TUDO SE REVELA
Rangel Alves da Costa*
Os segredos da ostra, que nem mesmo as águas do mar poderiam saber, foram revelados pelo vento, e a partir de então todos sabem que aquele eco que insistentemente se ouve é um canto triste de solidão.
O eremita que se esconde nas fendas dos rochedos e montanhas, e desde o levantar ao cair do sol vive em penitência com o seu Deus e os seus segredos de fé, jamais esperaria que um dia seus motivos fossem revelados ao estranho pela poeira carregada pelo vento. Descobriu-se, então, que sem o amor de um dia preferia viver sua eternidade nas distâncias do mundo.
O tuaregue solitário, que faz do caminhar no deserto um meio de deixar seus segredos nos passos que são apagados pelo vento e recobertos pela poeira, não imaginaria que ao se dirigir até o oásis para matar sua sede, assim que se debruça sobre água enxerga pairando sobre sua cabeça as imagens da esposa e dos filhos que ficaram para trás jogados à própria sorte.
O fiel coração da mocinha, que sofre com sua dona pelo juramento que guarda e que não pode ser quebrado, um dia contou a verdade sem que a menina falasse, disse tudo sem uma palavra sequer. Triste e alegre tarde aquela quando aqueles olhos inocentes e cheios de saudade imaginaram ser ele que vinha ao longe, e correu ao encontro de braços abertos, e cansou e chorou.
Abaixo do véu está o mistério, acima deste está a verdade. Que ninguém queira fingir ser o que não é, esconder o que não sente, apagar o que nasceu revelado, encobrir com a pele da fragilidade aquilo que não suporta o sopro do vento ou o murmurejar da verdade. De repente, sem que o véu tenha de ser levantado, surge o que ninguém mais quer saber, pois quanto maior o mistério mais já se descobriu o que é e o que não é.
O próprio confessionário se expressa muito além do sacerdote que ouve e da temente fiel que confessa. Os anjos que estão voando pela igreja e ouvindo tudo não irão espalhar por aí as chafurdanças da senhora que se diz possuidora de mil virtudes e nem da beata que coloca em confissão o próprio padre na parede: ou ele retoma as relações amorosas ou ela vai contar para a paróquia inteira. Tudo se espalha como num passe de mágica, mas ninguém revela quem primeiro disse e nem quem repassou a instantes atrás.
Um dia o próprio segredo profetizou que seria revelado, mesmo que tal revelação jamais pudesse sair de sua boca inexistente. É que o segredo sabia da força do pensamento, do poder da interrogação, da insistência da investigação e da capacidade das presunções em dar sentido àquilo que quer ver como realidade. Daí, o que ainda é desconhecido, começa a tomar aparência e logo em seguida é mostrado ao mundo como descoberta, mesmo que não tenha validade alguma ou seja construído na falsidade.
Não há, pois, que se enganar: tudo na vida se revela, pois mais cedo ou mais tarde o vento espalha, a poeira entrega, a água traduz, o sonho atormenta, a palavra trai, o outro descobre, a mentira inventa, a verdade é dita. Ontem era menina feia, hoje é linda mulher; ele sorri, brinca e pula, mas não passa de um ser triste, muito triste; fala que ama, e como diz amar, acredite...
Contam que a poeira chorou quando foi aspirada de cima do baú de mil anos. Quando forçaram a chave e abriram a relíquia lá dentro encontraram um pergaminho amarelecido e manuscrito com os seguintes dizeres: Como você está fazendo agora, um dia procurei meu passado e o que me foi revelado é o que está sendo também revelado agora: O maior segredo da vida é revelar para o futuro tudo de bom que você fez na existência, pois não haverão de descobrir aquilo que você deixou de fazer.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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