que parece caído com a lágrima que molha a face. E os pensamentos, as saudades e a sensação de não poder ter por não possuir ou pela distância, vão se mostrando como horas que desafiam a própria existência.
Para muitos, as horas chuvosas são verdadeiros dilúvios de padecimentos. Com as nuvens se derramando, também todo o ser escorrendo em leito de angústias. Basta sentir os primeiros chuviscos e o espírito começa a nublar, e quando o tempo se fecha escurecendo as paisagens, então sombras tempestuosas tomam conta de todo o ser. E tudo faz doer, desde os pingos escorrendo pela vidraça às flores mortas que vão sendo levadas na enxurrada.
Nos instantes assim, de chuva lá fora e tempestade por dentro, não há lenço que consiga enxugar os sentimentos que afloram. Assim porque os momentos de chuva são pesarosos, carregados de muitas significações aflitivas. O tempo escurecido acende a luz da saudade, da recordação, da vontade de estar ao lado de outra pessoa. Por isso mesmo que tudo parece mais frio, mais temeroso, mais solitário e carente.
Não menos tristes são as horas que chegam com o entardecer e se prolongam nas noites e madrugadas. As cores do por do sol, as revoadas que passam, os matizes avermelhados do horizonte e a cantiga da brisa que chega soprando sem voz, acabam refletindo dolorosamente em muitos seres. São também instantes de reflexões e de recordações, de silêncios que gritam de muitas formas na alma. E quando as cores somem e as sombras da noite avançam, então as nostalgias noturnas começam a atormentar.
As noites chegam com mistérios e encantamentos, mas também com sombras que envolvem os pensamentos. Na noite tudo desperta com mais intensidade, mais profundamente. Na noite o sintoma se torna doença, o temor se transforma em medo, a saudade se transmuda em lágrima, a lágrima em terrível aflição. Não há lua bonita, não há céu estrelado, não silêncio e ventania que amenizem as tristezas que chegam com a noite. Talvez seja pela solidão maior que a pessoa tanto agoniza nos noturnos que sempre chegam.
Os poemas da noite são os mais tristes, até o ato da oração é um instante de solene tristeza. A vela flameja adiante e as mãos em oração invocam luzes para o viver. Os olhos molhados, a boca trêmula, a prece acaba se tornando uma confissão de sofrimento. Mas tão triste também é essa fé que aflige desde o sino que ecoa na igreja. Não há coração que não se inquiete quando o sino dobra. Às vezes anuncia apenas a hora da Ave Maria, mas também um instante triste de despedida.
E como doem as horas de despedida. O adeus a quem tanto ama é momento que se eterniza na saudade e no sofrimento. E enquanto os sinos dobram os lenços se encharcam e a vida se vai um pouco também. E o que resta vai se desfazendo ainda mais a cada hora triste.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição - Poço Redondo/SE



Amor de papel (Poesia)


Amor de papel


Como é que pode
um amor rasgar
como um papel
em resto se tornar

como é que pode
um amor dilacerar
tornado em pedaços
depois de tanto amar

mas se olhar pra trás
é possível enxergar
o amor que já era
apenas resto de amar

uma amor aparente
que ao se revelar
já não era amor
e sim apenas um ficar.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - besteirol entediante


*Rangel Alves da Costa


Não sei mesmo como o mundo televisivo se presta a produzir tanta coisa mentirosa, entediante, um verdadeiro abuso à mínima inteligência humana. Neste sentido, há programa de todo tipo e para todo desgosto. Imaginem só, programas ou séries com homens numa eterna busca ao pé-grande. Séries de longas temporadas com pessoas atrás daquilo que jamais irão encontrar. E ainda tem gente que acredita. Também séries de caça a tesouros inexistentes. Todo programa vai-se se aproximando do grande encontro, mas depois nada. Mil programas sobre discos voadores, et’s, seres sobrenaturais. Mil programas sobre restos mortais e ossadas antigas, como se os mortos do passado tivessem mais importância que os mortos do presente. Séries inteiras com um monte de gente comprando coisas velhas, consertando carros, dizendo besteiras e fazendo maluquices. O pior é que na maioria dos casos, mostrando pessoas que parecem nunca tomar banho, feito a barba nem aprendido falar. Tem até de gente nua em situação de difícil sobrevivência. Quer dizer, dizem que é com gente nua, mas não apresenta nenhuma nudez.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A MELHOR COMIDA


*Rangel Alves da Costa


Continuo achando uma besteira essa conversa de prato requintado para matar a fome. Somente quem já sentiu verdadeira fome sabe o que significa um punhado de farinha ou um pedaço de carne seca. Ou mesmo o que estiver ao alcance e sirva como alimento. Não é uma questão de luxo ou de escolha, é de necessidade mesmo.
Nunca tive frescura com relação a qualquer comida, pois saboreio com gosto aquilo que consigo encontrar na hora da fome. Mas também não passo nem perto de restaurante metido a besta, com cardápio de nomes estrambólicos e preços verdadeiramente aviltantes.
Eu queria entender por que existem pessoas que se sujeitam aos preços de tais restaurantes. Ter dinheiro demais não justifica deixar de usufrui-lo de maneira inteligente. Mostrar luxo, importância e poder, também não justificam padecer diante de um prato de nada e pagar até por ter pisado naquele chão.
Verdade que nos centros urbanos não há mais locais que ofereçam bons pratos a preços justos. Por isso mesmo que as pessoas se empanturram de massas oleosas nas lanchonetes e ambulantes. Como o tempo é curto para seguir até suas casas na hora do almoço e não há como pagar sequer prato feito todos os dias, então acabam se enchendo de óleo nas pastelarias.
Melhor sorte àqueles que procuram as feiras livres e os restaurantes populares para o almoço. Em tais locais ainda é possível comer fartamente, sem regras ou etiquetas, sair satisfeito e não comprometer muito o salário do mês. Mas nada igual a saborear uma comida caseira de mercado ou feira livre, cozida ou assada na hora, e sair com o apetite e o bolso contentes.
Mas na hora da fome é mesmo difícil fazer escolhas, pois a pessoa vai logo desejando tudo que encontrar pela frente. E por isso mesmo incorre no erro de fazer más escolhas. Tendo dinheiro, geralmente deixa de optar pelo trivial, pelo já conhecido, e se arrisca em pratos diferentes. E já aconteceu de ter em sua frente uma sopa rala quando desejava uma carne apetitosa.
Seja como for, a verdade é que evito qualquer comida de rua, seja lanche ou almoço, principalmente em restaurante de luxo. Prefiro passar fome a sentar numa mesa e torcer para que tenha boa aparência o que for servido. Ademais, gosto de cozinhar, de inventar perante o fogão, mas tudo à base de coisas simples.
Aliás, nunca tive exigências a respeito dos pratos mais costumeiros. Tem gente que não come fígado de jeito nenhum, outros evitam ao máximo carne de porco cozida ou assada. Alguns até viram o rosto diante de uma panelada de sarapatel, enquanto outros sentem nojo por mocotó. Tudo questão de gosto, que bem poderia ser posta à prova com a barriga vazia e sem outra opção.
Sendo comida já conhecida, para mim tanto faz que seja frita ou assada, ao forno, ao fogão de lenha ou no vapor. Gosto de bife, lombo, carne assada, refogado, moído, de qualquer jeito. Aprecio a carne de porco, de boi, de carneiro e ovelha. Gosto também dos miúdos do frango, da buchada, do fígado, daquelas partes que antigamente apenas os escravos se serviam como precioso alimento.
Saboreio com gostosura salsicha com ovos, formando uma farinha. O ovo é bom de qualquer jeito, diga-se de passagem. Sardinha em lata, mortadela, linguiça, tudo é gostosamente apreciado. Não há nada melhor que um cuscuzinho com tripa de porco por cima ou mesmo com ovos e manteiga espalhada. Resto de comida de ontem também ser como reinvenção, surgindo porções deliciosas.
A comida não deve ser vista como uma questão de escolha, mas de necessidade. E comer bem é escolher aquilo que realmente sacie a fome, sem que necessariamente seja de prato caro. As comidas caseiras, aquelas de cozinha, superam quaisquer outras que possam existir. No seu preparo, a certeza do que vai ingerir e o sabor de fome que a pessoa vai acrescentar.
Depois é só escolher suco de cajá ou de mangaba. E ao final um pedaço de goiabada para confirmar a doçura da boca.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Curralinho, povoação ribeirinha em Poço Redondo/SE





