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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 24 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 25

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 25

Rangel Alves da Costa*


Após o sermão, o Padre Josefo convidou os meninos que deram início, a partir da idealização de Lucas, à construção daquele local de reuniões para testemunharem sobre o significado e importância daquele barracão. Lucas falaria por último.
Paulinho, que foi o primeiro a se apresentar quando chamados, disse: "Tivemos a ideia de construir isso aqui pra gente brincar e de vez em quando estudar, mas agora gostaria que fosse muito mais, pois vejo nele algo muito maior que o meu coração ainda não sabe o que é".
Jorge se apresentou para dizer o seguinte: "A gente nunca pensou que esse barracão um dia ia receber tanta gente. O bom mesmo era que vocês tivessem tempo de vim aqui outras vezes, mesmo sem a presença do Padre Josefo, pois o nosso espaço também é pra discutir esses muitos problemas que a gente vê por aí e não somente para celebrar missa".
Foi a vez de Maria falar: "Vocês que estão aqui viram muito bem que ainda estamos precisando fazer muito neste barracão, e se quiserem que os seus filhos venham para cá outro dia para brincar, passar o tempo ou estudar, podem muito bem dar uma ajudinha pra gente organizar melhor o barracão".
Quando Guiomar foi chamada, perguntou apenas se aceitavam que sua mãe falasse por ela. Com a aceitação de todos, a senhora se aproximou e disse: "Não ia confiar nunca que uma menina ainda saísse de casa pra se bandear para cá com outros meninos se não fosse na confiança que tenho no professor Lucas, esse jovem que Deus há de olhar ainda muito por ele. Aliás, andei sabendo que Lucas, aquele mesmo que está ali – E apontou onde ele estava – perdeu o emprego de professor. Vocês sabiam? Pois é, e fiquei sabendo que foi despedido porque ensinava aos meninos de um jeito diferente, fazendo pesquisas na própria natureza e convidando pessoas inteligentes para palestrar sobre assuntos importantes. Acho que quem não gostou foi a diretora, aquela mesmo que está ali se escondendo com vergonha do que fez – Olhou para a diretora e apontou com o indicador, fazendo com que a mesma se cobrisse com um lenço enorme e ainda colocasse um guarda chuva por cima. Em seguida foi saindo de fininho, tateando para não cair, ouvindo chacotas de um e de outro – E a mãe de Guiomar continuou:
"Hoje minha filha está toda feliz e contente porque ajudou a levantar isso aqui e eu também me sinto do mesmo jeito, de coração agradecido e pedindo a Deus que iniciativas como esta sempre apareçam para que a juventude não tenha o pensamento voltado pra o que é ruim e nem siga pelo mau caminho".
Assim que o padre chamou Lucas para falar por um instante, chegaram ao local um carro da prefeitura e logo atrás um da polícia. Do primeiro, surgiu na porta um rapaz que chamou Lucas e entregou um papel e do outro veículo desceu um soldado e disse alguma coisa no seu ouvido. Em seguida os dois carros retornaram, deixando as pessoas cochichando e até apreensivas.
Sem demonstrar nenhuma preocupação, com a cara boa e ar de satisfação, Lucas se dirigiu para o local onde iria pronunciar algumas palavras de agradecimento. E assim se expressou: "Antes que fiquem imaginando coisas ruins ou até mesmo outras coisas, quero dizer logo sobre o que as pessoas que estavam nestes dois carros vieram fazer aqui. O primeiro, da prefeitura, veio entregar uma notificação para que eu dê explicações porque levantei esse barracão e não pedi permissão à prefeitura. E vocês bem sabem o que há por trás disso. E o segundo veio me dizer que o senhor delegado deseja falar comigo para que eu esclareça porque reuni tanta gente aqui e não comuniquei nada a eles. Segundo o agente que veio dar o recado, todo evento tem que ser realizado com a permissão da polícia. Pois é, os fatos foram estes, e que bom se ficasse só nisso mesmo. Agora faço uma pergunta: que obra grandiosa, alguma coisa de alvenaria ou qualquer tipo de prédio imponente foi construído aqui para que aja tanta exigência? Pelo que sei, os meninos foram procurar o senhor prefeito para pedir uma ajuda e ele nem quis recebê-los. Não ajudou e agora manda exigir em cima do que foi erguido. Do mesmo modo pergunto com respeito ao chamado para ir conversar com o senhor delegado: qualquer de vocês sabia que toda essa gente viria para cá hoje? Pelo que eu saiba, mesmo que houvesse sido marcada uma missa aqui, não haveria nenhuma necessidade de encaminhar ofício para que soldados viessem dar segurança ao ambiente ou evitar que os seguidores de São Marcos discutissem com os seguidores de São Mateus. Ou será que viriam enfrentar o exército de Pôncio Pilatos? De qualquer modo, são coisas que eu não consigo aceitar, principalmente porque, como diria o poeta Drummond, já querem colocar pedras no meio de nosso caminho. Eles certamente que são fortes e pensam que não somos nada. Ledo engano, pois onde houver comunhão e bondade, como ocorre neste barracão, podem chegar baionetas, exércitos e canhões que mesmo assim não amedrontarão...
E foi quando alguém gritou no meio do povo:
- E se eles quiserem mandar destruir o barracão?
Lucas, virando-se para o rapaz, respondeu:
- Eles conseguirão isso uma, duas, três, quantas vezes quiserem, mas não conseguirão destruir a vontade de reconstruir que sempre estará viva no coração desses meninos. Isso eles nunca destruirão.



continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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