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terça-feira, 14 de novembro de 2017

O CAVALO PRESO


*Rangel Alves da Costa


“Teje preso”, certamente disse o policial ao cavalo, antes de conduzi-lo a uma das celas da delegacia de polícia do município de Nossa Senhora Aparecida, no agreste sergipano. Talvez não entendendo bem a ordem recebida, a verdade é que o animal acompanhou o outro (animal policial) à delegacia, onde foi logo trancafiado como um perigoso bandido.
Tal fato teve repercussão imediata dentre a população do município agrestino, nas rodas espantadas de conversas, nas redes sociais e, já no dia seguinte, por toda a mídia nacional. Os jornais televisivos, impressos e virtuais, logo cuidaram de dar ênfase ao fato mais que inusitado e que doravante passará à história como “O dia que um cavalo foi preso por um coice dado”. E de fato aconteceu.
No último domingo, dia 12, durante a realização de uma cavalgada naquele município, numa junção de cavalos, cavaleiros, pessoas e veículos, um cavalo assustado com tamanha aglomeração, resolveu fazer ao seu modo aquilo que o homem faria de outro jeito. Ao invés de pedir ou forçar passagem entre os transeuntes, simplesmente deu um coice num veículo que estava estacionado em local indevido. Ora, veículo não pode estacionar em local de cavalgada ou no trajeto do tropel. Mas ele estava ali, e bem no caminho do cavalo. Então, simplesmente deu um coice.
Mas para que fez isso? Você não sabia cavalinho, que animal, ao invés de coice, pontapé, relincho ou zangação, deve pedir calmamente passagem, de forma sensata e educada: “Oh, minha senhora, eu quero passar e o seu carro está atrapalhando. Será que a senhorita não poderia ter a gentileza de afastar o seu veículo deste local de passagem minha e de outros cavalos? Estou pedindo isso, apenas que retire seu veículo estacionado em local indevido, porque sou mais educado do que muita gente, mas não posso responder por outros cavalos que vêm aí. E se algum der um coice no seu possante, como vai ficar?”.
Contudo, quem deu o coice foi ele mesmo. Impedido de prosseguir em sua trajetória normal, o cavalo forçou um pouco a passagem e, raivoso com aquele carro atrapalhando tudo, deu um passo a frente, uma paradinha em seguida, e lançou uma patada para trás com toda força: “Pá!”. Depois nem olhou para trás para ver o estrago feito, prosseguindo calmamente, porém sem imaginar o que lhe aconteceria em seguida.
“Teje preso!”, foi a patada na voz de um policial que recebeu. “Tá preso em nome da lei e me acompanhe até a delegacia sem mostrar reação, sob pena de ser algemado e conduzido debaixo de vara”. Mas que humilhação, hein seu cavalo? Logo ali em meio a tantos outros cavalos, ao redor de animais que relincharam de espanto enquanto você era levado prisioneiro à chefatura de polícia. Mesmo com bons antecedentes, sem qualquer passagem pela polícia por ter comido no pasto alheio, por ter derrubado arames ou dado em cima de jumentinha de beira de estrada, seu destino foi uma cela de delegacia.
Isso mesmo. Ao invés do pátio ou de qualquer parte murada, o cavalo - talvez pela barbaridade do crime praticado ou pela gravíssima ameaça que causava à população de Aparecida e a todos os veículos do lugar - foi trancafiado numa cela. Já pensaram que situação? Um cavalo preso numa cela de delegacia, o quadrúpede ali em pé, entristecido, indignado com a injustiça cometida, vendo a lua e o sol nascerem quadrados, enquanto aguardava algum advogado que lhe providenciasse um Habeas Corpus?
Que situação lamentável, hein seu cavalo? Foi maltratado, achincalhado, teve ferido seus direitos de animal, e ainda por cima teve de passar a noite inteira em pé por falta de espaço para deitar naquela imundície do cárcere. Tá vendo o que um coice faz? Da próxima vez nada de coice, quando muito um relinchamento baixinho. O homem pode matar, pode assaltar, pode ferir, pode violar e violentar de todo modo a vida humana e do animal, mas um cavalo não pode dar coice. Quem mata e fere continua solto, mas cavalo que dá coice tem de ser preso, pois o combate ao coice é a prioridade número um da segurança pública.
Dizem até que consta dos manuais das forças policiais: “Bandido humano pode ficar pra depois, mas cavalo que dá coice tem de ser preso na hora. Preso, colocado em cela e tratado como bicho”. Diante de tantos e tais absurdos, bem observou o conterrâneo cordelista Manoel Belarmino:
“Seu doutor, seu delegado,
Me diga a base legal
Ou mesmo o que está escrito
Na lei do Código Penal
Que fez levar pra cadeia
Esse pobre animal?

Na imprensa é o que se fala
É um comentário só
A prisão do cavalinho,
O pocotó, pocotó...
Que foi parar na cadeia
Porque deu um coice só”.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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