Além do silêncio (Poesia)


Além do silêncio


Troco meu silêncio
por qualquer palavra
que seja de amor
e que além de voz
seja confissão
e que além de som
ecoe o coração

ou palavra sem voz
pronunciada no lábio
que apenas tremula
querendo falar
o verbo do beijo
querendo ouvir
a voz do desejo.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o que se leva da vida


*Rangel Alves da Costa


Sim, após a morte da vida realmente não se leva nada material. Contudo, o que se leva junto ao nome vai dizer do quanto a pessoa deixou e também o que lhe será resguardado para a posteridade. Da vida não se leva o luxo, o egoísmo, a arrogância, a vaidade, a conta bancária, o carro importado. Mas se leva (e deixa) a moldura da importância enquanto viveu. Daí que poderá ser esquecido no instante seguinte ou nunca mais. Daí que se terá sua duração no espaço-tempo e seu reconhecimento futuro, ainda que não mais exista entre os vivos. Então se indaga qual a duração de uma saudade de uma pessoa honrada, querida, amada. Então se questiona quanto dura na memória aquele que foi abnegado em vida, que lutou, que fez, que construiu. Então se pergunta qual o tempo de existência em reconhecimento e valorização daquele que existiu de forma humanitária e piedosa. A verdade é que nem relembra aquele que não deixou uma boa memória. Ninguém sente saudade por muito tempo daquele que não dignificou sua existiu. Desse modo, é o fazer na terra que imortaliza o ser.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

terça-feira, 28 de novembro de 2017

BICHO FEIO, O JAGUNÇO


*Rangel Alves da Costa


Depois de limpar a espingarda de cano duplo, arma já desgastada de tanto derrubar gente, o jagunço passou a língua por cima de uma palha de milho, espalhou um pouco de fumo picado, ajeitou o cigarro nos beiços, juntou tudo no cuspe, e começou a baforar depois de aceso. E no seu pensamento:
“Coroné acha que a gente é bicho, num é gente não. Dá uma orde e adespois cospe no chão e dizeno que em tanto tempo quer o seuviço já feito, cuma se matar gente fosse como atirar pedra em passarim. Tô cansado dessa vida matadera...”.
O próprio Bicho Feio, cujo primeiro nome de batismo era Menelau, achava-se um asqueroso naquele serviço de matar gente que tanto fazia. Desde novo que outra coisa não fazia senão tocaiar, emboscar, derrubar gente. Já se sentia envelhecido e queria ter outra vida, poder ter uma velhice - acaso a ela chegasse - mais desaperreada. Mas as circunstâncias da vida foram lhe afiando cada vez mais o gatilho.
“Guento mais não. Num sei nem mais o que é vida. Num tenho famia, num tenho amigo, num tenho sequer um pedacinho de chão. Certamente num vô tem nem quano morrer. Quano muito uma cova rasa cum uma cruz pra descanso de urubu. Mai tomem pru merecimento meu. Quantas vidas eu já deixei estrebuchada no meio do tempo, na morte largada pra ser comida de carcará, gavião e arubu?”.
Bicho Feio dizia a verdade sobre si mesmo. Mais de vinte anos matando gente a mando do Coronel Pafôncio Limoeiro e sem jamais ter juntado qualquer dinheiro que dissesse que era seu. Comia do que era dado, dormia por cima de cama dura em verdadeira senzala da pistolagem. Era como se fosse um bicho criado para a serventia do mal. O pior é que ele mesmo sabia o destino daquele que se desgarrasse dessa vida. Morte certa.
“Vida de arubu. Isso sim. Um carcará, um gavião. Isso sim. Viver do sangue dos outo e adespois nem ter vida pra viver. Isso é vida não. Mardito o dia que puxei o primeiro gatio, mardito o dia que eu fiz a arma cuspir fogo pelas venta. O pior é que fui acostumano, feito um mardito desgramado, a puxar gatio mais gatio, a soprar no cano da arma adespois de o seuviço feito. Coisa de arubu. Pelo mado dos outo, puxar o gatio, pipocar fogo e adespois revirar o baleado pra ver se a morte matada tava matada mermo. Faço isso mai não, de jeito nenhum. Coroné pode até me matar, mas um mando desse num faço mai de jeito nenhum...”.
Em seguida se levantou e foi em direção ao casarão do coronel. Estava estranho demais, nervoso, afobado, porém triste. E numa tristeza jamais vista naquele seu semblante impassível e duro, naquele seu olhar sempre petrificado e sem luz. Parou um pouco dos lados da entrada, cuidou de preparar outro cigarro e se ajeitou por detrás do tronco de um tamarineiro. Fumava e cavoucava o chão como cavalo arreliento. Puxava uma arma, cuspia no cano, limpava nos panos da roupa suja, depois guardava para fazer o mesmo com a outra. Teria enlouquecido?
Então saiu de onde estava, deu alguns passos adiante, mirou a direção da entrada do casarão e seguiu. Contudo, imediatamente recuou quando avistou uma sombra passando do outro lado, esgueirando-se pelo oito do casarão. Deu meia volta, segurou nas mãos as duas armas, lançou seu olhar de predador e avistou um jagunço do coronel inimigo de seu patrão, forçando um cano de arma por uma fresta na janela. E ali era a sala onde seu patrão costumava ficar bebericando e tramando maldades. E ele ia ser morto se não fizesse alguma coisa.
Então Bicho Feio levantou a arma. Mirou na direção do afoito matador, já ia apertar o gatilho quando pensou: “Ora, se eu ia matar o coroné, e outro veio fazer o mermo. entonce deixe que ele derrube a cobra veia”. Mas já no outro segundo, seu dedo puxou o gatilho e acertou em cheio o desaforado jagunço. Num berro, o tiro certeiro, o corpo ensanguentado ao chão. Não havia outra coisa a fazer. Honra de matador que, mesmo odiando o seu patrão, ainda assim continuava o seu jagunço.
Sina de jagunço é triste. Viver da morte. Morrer no ofício e sina. Sem recuo, sem tempo para se redimir.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

Lá no meu sertão...


