*Rangel Alves da Costa
Houve um tempo – e ainda há – onde a vida
valia menos que a menor raiva de um coronel nordestino, de um latifundiário, de
um poderoso sertões adentro. Bastava que a ira tomasse feição e logo a ordem
era dada para que o seu matador desse comida aos urubus, aos carnicentos
espreitando as estradas e caminhos da morte.
E nas páginas sangrentas de qualquer livro:
“O cavalo seguia mansamente cortando estradão. Seu dono, cavaleiro
despreocupado, pensava somente em chegar ao destino. Olhava de lado a outro e
apenas o som da mata. Não sabia, contudo, que na curva adiante o inimigo lhe
esperava...”.
E prosseguindo: “Detrás de uma moita, nos
escondidos da mataria, o jagunço se mantinha de rifle apontando na direção da
estrada, na mira de onde o cavaleiro em instantes passaria. O animal avança.
Seu trote é ouvido. O cavalo espera mais a sua anca. Tem pressa. Não sabe que
vai morrer em menos de um minuto...”.
Por fim: “O jagunço divisa cavalo e
cavaleiro. Aperta os olhos. Mira com mais esmero. Suas mãos estão ávidas para
apertar o gatilho. É chegado o instante de à morte sair pelo cano em direção ao
passante. Aperta o gatilho. Um tiro certeiro. O grito, o tombo. A morte. E o
sangue vermelhando a estrada”.
Como avistado acima, assim os instantes que antecedem
à morte perpetrada em tocaia. Assim a terrível ação do matador perante sua
vítima. Morte covarde, de espreitada, sem tempo de revide, sem qualquer
oportunidade de defesa.
E assim neste tipo de violência que tanto
sangue já fez jorrar. Tocaia, emboscada, arapuca, armadilha, tudo quase a mesma
coisa. Só que na tocaia e na emboscada há a caracterização maior dos crimes de
mando nos tempos idos e também recentes.
A tocaia exige astúcia, ardil, coragem e
preparo acima de tudo. Nenhum jagunço, pistoleiro ou matador, prepara uma
tocaia se não tiver amplo conhecimento de seu vil proceder. Significa dizer que
há também inteligência para matar.
Como se faz uma tocaia? Quase sempre da mesma
forma, desde os tempos de antanho. O matador recebe a ordem para matar e daí em
diante passa a executar todo o plano. Pensa no dia, no local, na hora mais
apropriada, na ambientação para que o crime seja consumado sem qualquer
surpresa.
Logicamente que a ordem recebida já chega com
o nome ou a precisa indicação daquele que será tocaiado e morto. Geralmente um
desafeto, um inimigo de sangue, um vizinho que dificulta a vida do outro, ou
simplesmente alguém que, por um motivo ou outro, passa a ser marcado para
morrer.
Com a ordem recebida, e esta sempre
acompanhada de prazo de cumprimento, o matador escolhe a arma mais eficaz na
empreitada e depois segue ao local onde a futura vítima será emboscada,
surpreendida e sem chances de revidar. Não significa que seja no mesmo dia da
ordem recebida, mas sempre nesse passo.
O local da tocaia deve ser sempre bem
escolhido. O matador não pode ser avistado de jeito nenhum. Daí a escolha
sempre recair detrás de um tronco grosso de árvore, nos escuros de mata fechada
e rente à estrada ou em meio a tufo grande de mato.
Mesmo já se aproximando ou defronte ao local
do disparo, ainda assim o cabra marcado para morrer sequer percebe qualquer
estranheza. Tudo silencioso, quieto demais. Só não sabe que sequer ouvirá bem o
estampido que logo sairá de mais adiante. Não há tempo de nada. Apenas o
açoite, a dor, a morte.
Depois de caída, tantas vezes o matador se
aproxima para se certificar do acerto, da morte certa. Mas ainda assim, para
que não haja qualquer dúvida, aponta novamente a arma rente à cabeça e aperta o
gatilho. E depois some no meio do mundo.
De vez em quando arranca uma orelha, um dedo
ou mesmo a cabeça para levar perante o mandante. Assim a tocaia de sangue e sua
terrível realidade pelos sertões de outrora e por todo lugar de agora. E logo
os urubus vão rondando. Logo os urubus por todo lugar, e que continuam a
rondar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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