*Rangel Alves da Costa
Depois de ter sido preso após desferir um
coice num automóvel e logo conduzido à carceragem miúda e apertada da delegacia
de polícia de Nossa Senhora Aparecida, onde passou a noite no xilindró, o
cavalo foi solto ao amanhecer da segunda-feira, no dia seguinte ao grotesco e
cômico acontecimento.
Contudo, uma vez solto, o cavalo deixou atrás
de si um Estado de Sergipe aprisionado pelos seus erros e desmazelos, pelos
seus desacertos e negligências. Ao invés do cavalo, quem permaneceu sem a
liberdade da seriedade, da justiça, da coerência, foi o estado em si. Ao invés
do cavalo, que ficou encarcerado pela desonra em sua imagem foi Sergipe. A
imprensa mundial vem explorando o vexame como bem esse governo merece.
Um estado que agora se vê aprisionado pelo
descrédito e desqualificação de sua imagem. Um estado que chegou ao ridículo de
permitir que tal e outros fatos, vão apagando sua imagem de destino desejado
pela sua beleza e segurança. Tornou-se um Sergipe de brincadeira, de chacota,
de piadas, de afirmações as mais aviltantes possíveis. E com razão. Ora, como é
que a polícia procede com tamanho erro?
Qualquer policial sabe (ou deveria saber,
pois o ingresso nos quadros exige conhecimentos de Direito) que é o dono ou o
detentor que deverá ser responsabilizado pelo dano causado pelo animal, e
jamais o próprio animal. Neste, falta-lhe o animus nocendi (a vontade
deliberada de causar prejuízo). Desse modo, jamais um cavalo poderia ser levado
à prisão por um coice dado ou mesmo para assegurar a reparação de um dano. Há
os meios e os procedimentos legais para tal.
Os próprios delegados de polícia, através de
sua associação, divulgaram nota estabelecendo a verdade dos fatos e afirmando,
peremptoriamente, não ter havido crime de dano nem qualquer justa causa para
que o cavalo fosse levado à delegacia e muito menos mantido encarcerado.
Diz a nota da Adepol, dentre outras
conclusões, que: “Assim, partindo da premissa de que o fato ocorrido é atípico,
isto é, não é caracterizado como crime pela legislação penal brasileira, tem-se
como desnecessária, desarrazoada e completamente equivocada a conduta dos
policiais militares consistente em apreender o cavalo e mantê-lo confinado em
uma cela reservada para a custódia de pessoas presas em razão do cometimento de
algum ilícito penal”.
Contudo, não bastasse o erro no procedimento
na condução e no encarceramento do animal, os militares responsáveis pelo
folhetinesco episódio ainda se deram o direito de cometer maus-tratos. Esta
sim, uma ação criminosa prevista na legislação. As fotografias publicadas nos
jornais e redes sociais logo evidenciam os sofrimentos irresponsavelmente
causados ao cavalo.
Maus-tratos por manter um animal preso em cela
apertada, sem espaço para locomoção, sem condições de qualquer tipo de repouso,
em ambiente totalmente estranho ao seu habitat, comprovando ter havido abuso de
forma consciente e deliberada. E isso durante cerca de dezoito horas, que foi o
tempo do encarceramento. Segundo a lei, em caso de maus-tratos a animais, a
primeira providência é procurar a delegacia mais próxima. Mas qual delegacia,
se a competente era onde se perfazia a ação criminosa?
A verdade é que cavalo nunca deu muita sorte
em Sergipe. Quando não são levados aos abatedouros clandestinos para saírem de
lá como charque ou carne vermelha para o consumo, logo são acusados de
cometimento de crimes. Sim, não há estado que goste de culpabilizar mais os
cavalos do que Sergipe. Em 2015, por exemplo, quando parte da ponte de Pedra
Branca desabou, os órgãos oficiais, para fugirem da culpa pela falta de
manutenção nas estruturas, afirmaram que a queda fora provocada por cavalos que
passavam pelo local. E agora um cavalo preso por ter dado um coice num carro
supostamente estacionado em local indevido.
Tais fatos, ora absurdos ora pitorescos,
servem apenas para expor ainda mais, e de forma negativa, o ridículo que está o
Estado de Sergipe. Não obstante os fatos que comprovam o aumento exorbitante da
violência, os atrasos reiterados no salário do funcionalismo, as estradas e os
asfaltos em situações calamitosas, o descaso governamental por todo lugar,
agora também motivo de chacota até mesmo pela imprensa internacional.
Como dito, o pocotó foi solto, mas Sergipe
não. Sergipe restou aprisionado nas suas próprias mazelas, na sua falta de
seriedade e de compromisso com a população, principalmente com sua segurança.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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