Rangel Alves da Costa - Retrato


Meu zóio só quer chorar (Poesia)


Meu zóio só quer chorar


Meu zóio
só quer chorá
sentiu sordade
vai se moiá

meu zoim
assim não
tire o retrato
do coração
sofra não

chore não
meu zóio
chore não
meu zoim
sofra não

sei que dói
dor assim
mai chore não
meu zoim...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - “Se é pra chorar eu choro...”


*Rangel Alves da Costa


“SE É PRA CHORAR EU CHORO...” - Neste aspecto, faço o mesmo que o cantado por Unha Pintada, Devinho Novaes e tantos outros: “Se é pra chorar eu choro, mas choro sozinho embaixo do chuveiro. Ninguém viu e nem vai ver o desespero, saiba que esse gosto eu nunca vou te dar. Se é pra chorar eu choro, quem me vê na rua diz que eu sou de aço. Ninguém sonha a metade do que eu passo, é questão de tempo eu sei que vai passar. Se é pra chorar eu choro...”. Ou ainda como o saudoso e bom Raul Seixas: “Quando quer chorar vai ao banheiro...”. Eu choro sim, e muito. A única diferença é que não corro de onde estou para me esconder no banheiro. Também não silencio o soluço nem uso lenços para fingir. Aonde chega a vontade de chorar, será aí que eu serei rio e serei mar. Choro e choro muito em qualquer lugar. Deixo mares e oceanos escorrerem em qualquer lugar. Abro as comportas dos meus olhos seja no banheiro, no quarto da solidão, no meio da multidão, em qualquer lugar. Não finjo tristezas, não nego aflições, não uso óculos de sol para esconder as nuvens de chuva no olhar. Nada guardo ou represo dentro de mim que cause mais dor que a dor da saudade, que causa mais aflição que a aflição de uma ausência, que cause mais angústia que a angústia do abandono. Jamais me atormentarei por que a lágrima clama por se derramar e eu, fingindo ser forte, simplesmente nego meus sentimentos. Não. De jeito nenhum. Se é pra chorar eu choro...


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

DEPOIS DO RIACHINHO (OUTRO VIVER EM POÇO REDONDO)


*Rangel Alves da Costa


Recordo-me muito bem da casinha de barro do outro lado do Jacaré, o riacho agora feio e triste que entrecorta a cidade de Poço Redondo e descamba pelas bandas do Velho Chico. Pois bem. Do outro lado do riachinho havia outro Poço Redondo.
Sim, um Poço Redondo roceiro, matuto, trabalhador, vaqueiro, empobrecido, valente, humilde, campesino de tez lanhada de sol. Após a passagem do riachinho, subindo pelos carrascais do entorno, tanta gente e tanta história que somente os cadernos do tempo para fazer recordar.
Caminho certeiro para o Alto de João Paulo, do lado direito de quem segue da cidade, como uma divisa de afazeres diferenciados. Havia o roçado de Delino e mais adiante o roçado frutífero de Luís Doce. Também um irmão de Delino mantinha casa de barro batido ao lado de Luís Doce.
Este, um sertanejo tão autêntico que quase não arribava o pé de seu terreno. Talvez pelo ciúme que tinha dos cajueiros que pendiam ao lado de sua casinha, e um ciúme maior do que tinha por sua fiel Marieta. Queria ver um cabra virado na gota, zangado de cuspir fogo, bastava ser flagrado debaixo ou pelos arredores de seus cajueiros.
Mas não tinha jeito. Ora, o principal campo de futebol da cidade era ali, bem em frente à malhada de sua casa, chamado até de Luisão. Dizem até que um dia Toinho de Lídia deu um chute tão forte que a bola furou a trave, derrubou a porta, entrou na casa e levou ao chão uma moringa e um pote. E acabou em cima da cuia onde Luís Doce comia uma banda de cuscuz seco.
O jogo acabou na hora. Bastou o facão tinir e todo mundo correu pelas bandas do riachinho. Foi quando Brucuté atravessou uma cerca de arame de um pulo só e foi parar no Alto, pensando que seguia em direção à cidade. Se é realmente verdade eu não sei. Só sei que dizem que foi assim.
Mas a verdade é que uma rapaziada seguia até lá exclusivamente para afanar cajus, mesmo verdosos. Furtados os cajus, desciam pelas barrancas do riachinho e iam tomar Serra Grande e Pitu no conforto das cacimbas que se formavam por todo o leito. Quando o riacho botava cheia então era uma festa. Um tempo que Luís Doce só faltava endoidar.
Mas falando da outra banda, no outro lado da estrada, apenas pequenas propriedades e uma ou outra casinha empobrecida no meio do mato. Era aí o mundo de uma linhagem poço-redondense: Remígio, Zé Dutra, Birrinho, etc. E um fato tristemente curioso com relação ao patriarca Remígio.
Naqueles idos, sempre que falavam em pobreza, em absoluta carência, em necessidade e dificuldade até com o mínimo de sobrevivência, sempre se dizia que era “pobre igual a Remígio”. Era pobre sim, como a maioria dos sertanejos. Era carente sim, como grande parte do poço-redondense que vivia nos escondidos de sua casinha no meio do mato. Mas não para se chegar à exemplificação do homem como o de maior pobreza do mundo.
Quantas vezes, ouvindo tais dizeres, eu ficava (em tempos de cheia do riachinho), por riba das pedras grandes olhando em direção à casinha. Uma tapera de barro, um barro se esvaindo no tempo, um viver realmente triste de se avistar. Mas apenas um viver sertanejo.
Uma fumaça negra subia. O fumo cheirava a toucinho. Mas em muito lugar também era assim. Por ali e mais adiante, apenas casebres, pobrezas, fumaças subindo, fumos cheirando a toucinho. Apenas um viver sertanejo.
Enquanto isso, por dentro das águas do riachinho, eu e a rapaziada apenas sorrindo, apenas brincando, comendo, bebendo. E logo ao lado, um pouco mais acima, aquele outro viver sertanejo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Memorial Alcino Alves Costa - Poço Redondo/SE



Do amor um tiquinho (Poesia)


Do amor um tiquinho


Quero um tiquinho
pouquinho de tudo
que você tiver
mas prefiro dengo
prefiro cafuné
um beijo cheiroso
lábio de café
e me chamar amor
e ser minha mulher

quero apenas isso
tiquinho de tudo
que você me der
e me dê amor
oh minha mulher.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o presidente, a doença e a ambição do poder


