SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 15 de junho de 2010

GRITO

GRITO

Rangel Alves da Costa*

Um dia ouviram um grito. Eu também ouvi esse grito. Você não ouviu esse grito?
Viajando pelas veredas do espaço, cortando os mais longínquos horizontes, avançando ruidosamente por todos os cantos e fendas, tomando as praças e ruas, invadindo casas, assustando as pessoas, adentrando ouvidos, ideias e pensamentos, assim se fez ouvir o grito, ecoando em todos os lugares e em todos os seres.
Grito é palavra medonha, medrosa de não ser ouvida, desesperada, querendo aparecer a qualquer custo, às vezes arrogante, outras vezes forçada, encurralada, último dizer para que entendam qualquer coisa. Grito é exasperação eufórica e pedido de salvação; é urro e sussurro, é entendimento e rouquidão. A menina silenciosamente grita pela dor da saudade; a guerra é feita de gritos; o sonho maior do silêncio é gritar.
Segundo os livros, grito é voz aguda e muito elevada; é exclamação forte e sonora com que se pede socorro ou exprime dor ou sensação violenta; é o som penetrante, voluntário ou espontâneo, articulado ou não, e emitido com força pela voz humana; é o som de voz agudo e estridente, emitido geralmente em situações de medo ou desespero ou para se fazer ouvir ao longe; é brado, clamor, queixume. Todos os dias ouve-se um grito vindo do cume da montanha e todo mundo sabe que a montanha não expressa sentimentos. Será a montanha, o senhor na montanha ou o Senhor das montanhas?
O silêncio que guarda o grito nunca sabe quando vai ser chamado a gritar. Muitas pessoas não precisam gritar para que se ouçam os seus brados, clamores, dizeres cortantes. A voz dos famintos suporta um grito? Quantos gritos existem nas faces dos menores carentes, perambulando pelas ruas, jogados à sorte dos excluídos? Quantos gritos estão ecoados nos barracos, nos morros, nas favelas, nas palafitas, nos alagados, nas moradias dos homens/bichos ou bichos/pessoas? Quem grita mais alto, será a criança faminta que chora ou os pais que desesperam sem ter o que fazer, sem ter nada para matar ou viver a fome? Ouviram o Grito do Ipiranga ou o Grito dos Excluídos em marcha pelo reconhecimento dos seus mínimos direitos sociais?
Dentro do quarto, a menina gritou a não mais poder e como seu amor nem ninguém ouviu, deitou e dormiu gritando por dentro. O casal até que queria gritar mais nas noites de amor, mas respeitam o desejo dos gemidos que querem gritar ao seu modo na penumbra do enamorar. O louco não diz uma palavra sequer durante o dia, não reclama disso ou daquilo, mas basta anoitecer que ninguém suporta suas intermináveis aflições. Doenças existem que só chegam nas noites precisamente para dizer bem alto, assustadoramente, que estão bem vivas nos corpos que vão desfalecer. O guarda apita seu grito e é noite, e quem dera que todos os gritos surgidos na escuridão calassem para o adormecer em silêncio.
Todos já ouviram os gritos da lua, do sol, das chuvas, dos ventos, dos relâmpagos, dos trovões, das tempestades, dos furacões, do mundo que desaba. Os astros gritam na sua luz e na sua cor; a natureza grita nos seus fenômenos. Muitos ensurdecem de tanto ouvir e só despertam para o grito quando começam a chorar a destruição. Uivos, latidos, berros, relinches e cantos também são gritos, os gritos dos animais. E o homem deveria aprender com estes que se grita também pela paz, pela defesa do seu território, chamando os outros para ser ouvido, para o diálogo, para a comunhão.
O grito do galo anunciou a manhã. Mas nesse dia foi o único grito que se ouviu por todo o mundo, por todo o planeta, pois as pessoas enfim ficaram em silêncio para refletir sobre pequenas coisas da vida, como o grito talvez. E concluíram que jamais haviam pensado na oração, esta mesma oração que é o diálogo com Deus, que silencia e grita ao mesmo tempo.


Advogado e poeta
blograngel-sertao.blogspot.com

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