FLOR DO CAMPO
Rangel Alves da Costa*
A minha namorada é linda e bela, é meiguice e formosura, cheira a perfume do mato, cheira a manhã perfumada, e quando abro a porteira me vejo num jardim sertanejo colhendo a flor do campo.
Minha namorada é flor no sertão queimado, seco e esturricado. Acostumada ao sol, sua pele cabocla parece suave verniz das estrelas, parece cor do barro levemente queimado na fogueira da paixão. E quando estou perto dela, quando seu corpo toca em mim, não sei mais a cor que vejo, se existe cor no desejo.
Quando a porteira solta um gemido para abrir e minha namorada me enxerga ao longe, sinto que sorri um sorriso de sol, sinto que olha um olhar de mar, e ajeita o seu corpo de horizonte para o meu olhar passear. E vem caminhando assim, num jeito de não chegar, só pra ver se desando a correr e no seu caminho me perder.
Levo na mão uma flor escondida, flor bonita igual a ela, e nem sei se açucena, rosa, violeta ou crisântemo, só sei que cheira ao seu corpo e tento esconder a flor pra não perder o encanto, e sem querer seguro a pétala e coloco no seu cabelo e não sei mais o que dizer, se é belo o meu jardim ou se ela é primavera.
Nunca vi minha namorada triste, um dia só vi meu amor entristecer. Se entristeceu por besteira só porque chuva caiu, só porque entardeceu, só porque anoiteceu, só porque lua saiu, só porque era poeta. Era sim. Minha namorada nunca escreveu um poema, mas um dia olhou o mundo, mirou bem o horizonte e falou pra natureza: e não agradecemos o amor que nos é amado!
Ela não sabia disso, mas construía poesia no olhar, no sentir, no falar, no andar, no vestir. No olhar porque é profundo igual sentimento; no sentir porque o encanto e a compreensão pediram licença e fizeram moradia; no falar porque a brisa vem silenciosamente e o vento sopra com cuidado; no andar porque é nuvem passeando, onda leve jorrando, raio de sol brilhando; no vestir porque o céu de chita é mais bonito, porque as cores da natureza estão ali. Tudo é assim, lindo e belo na sua poesia.
Um dia vi o meu amor se banhando no regato e me banhei de espanto vendo o meu amor tão nua. Não vi o corpo nu, não vi os seus seios rijos, não vi suas curvas molhadas, não vi o seu sexo macio. O que vi, meu amor, tudo que vi foi espanto: uma luz se banhando na sede do meu olhar. Sereias existem, eu ouvi o seu canto; ninfas existem, eu vi os seus gestos; sonhos perfeitos existem, eu vi você se banhando!
Um dia eu vi meu amor chorando e fiquei mais que triste que o meu amor chorando. Vi a tristeza, vi uma solidão que nunca tinha visto nela, vi uma lágrima que nunca vi tão molhada. Perguntei ao meu amor porque e ela me disse tudinho: que nunca havia chorado, que nunca sentiu uma tristeza tão triste e jamais havia experimentado do sabor travoso da solidão. E o pior meu amor disse depois: havia gostado de tudo aquilo, da tristeza, da solidão e da lágrima.
Tudo fiz para alegrar meu amor. Disse que estava apaixonado, disse que ia casar, disse que tinha um emprego, disse que tinha uma casa, disse que tinha um mundo, disse que tinha um sonho. Mas um dia fechei a porteira pra não voltar nunca mais, pra não viver nunca mais, pra não viver mais.
Meu amor havia gostado de tudo aquilo, da tristeza, da solidão e da lágrima... Alguém havia dito que ela era poeta.
Mas não faz mal, meu amor. Ainda te amo e tenho uma flor do campo para colocar nos teus cabelos. E quem dera beijar só mais uma vez a flor dos teus lábios...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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