*Rangel Alves da Costa


Não duvidem que o atual presidente brasileiro prefira morrer a deixar o poder. E muitas provas dessa ambição desmedida já foram dadas. O afundamento do Brasil, com milhões e milhões que são pagos a deputados para a rejeição das denúncias, comprovam que o mandante não possui nenhuma medida. Com a política maquiavélica de os fins justificarem os meios, para ele tanto faz que o país vá afundando cada vez mais. Prova ainda mais contundente está no seu enfrentamento do difícil estado de saúde. De vez em quando a imprensa noticia a sua internação de urgência e passando até por procedimentos cirúrgicos. Certamente os médicos lhe recomendam repouso e até afastamento de suas funções. Porém sabem que não adianta. Temer age igual aquele que numa situação de desespero não procura primeiro se salvar, mas puxar a mão de todo aquele que estiver adiante para lança-lo ao abismo. É a ambição de poder que cega, que enlouquece e que o deixa totalmente insano. Certamente diz a si mesmo que morro mas não saio daqui, que afundo tudo e depois fico sorrindo sozinho da desgraça de toda a população brasileira.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

domingo, 26 de novembro de 2017

TANTO E TODO SEXO


*Rangel Alves da Costa


Nos templos sagrados, pelas sacristias, nos monumentos antigos, nas entranhas, paredes e portais de colossais construções, até mesmo em sarcófagos, em tudo uma desmedida arte sexual.
Todas as posições sexuais, das mais singelas às mais bizarras, das mais rotineiras às mais esdrúxulas, talhadas, pintadas ou desenhadas em cavernas, em grandiosidades arquitetônicas da antiguidade, em mosteiros, em palácios e santuários.
Livros, revistas, manuscritos, códigos, manuais, guias, páginas e mais páginas não só contendo o sexo em todas as formas como descrevendo as conveniências e os entraves de cada posição do ato amoroso, ou do verdadeiro embate entre corpos sedentos ou forçados aos prazeres.
Prostitutas, moças, rainhas, princesas, mulheres casadas, amantes, meretrizes de luxo, tudo numa imensa listagem daquelas que fama fizeram pelos seus dotes sexuais, modos de agir profissionalmente ou seus casos amorosos de alcovas e escondidos.
Bacanais da nobreza, festins da carne pelos imensos salões, surubas descomunais, orgias estarrecedoras, perversões de toda ordem, um mundo de reis, rainhas e burgueses, e até religiosos, numa só depravação. O sexo pelo sexo, apenas. O prazer pelo prazer, apenas.
O Kama Sutra ilustra bem essa aptidão desenfreada ao sexo. Este famoso livro sobre o desejo e a propensão humana ao sexo, tornou-se manual de libertinagem pela detalhada ilustração contendo múltiplas posições sexuais. Mas o que horroriza a muitos, apenas uma normalidade rotineira muito além dos bordéis.
Os bordéis, aliás, sequer se comparam aos demais quartos e locais de prazer. As aptidões e as ofertas das prostitutas, por serem quase como ritualísticas de posição a posição, são até inocentes demais perante o que celibatários e conservadores costumavam fazer nos seus escondidos. Se assim com os ditos castos, impossível de se imaginar entre os verdadeiros depravados.
A história testemunha a depravação absoluta de classes tão poderosas como famintas por sexo. Messalina não escondeu de ninguém sua devassidão. Rainhas poderosas somente eram felizes por causa de seus inúmeros amantes, e muitas vezes se entregando sem constrangimento algum perante a realeza. Ora, nos festins reais, tanto se comia da mesa como de debaixo das roupas.
A verdade é que o sexo causou guerras, derrubou impérios, enlouqueceu reis e rainhas, burgueses e nobres, sacerdotes e serviçais. Os haréns comprovam o tamanho da sede e da fome perante as carnes novas e escolhidas entre as que desejassem. As escadarias dos templos sagrados serviam como pontos para o comércio do sexo, e aquelas mulheres vistas até como prometidas dos deuses.
Está, pois, no percurso da história do sexo, a demonstração maior de que, ao menos com relação ao prazer da carne, nunca houve um período característico ou diferenciado do outro, apenas numa sequência de aprimoramento daquilo que é desejado desde os primórdios. Quer dizer, o sexo sempre esteve em máxima evidência em todo tempo e era.
Portanto, termos como prostituição, erotismo, pornografia, libertinagem, devassidão, meretrício, bacanal, orgia, depravação, vagabundagem, corrupção da carne, fornicação, luxúria, pecado, adultério, lascívia, sempre estiveram em alta na história. E quanto mais o sentido apelativo do sexo mais a afluência das pessoas.
Significa dizer, por fim, que o que se tem hoje como explosão sexual ou quase uma geral liberalização do prazer carnal, nada mais é que um percurso que se prolonga desde os tempos mais antigos. Ora, o sentido do sexo é o mesmo. Ainda que se fale em libertinagem, nada comparável ao que já estava talhado nos templos e desenhado naquele famoso livro de posições sexuais, o Kama Sutra.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Em breve mais um presente para a cultura de Poço Redondo: Sala Arte da Terra do Memorial Alcino Alves Costa. Já finalizada a instalação de móveis, estantes e expositores, neste momento o Memorial necessita de colaboração para a aquisição das vidraças que protegerão as obras dos escritores, artesões e demais artistas de Poço Redondo. Colabore com o Memorial, seja um patrocinador da cultura sertaneja!





Flores de plástico (Poesia)


Flores de plástico


Minha janela se fechou de vez
não traga sementes de ilusões
pois jardim não possuo mais
pelos canteiros apenas o nada
como nada florescia na ilusão
de sementes desesperançadas

perante o meu olhar de agora
apenas duas flores de plástico
pingo duas lágrimas a cada noite
e elas amanhecem chorando
até que o sol entre pela fresta
e resseque de vez nossas vidas.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – o doce silêncio da noite


*Rangel Alves da Costa


Certamente que há dias que a noite mais parece de lobos, de gatos no telhado, de gritos e gemidos, de pavores e temores. Noites onde as saudades e os tormentos tornam o ser humano verdadeiramente agonizante. Noites em claro, aflitivas, angustiadas. Contudo, outras noites são de intensa e real poesia, são de plangências e canções, são de coros angelicais pulsando na alma. Benditas as noites assim. Noites que descem como véu singelo e afetuoso desde o entardecer. Noites que se derramam em lua e flor, em afagos estrelados e carícias espirituais. Noites docemente meditativas, reflexivas, onde os pensamentos se contentam na brandura do que se quer recordar. Nada aflige, nada faz agonizar, nada submete o ser às angústias da escuridão. E em tudo parecendo haver um noturno para valsa e piano, uma sonata, um prelúdio. A chuva caindo apenas acentua o sentimento, a lua bonita apenas emoldura uma boa recordação, até mesmo os velhos e retratos e fotografias parecem sorrir ao invés de angustiar. Sim, existem noites assim. Noites de silêncios e ternuras, de luas no olhar, na face, bem dentro do coração.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

