*Rangel Alves da Costa
Assim que o sol arrefece, o brilho boceja
chamando o suspiro do entardecer, faço minha peregrinação de todo dia. Boto o
pé fora de casa e sigo em direção ao velho tronco de cedro que fica mais
adiante.
Desse lugar vejo tudo ao redor. Olhando pra
trás a porta e a janela abertas de minha casinha de taipa, ao lado o centenário
umbuzeiro de linhagem quase familiar, mais adiante a mata, os caminhos, as
veredas, as estradas, os descampados.
O cachorro vem e vai. Gosta de se meter pela
mataria em busca de preá. Gosto disso não, e até já gritei mais de vez com ele.
Tenho certeza que por sua culpa os outros bichos não saem de suas tocas e
chegam pertinho para firmar amizade.
Tenho uma vontade danada de um dia conversar
com bicho, com tamanduá ou raposa. Ouvi e dizer, ouvi e dizer, na certeza maior
do mundo que jamais haveria falsidade entre a gente. Converso com passarinho,
mas aí já é proseado antigo desde que eu era molecote protegendo os ninhos da
sanha das cobras.
Quando sento aqui é como esquecesse o mundo.
O mundo todo não, apenas aquela parte que dói demais na gente só de lembrar.
Digo assim, mas coitado do mundo que ganha fama ruim por causa do ser vivente.
Esse sim, bicho malvado e perigoso demais.
Mas não posso reclamar muito não, de jeito
nenhum. Tem gente milionária que não tem o sossego que Deus me dá, tem cada um
por aí que vive arrotando riqueza e não tem de seu nem o chinelo do pé. E eu
não, pois tenho reino e reinado, soberano que sou nessa vida abençoada que
levo.
Tudo é muito bonito, grandioso, singelo
demais. A natureza ladeando a vida e o tempo passando lento, num faz de conta
que o ser é eterno. E o vento vem chegando macio, outras vezes mais veloz,
trazendo folhagens. Lanço a mão, agarro o vento, prendo o afoito no embornal
que é pra quando eu precisar ser soprado ao céu.
Quanto é vento de folhagem me dá uma tristeza
danada. Quando chega o outono é sempre assim, principalmente quando já está
indo embora. Aquelas folhas secas pelo ar são como cartas que haveriam de ser
lidas se já não estivessem esfacelando. Cartas apagando, com letras chorosas
por não terem surtido o efeito desejado.
Um dia mandei uma carta assim. Peguei uma
folha seca que entrou pela minha janela, guardei por uns tempos debaixo de uma
tábua e quando já estava firme parecendo uma folha de papel cinzenta escrevi um
verso de amor e saudade. Digo não que tenho vergonha, mas foi bonito demais.
Começava com o nome dela e terminava beijando ela.
Depois me deu uma vontade danada de fazer
chegar até ela aquela cartinha na folha. Se fosse lida não duvido que bateria
na minha porta numa tarde bem bonita. Mas como moro longe demais, bem distante
de tudo, não encontrei outra saída senão soltar na ventania da tarde, deixando
subir e seguir como folha do outono.
A carta não encontrou a janela, mas a
resposta veio. Uma música sem orquestra, um zumbido leve, uma cantoria da brisa
que corta montanha e passa bem ao lado do meu ouvido. Sempre acho que ouço um
nome, sempre o mesmo nome. E às vezes fico imaginando se ela despontasse lá na
curvinha da estrada ao longe.
Não é só uma curva, mas várias curvas de
estrada. De onde estou seguindo adiante os caminhos vão se abrindo para
destinos jamais imaginados. Algumas vezes apenas uma trilha, outras vezes uma
vereda, ou ainda uma estrada de terra que certamente vai muito distante.
Quem segue adiante não olha pra traz. Se olhasse
dava o adeus merecido. Mas não dá não, apenas segue adiante. Tem gente que pisa
em caminho de chão e não dá nem dois passos e já está navegando no rio que
corre dos olhos. É o leito da partida que se alarga feito oceano.
Um dia também vou seguir adiante. Sem olhar
pra traz. Mas só quando Deus quiser. Não quero navegar nas águas da minha
tristeza. Apenas subir numa escada. E subir e subir.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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