*Rangel Alves da Costa
“Teje preso”, certamente disse o policial ao
cavalo, antes de conduzi-lo a uma das celas da delegacia de polícia do
município de Nossa Senhora Aparecida, no agreste sergipano. Talvez não
entendendo bem a ordem recebida, a verdade é que o animal acompanhou o outro
(animal policial) à delegacia, onde foi logo trancafiado como um perigoso
bandido.
Tal fato teve repercussão imediata dentre a
população do município agrestino, nas rodas espantadas de conversas, nas redes
sociais e, já no dia seguinte, por toda a mídia nacional. Os jornais
televisivos, impressos e virtuais, logo cuidaram de dar ênfase ao fato mais que
inusitado e que doravante passará à história como “O dia que um cavalo foi
preso por um coice dado”. E de fato aconteceu.
No último domingo, dia 12, durante a
realização de uma cavalgada naquele município, numa junção de cavalos,
cavaleiros, pessoas e veículos, um cavalo assustado com tamanha aglomeração, resolveu
fazer ao seu modo aquilo que o homem faria de outro jeito. Ao invés de pedir ou
forçar passagem entre os transeuntes, simplesmente deu um coice num veículo que
estava estacionado em local indevido. Ora, veículo não pode estacionar em local
de cavalgada ou no trajeto do tropel. Mas ele estava ali, e bem no caminho do
cavalo. Então, simplesmente deu um coice.
Mas para que fez isso? Você não sabia
cavalinho, que animal, ao invés de coice, pontapé, relincho ou zangação, deve
pedir calmamente passagem, de forma sensata e educada: “Oh, minha senhora, eu
quero passar e o seu carro está atrapalhando. Será que a senhorita não poderia
ter a gentileza de afastar o seu veículo deste local de passagem minha e de
outros cavalos? Estou pedindo isso, apenas que retire seu veículo estacionado
em local indevido, porque sou mais educado do que muita gente, mas não posso
responder por outros cavalos que vêm aí. E se algum der um coice no seu
possante, como vai ficar?”.
Contudo, quem deu o coice foi ele mesmo.
Impedido de prosseguir em sua trajetória normal, o cavalo forçou um pouco a
passagem e, raivoso com aquele carro atrapalhando tudo, deu um passo a frente,
uma paradinha em seguida, e lançou uma patada para trás com toda força: “Pá!”. Depois
nem olhou para trás para ver o estrago feito, prosseguindo calmamente, porém
sem imaginar o que lhe aconteceria em seguida.
“Teje preso!”, foi a patada na voz de um
policial que recebeu. “Tá preso em nome da lei e me acompanhe até a delegacia
sem mostrar reação, sob pena de ser algemado e conduzido debaixo de vara”. Mas
que humilhação, hein seu cavalo? Logo ali em meio a tantos outros cavalos, ao
redor de animais que relincharam de espanto enquanto você era levado
prisioneiro à chefatura de polícia. Mesmo com bons antecedentes, sem qualquer
passagem pela polícia por ter comido no pasto alheio, por ter derrubado arames
ou dado em cima de jumentinha de beira de estrada, seu destino foi uma cela de
delegacia.
Isso mesmo. Ao invés do pátio ou de qualquer
parte murada, o cavalo - talvez pela barbaridade do crime praticado ou pela
gravíssima ameaça que causava à população de Aparecida e a todos os veículos do
lugar - foi trancafiado numa cela. Já pensaram que situação? Um cavalo preso
numa cela de delegacia, o quadrúpede ali em pé, entristecido, indignado com a
injustiça cometida, vendo a lua e o sol nascerem quadrados, enquanto aguardava algum
advogado que lhe providenciasse um Habeas Corpus?
Que situação lamentável, hein seu cavalo? Foi
maltratado, achincalhado, teve ferido seus direitos de animal, e ainda por cima
teve de passar a noite inteira em pé por falta de espaço para deitar naquela
imundície do cárcere. Tá vendo o que um coice faz? Da próxima vez nada de
coice, quando muito um relinchamento baixinho. O homem pode matar, pode
assaltar, pode ferir, pode violar e violentar de todo modo a vida humana e do
animal, mas um cavalo não pode dar coice. Quem mata e fere continua solto, mas
cavalo que dá coice tem de ser preso, pois o combate ao coice é a prioridade
número um da segurança pública.
Dizem até que consta dos manuais das forças
policiais: “Bandido humano pode ficar pra depois, mas cavalo que dá coice tem
de ser preso na hora. Preso, colocado em cela e tratado como bicho”. Diante de
tantos e tais absurdos, bem observou o conterrâneo cordelista Manoel Belarmino:
“Seu doutor, seu delegado,
Me diga a base legal
Ou mesmo o que está escrito
Na lei do Código Penal
Que fez levar pra cadeia
Esse pobre animal?
Na imprensa é o que se fala
É um comentário só
A prisão do cavalinho,
O pocotó, pocotó...
Que foi parar na cadeia
Porque deu um coice só”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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