sábado, 25 de novembro de 2017

OS DISFARCES DO PRECONCEITO


*Rangel Alves da Costa


É no próprio contexto da definição de preconceito onde se encontram as provas de sua disseminação por todo lugar, perante as pessoas e meios. Tem-se, assim, que o preconceito expõe-se e expande-se abertamente, através de palavras, gestos e atitudes, mas principalmente através de sutilezas e múltiplos disfarces.
Por definição, preconceito é qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico. É o sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio. É um juízo pré-concebido, que se manifesta numa atitude discriminatória perante pessoas, crenças, sentimentos e tendências de comportamento. É ainda uma ideia formada antecipadamente e que não tem fundamento crítico ou lógico.
Muitos outros conceitos, definições e significados, poderiam ser dados com relação a preconceito. Mas em todos, invariavelmente, sempre a noção de repulsa, de não aceitação, de negação do outro. Então, o que sempre se tem é uma crítica pessoal acerca do outro, seja na sua roupa, na sua opção sexual, na sua cor, na sua religião, no seu jeito de ser e conviver. Basta que alguém confronte uma idealização ou uma concepção, então já se terá o preconceito.
Diz-se muito do preconceito de raça e de credo. O evangélico tem aversão ao católico, o católico sente repulsa ao umbandista, o ateu execra todas as religiões, apenas para servir de exemplo. O negro é evitado pelo branco, o branco é negado pelo negro. Alongando a exemplificação, não raro que rico não goste de pobre, moradores de áreas nobres não gostem de favelados, vaidosos e egoístas não gostem da humildade e da simplicidade. E mais um rol infinito de situações onde o preconceito é percebido, ainda que não totalmente visível.
Contudo, o que dizer do preconceito no olhar, na palavra dissimulada, no forçado convívio social? O que dizer da ação supostamente despretensiosa, mas que carrega em si forte dose de desfazimento do outro? O que dizer das relações que se dão entre forças superiores e inferiores, onde os níveis ou classes sociais pontuam as formas de tratamento? O que dizer das amizades baseadas na pretensão de um sobre outro, onde o menos favorecido economicamente é visto como servil?
Ademais, não adianta dizer que respeita o outro que seja desta ou daquela religião, que possua esta ou aquela cor, que tenha esta ou aquela origem. Nada disso tem valia se no íntimo da pessoa existe uma concepção bem diferenciada de tudo isso. Ora, existem pessoas que não dizem – ou juram de morte que não são assim -, mas que não suportam sequer ter uma mão de um “dito” inferior estendida em sua direção. Relatos existem de políticos que simplesmente levam álcool nos seus veículos para a limpeza das mãos após o contato com seus eleitores empobrecidos.
As pessoas não dizem, sempre se negam a dizer ou demonstrar, mas no fundo da alma há muito mais preconceito do que imagina qualquer vã filosofia. O que se vê é um monte de demagogos, de interesseiros e ambiciosos, que forjam sentimentos para tirar proveito de pessoas e situações. Ama o eleitor, adora o eleitor, sente saudade do eleitor, procura o eleitor, mas somente nas proximidades das eleições. Passado o pleito e por muito tempo, o adeus, o esquecimento. Por que assim acontece? Ora, a política não gosta de povo além daquilo que este, enquanto votante, possa servir a seus propósitos de poder e mando.
Outro exemplo claro do preconceito disfarçado, e desta vez de humanitarismo, está presente nos hospitais, nos postos de atendimentos, nos prontos-socorros. Relatos existem de tratamentos desumanos e até bestiais de enfermeiros e médicos contra pacientes indefesos e seus familiares aflitos. Aqueles que deveriam cuidar da vida, prestar socorro com paciência e zelo, de repente se transformam em algozes, em bárbaros, onde pessoas entre a vida e morte são tratadas como bichos de tanto faz. Um preconceito contra a doença, o doente, o necessitado, como se aquela vítima ou paciente fosse um estorvo, um fardo que não mereça um olhar verdadeiramente humano.
No meio social, dificilmente se encontra aquele que tem o outro como verdadeiro irmão, que o trata com carinho puro, com o afeto mais profundo que possa existir. Não é fácil avistar aquele que abraça o pobre como se tivesse abraçando a um pai ou a um filho, aquele que se revela amigo com suas feições mais positivas. Basta ter como exemplo a seguinte situação. Mesmo perante velhos e bons amigos de infância, quantos não os tornam como que esquecidos e vão atrás de estender a mão a poderosos desconhecidos? Juntos, o preconceito e a desonestidade moral.
Diga-se, por fim, que a cachorrinha de raça da madama não pode sequer passar perto de mendigo de calçada. A Luluzinha pode pegar doença de pobre: infecção, sujeira, imundície, pobreza mesmo. Mas a madama é a mesma que tudo faz para fingir seu arraigado preconceito. Faz parte de uma liga qualquer de assistência aos desvalidos e empobrecidos.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...



Dela...


Amor Eclesiastes (Poesia)


Amor Eclesiastes


Todo amor
é um amor Eclesiastes
um amor de idas
um amor de retornos
um amor de alegrias
um amor de sofrimentos

e na doçura do amor
também o sal da discórdia
e no contentamento da alma
também a angústia do ciúme
e no sorriso do coração
também o pranto e a lágrima

nada apenas contentamento
tudo em ciclos existenciais
pois amor tão belo e cativante
para a ira se apossar num instante.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – moringa


*Rangel Alves da Costa


Caminhando pelas estradas do meu sertão, de vez em quando ainda avisto uma moringa no umbral das janelas. Tem gente que faz assim, que deixa a moringa refrescando na janela para o caso de um caminhante passar e deseje um pouco d’água. Gente de coração bom, gente que não nega afastar a sede do próximo, ainda que tantas vezes desconhecido. Outras vezes, porém, a quartinha de barro adormece e amanhece à janela para que a família possa beber uma água fresquinha e doce. Com efeito, não há água melhor que a da moringa, dormida na aragem da noite e madrugada, e amanhecida como se numa geladeira estivesse. E mais gostosa ainda depois do calor e da luta do dia. E muito mais gostosa se tomada após experimentar um taquinho de doce ou de cocada. Comer da cocada do tacho, fartar-se no coco açucarado, e depois encher a caneca de alumínio de água doce. E quem sabe, após tudo isso, poder deitar numa rede de varanda, de alpendre ou debaixo de pé de pau. Eita vida boa, meu Deus!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

QUANDO A SAUDADE CHEGA


*Rangel Alves da Costa


A saudade é sentimento dos mais estranhos. Também dos mais exigentes. A saudade não vem a qualquer hora nem em qualquer lugar. Nem tudo provoca saudade. Ela exige motivação e ambientação para acontecer. É sempre romântica, nostálgica, cautelosa demais. Gosta de aparecer junto com o pôr do sol, debaixo do clarão da lua, em instantes de chuva, assim que ecoa uma canção antiga. Também gosta de ser provocada. Parece adorar quando a pessoa vai em busca de velharias, de baús, retalhos e velhos recortes dos tempos idos. Nada lhe atiça mais que um retrato de pessoa amada, uma carta de amor, uma visão ou perfume que produza aquele tão conhecido e doloroso sentimento de querer de novo.
Tudo isso provoca saudade e disso ela se alimenta. Alimenta-se ainda da solidão, das casualidades da vida, das pequenas coisas que fazem relembrar. Gosta de ter um lenço ao lado, uma vela para ser acesa, um copo de bebida, uma taça de vinho, mas também três a cinco gotas de veneno. Por que ela também é devastadora. O dia inteiro ela se transmuda em sorriso, alegria, contentamento. Parece mesmo esperar o momento exato para reaparecer e agir. E sem querer, muitas vezes apenas porque ouviu a onda quebrando no cais, a pessoa começa a recordar e a sofrer. Então a saudade sorri, mas um sorriso dissimulado e frio. E também devastador.
A saudade é pássaro, é passo, é vento soprando. Possui asas, vai e volta em instantâneos voos. Num instante e já está trazendo no seu bico um bilhete que faz atormentar ainda mais. Com poder próprio de ação, de comando de vida e destino, ela abre a janela, escancara a porta, e segue adiante em correria. Não se incomoda com curvas, desafios ou perigos, pois sobe da terra e alcança as nuvens. O pensamento é seu caminho mais certeiro, aquele por onde trafegam as vontades, os desejos, as necessidades da alma. Basta pensar e já se está caminhando. Basta imaginar e já se está diante da pessoa que se deseja reencontrar. No encontro a desilusão, eis que mesmo tendo voz de súplica, a saudade não consegue transportar o outro até a presença de quem tanto entristece pela distância.
Talvez esta seja sua maior falha: sente necessidade de ter bem ao lado, de usufruir, de se dar, e por isso mesmo se apressa em direção ao desejo, mas não pode transportar fisicamente a pessoa desejada. E a certeza de ter avistado na mente, a certeza de ter conseguido estar face a face, bem como a certeza que o reencontro fortaleceu ainda mais o amor sentido, são as consequências mais dolorosas provocadas pela saudade. A mente avista, o corpo sente, parece que está à presença, tudo se transforma em possibilidade, mas apenas a ilusão que conflagra e devora. Sofre, chora, se aflige, se atormenta, mas nunca desiste, pois toda grande saudade sempre retorna, e tantas vezes mais forte que a pessoas chega às portas do ensandecimento. E como vento vai, ganha asas novamente pelo ar e faz surgir da aflição uma velha cantiga de amor.
A saudade é tão ardilosa quanto estrategista. Se oculta, mantem-se escondida, foge de situações para reaparecer em outros contextos. Sempre silenciosa, premeditadamente soturna, só fala intimamente e muitas vezes chegar a gritar o mais alto dos gritos. Talvez com poderes mágicos, acaba conduzindo a pessoa para ambientes propícios a desvelar seus mistérios. Abre a porta do quarto sem se preocupar em acender a luz e simplesmente diz: agora sinta toda saudade guardada no peito, incontida na alma, revelada no teu coração que desespera por tanto esperar qualquer reencontro.
E no silêncio do quarto escuro, em meio a mais aflitiva das solidões, novamente faz surgir a sua silenciosa voz: agora reencontre na mente o que deseja, vá buscar no pensamento aquilo que lhe faz tanta falta, e não veja distância naquilo que pode ter agora ao teu lado. E vai fazendo com que a pessoa relembre a face do amor distante, traga ao pensamento os laços familiares que já estão em outra dimensão, relembre momentos e situações e tenha necessidade de ter tudo de volta, ao menos por alguns instantes. E não para por aí. Abre a janela para as cores do entardecer sejam avistadas, para que a poesia da noite recaia em versos, para que a chuva molhe o rosto e se misture às lágrimas. Depois de atormentar a alma, de afligir todo o ser, simplesmente vai embora.
Vai embora, a saudade vai embora, mas não sem antes deixar um rastro de agruras e sofrimentos. Sempre deixa para trás um lenço molhado, um olhar vazio, um coração fragilizado. Mas depois retorna. Espera somente o lenço enxugar para depois retornar.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


No sertão...



Além da estrada


Além da estrada


Deu-me as mãos e comigo seguiu
pela estrada da tarde sublime
ao meu lado deitou sobre a relva
e ouviu mil palavras de amor

e as folhas da relva cantaram
uma velha canção de tanta poesia
e a doce brisa chegou perfumada
emoldurando um retrato em magia

quando a luz da noite se espalhou
sobre nós a lua desceu ofegante
e declamou o seu verso de corpo
e resplandeceu seu prazer de amante.
  

Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – tomando atitudes


*Rangel Alves da Costa


Sempre será preciso tomar atitudes. Muitas vezes, fatos e situações existem que vão postergando a resolução de problemas. E assim, o que se tem de ser logo decidido sempre vai ficando pra depois. E tudo se acumulando, se agravando, ganhando proporções não desejadas. De repente, quando já não se suporta mais, então surge o grito como última salvação. Por que não fez antes, por que não tomou uma atitude logo que o problema surgiu? Ocorre muito isso em situações pessoais, familiares e amorosas. Imaginando que a qualquer instante, como num passe de mágica, tudo será resolvido, então a pessoa vai deixando e deixando pra depois. Mas depois poderá ser tarde demais. E quando já é tarde demais, toda e qualquer atitude tomada já será dolorosa demais. E tantas um fim. Coisa de cortar coração.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A DATA DA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE POÇO REDONDO (AINDA ESTÁ EM DÚVIDA?)


*Rangel Alves da Costa


Desde o ano de 1990, a partir da promulgação da Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, que uma verdadeira celeuma passou a ser gerada pela indefinição da real data da emancipação política do município.
Com efeito, a lei municipal entrou em clara contradição com a legislação estadual. E cuja afronta acabou provocando debates acirrados, os quais ainda persistem ao se aproximar a data comemorativa da criação do município, desmembrado que foi de Porto da Folha no ano de 1953. A dúvida é se a emancipou ocorreu a 23 de novembro de 1953, como quer constar da lei municipal, ou a 25 de novembro de 1953, conforme preceituado na lei estadual.
Mas nada difícil de ser resolvido. Neste sentido - mesmo por que não tem o poder de revogar a lei estadual - a lei orgânica do município não revoga, altera ou dispõe em contrário da letra da lei emancipatória. Ora, o que faz é somente dizer que o dia 23 de novembro é feriado municipal em comemoração à sua emancipação política.
Não preceitua, por exemplo, que a data constante da Lei Estadual nº 525-A de 25 de novembro de 1953 foi revogada para doravante constar a data 23 de novembro de 1953 como a real e efetiva data da emancipação poço-redondense. Consta somente que o feriado da emancipação política comemora-se em 23 de novembro de cada ano.
Do mesmo modo, em nada implicaria em mudança da lei estadual se a lei municipal dissesse que o feriado da emancipação política seria dia 20, 21, 22, 24 ou 26. Ora, nada mudaria por que a lei cita expressamente a data do feriado e não da criação do município, que efetivamente se deu através da Lei Estadual nº 525-A de 25 de novembro de 1953. E a lei é clara: dia 25 de novembro.
E dia 25 de novembro como data comemorativa (que não se confunde com data de feriado, pois esta poder ser mudada a qualquer instante e através de ato simples do poder público ou de entidade) de emancipação política não só de Poço Redondo como de Monte Alegre de Sergipe, de Carira, Barra dos Coqueiros, Pacatuba, Umbaúba, Poço Verde, Tomar do Geru, Itabi, Malhador, Pedrinhas e Canindé do São Francisco (então Curituba), dentre outros.
Saliente-se, pois, que a Lei Orgânica de Poço Redondo, ao citar no seu Capítulo II, art. 15, que a emancipação política do município se comemora a cada dia 23 de novembro, não diz que a emancipação se deu no dia 23 de novembro. A não ser por erro de digitação, seria verdadeiro absurdo, até mesmo por que na ocasião de sua elaboração não foi apresentado nenhum dispositivo para modificar o disposto na lei estadual. Até por que barraria na inconstitucionalidade e na ilegalidade.
Ademais, nenhuma lei orgânica municipal pode infringir a Constituição Federal, as leis federais e as leis estaduais em relação a determinadas matérias, ainda que seja respeitada a autonomia municipal para legislar sobre determinados assuntos. Por outro lado, revogar lei estadual, de âmbito geral e relativo a demais municípios, para modificar uma situação específica (mudar a data da emancipação) não somente seria inconstitucional como ilegal.
O que se tem como legalmente estabelecido é que o município de Poço Redondo foi emancipado a 25 de novembro de 1953. É assim que consta no histórico fornecido pelo IBGE: “Formação Administrativa - Elevado à categoria de município e distrito com a denominação de Poço Redondo, pela lei estadual nº 525-A, de 25-11-1953, desmembrado do município de Pôrto da Folha. Sede no atual distrito de Poço Redondo”. (https://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?codmun=280540).
Contudo, ante a celeuma criada nas datas antes e pós-surgimento da Lei Orgânica, o saudoso pesquisador e historiador Alcino Alves Costa, ex-prefeito do município por três vezes, em artigo publicado no Jornal da Cidade (26/02/2010), intitulado "Poço Redondo desconhece a data da sua emancipação", procura provar que a data deve ser comemorada a 25 de novembro. E expõe sua convicção nos seguintes termos:
"É inacreditável e inaceitável que um município em qualquer parte do Brasil e do mundo não saiba a data exata de sua emancipação. Pois é, leitor amigo, Poço Redondo não sabe. A dúvida persiste desde muitos anos. O município de Poço Redondo foi emancipado em 23 de novembro ou 25 de novembro de 1953?
Teimo em afirmar e reafirmar, respaldado pelos documentos da época, inclusive a Lei que emancipou 19 municípios e dentro deles, o nosso Poço Redondo, que a data correta é aquela de 25 de novembro de 1953. Mas, infelizmente, as autoridades de agora e de antes não aceitam essa verdade cristalina e absoluta.
O impasse continua. Poço Redondo foi emancipado através da Lei nº 525-A de 25 de novembro de 1953, ou 23 de novembro de 1953? Qual a Lei mais forte? A do Estado ou a do Município?
No Diário Oficial de Sergipe, datado de 10 de dezembro de 1953, está escrito e registrado com todas as letras:
Lei nº 525-A – De 25 de Novembro de 1953
Dá nova redação ao Capítulo I, da lei nº 118, de 29-12-1948 (Lei Orgânica dos Municípios), e dá outras providências.
O Governador do Estado de Sergipe:
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - O Capítulo I, da lei nº 118, de 29-12-1948 (Lei Orgânica dos Municípios) compreendido pelos artigos 1 a 19 passa a ter a seguinte redação:
Capítulo I
Do município, seu território e criação.
No art. 2 está escrito:
Ficam criados os Municípios de Carira, Barra dos Coqueiros, Pacatuba, Umbaúba, Poço Verde, Tomar do Geru, Itabi, Malhador, Pedrinhas, Monte Alegre, Poço Redondo, Curituba e outros. Num total de 19 municípios emancipados.
E por que as autoridades de Poço Redondo não aceitam o dia de 25 como a data correta e definitiva da emancipação de seu município?
Em 1990, por ocasião da criação da Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, não se sabe por qual motivo, os vereadores de então, no artigo 15 que trata dos feriados municipais, no capítulo II, assim documentou: “Emancipação Política – Dia 23 de novembro”.
É de se perguntar. Por que desde 1990 esse terrível equívoco existe em nosso município e ninguém tem nenhum interesse de reparar esse lamentável engano que no mínimo deslustra a inteligência dos filhos e das autoridades constituídas de Poço Redondo?
Nos próximos meses haverá um concurso público em nosso município. Espero em Deus que não se pergunte sobre o dia da emancipação de Poço Redondo. Seria uma insensatez e uma falta de respeito muito grande para com aqueles que almejam alcançar êxito em seus objetivos e vê seus sonhos de vitória se esboroar justamente por ter respondido certa a pergunta do dia da emancipação de Poço Redondo.
Não acredito que tamanha barbaridade venha acontecer. Tenho convicção da lisura de nosso prefeito Frei Enoque. Sei que ele jamais iria compactuar com uma crueldade desta. Ainda mais. Espero ardentemente que o senhor prefeito e os vereadores deem fim a esse impasse. O dia 23 de novembro não pode ser contemplado como o dia da emancipação de Poço Redondo.
Até que se pode festejar e comemorar a emancipação neste dia, o dia 23, porém dizer-se oficialmente que é esta a data exata da emancipação é uma afronta à nossa inteligência.
Poço Redondo não pode ficar com duas datas. Aquela desculpa de que o dia 23 de novembro obedece aos ditames da Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, aquela de 1990, é simplória e chega até a beirar o ridículo. Todos sabem que uma Lei Municipal não tem forças e nem poderes para derrubar uma Lei Estadual. O estranho e o inadmissível é que as autoridades de ontem e de hoje preferem o dia 23. Por quê? Não sei. O que eu sei é que não se pode entrar em desacordo total para com a história de Poço Redondo e a Lei Estadual assinada pelo governador Arnaldo Rollemberg Garcez e seus auxiliares, Acrisio Cruz, Antônio Carlos do Nascimento Junior e Pedro Barreto de Menezes.
Senhor prefeito! Senhores vereadores! Normalizem esta situação. Os filhos de Poço Redondo precisam saber ao certo a data do real nascimento de seu município".
Eis, acima, o que Alcino escreveu. Continuar com tal discordância é realmente um flagrante desacerto histórico. É pactuar com o erro e com a ludibriação de um povo que sequer possui o direto de saber a data real da emancipação política de seu município. Como afirmado, pode-se comemorar ou festejar dia 20, 23 ou 26 ou outro dia qualquer, mas jamais se poder negar aos poço-redondenses que o seu município foi desmembrado e emancipado de Porto da Folha a 25 de novembro de 1953. É neste sentido da Lei Estadual nº 525-A de 25 de novembro de 1953.
Ademais, municípios circunvizinhos e que igualmente foram distritos de Porto da Folha, têm data de emancipação semelhante à de Poço Redondo, ou seja, 25 de novembro. Torna-se, então, gritante e inadmissível permanecer com essa dúvida.
Não se tem, a nosso ver, nenhuma dúvida com relação à data da emancipação, que deve ser aquela contida na legislação estadual. O que deve ocorrer, isto sim, é uma mudança na data do feriado constante da lei municipal. E isto através de projeto de emenda à Lei Orgânica, de iniciativa do prefeito, objetivando modificar a data do feriado constante do Capítulo II, artigo 15.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Poço Redondo: Cultura, História e Tradição!





Mais adiante é bem melhor (Poesia)


Mais adiante é bem melhor


Eu caminhava pela estrada nua
por cima de pedras e espinhos
quando um calango me disse:
mais adiante é bem melhor...

segui caminhando na estrada
em meio a labirintos e tufos
quando um passarinho me disse:
mais adiante é bem melhor...

muito cansado e ferido nos pés
ainda assim segui pela estrada
quando uma borboleta me disse
mais adiante é bem melhor...

mas não pode ser bem melhor
pois sangrando e estropiado
e todo bicho ainda me dizendo
que mais adiante é bem melhor

até que desabei num sombreado
e acordei mais forte e alentado
e bebi da fonte d’água ao redor
e comi do fruto bom e do melhor

então percebi que já havia chegado
e que depois da luta tudo é melhor.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - sob o sol da ternura


*Rangel Alves da Costa


Há instantes na vida em que parecemos viver debaixo de sóis escaldantes, ao redor de fornalhas incendiárias, ao lado de labaredas chamejantes. Tudo queima, tudo arde, tudo dói. Procuramos razões, procuramos motivos ou justificativas, mas nada que nos apareça como fundamentada explicação. Talvez na outra face de um tempo do Eclesiastes, aonde a angústia vem no lugar da segurança e o desassossego chega em lugar da paz. Então queimamos e ardemos como sóis e labaredas. O que fazer, então, em instantes assim? Esperar a outra face do tempo do Eclesiastes? A segurança no lugar da angústia e a paz no lugar do desassossego? Creio haver outro caminho mais singelo e mais cativante ao espírito e alma: procurar estar sob o sol da ternura. E assim sentir-se tão forte e confiante, tão pulsante de fé e de esperança, tão sublime na alma e nos sentimentos, que todos os sóis que desçam e todas as chamam que caiam não consigam ter a força do ser no seu objetivo maior: a felicidade.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

CARTINHA RIMANDO AMOR


*Rangel Alves da Costa


Já não se escreve mais cartinhas de amor, missivas cheias de saudades, daquelas que faziam enrubescer e os olhos lacrimejarem. Uma cartinha assim:
Não sei nem começar, com esse aperto danado do lado de cá. Quero dizer, quero gritar, quero confessar, mas queria mesmo voar, ser passarinho e num instantinho lhe abraçar.
Mas já que tem de ser assim, que eu comece enfim. Meu amor, daí receba um abraço daqui. E daquele tão apertado que o rosto fica colado e não quer mais apartar.
Saudade danada, um aperto, uma pontada, coisa de causar desacerto. Nunca sofri tanto assim, nem sei se estou mais em mim com essa tristeza sem fim.
Acredite no que agora digo, o tempo é inimigo, a distância um cruel desabrigo. Nada traz felicidade vivendo nessa saudade, sofrendo sem piedade. Quero voar sem ter asa, não passo voltar pra casa, mas faço isso ou queimo em brasa.
É você de noite e de dia e é quando tenho alguma alegria, pensando no seu sorriso, nesse corpo paraíso, amar o que mais preciso. Cartinha é só pra lembrar, mas nunca como falar bem juntinho a lhe abraçar.
Nunca esqueço você, mas hoje bateu uma saudade, lembrança sem piedade, que ou escrevia essa cartinha ou a noite me aporrinha. Estou tremendo agora, lágrima botando fora, tristeza que chegou sem demora.
Escrever não quer dizer nada, pois bom mesmo era a estrada para estar com você. Mais que meu bem querer, o que sinto por você nem eu mesmo posso saber. A única coisa que sei é que sem você não viverei.
Tão longe daí, tudo difícil aqui, sofrendo sem merecer. Aí pertinho de você, mesmo o padecer era coisa açucarada, era um tiquinho de nada, pingo de sal na cocada. Fartura de felicidade, desejo por caridade e tanto amor de verdade.
De tanto pensar, logo começo a lhe desenhar. Desenho no pensamento, no traço que me alimento para diminuir o tormento. Risco uma boneca bonita, toda vestida de chita, vento tomando o cabelo, sorriso de tanto zelo.
Vejo na face uma fruta de sol, na água dos olhos eu pescando de anzol. Boca com sabor de araçá, no resto do corpo a melhor fruta que há. Manga, cajá, sapoti, de toda fruta há em ti.
O vento acompanha seu passo, um roseiral espalhado em cada braço. Cada pisada no chão e a brisa começa a soprar com paixão. Tenho ciúme sim, até quando a natureza se encanta com sua beleza. Não sou o seu dono, mas por precaução nem penso em sono.
Linda no entardecer à janela, a vida olhando a mais bela donzela. Com olhos tristonhos perdidos em sonhos, quem dera me guardando na mente como boa semente, quem dera sentindo saudade de quem sente amor de verdade.
Penso na janela fechada e você na cama deitada, penso na porta encostada e você na rede espalhada. Penso no que possa sonhar e se no sonho eu possa estar. Penso em você saindo, você sorrindo, você andando, você voltando. Penso em você namorando...
Ai quanto me dói pensar assim, pois seria o meu fim. Imaginar você segurando outra mão, não só desfeita ao meu coração, mas a vida inteira de maior aflição. Não, meu amor, que nunca aconteça, que eu nunca mereça ser traído e desapareça.
Confio em você demais, beijar outra boca sei que seria incapaz, mas o mundo é cheio de tentações, lastreando em tudo as devassidões, amores desfeitos e só restando ilusões. Que tudo seja diferente, seja um amor confiante, sem que nenhum rompante impeça que sigamos adiante.
Mando uma fotografia, retrato tirado outro dia, mas que na face não tem alegria. E você sabe o porquê, o motivo de tanto sofrer, dessa distância que me faz padecer. Mando ainda uma lembrancinha, abra com cuidado e no quarto sozinha.
É apenas um anel. Quem dera um paraíso, um céu. É apenas um anel, reluzindo a saudade de um amor tão fiel. Com um beijo, um favo de mel.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com