MIL FLORES
Rangel Alves da Costa*
Mil flores é o nome de um incenso. Coloquei um agora no incensório. A embalagem bonita diz que suaviza ambiente e é composto de bambu, pó de madeira, carvão e fragrância. Fixe o incenso em local a prova de fogo e acenda a ponta. Made in India, é o que diz. A par de gostar de incensos, de tê-los e utilizá-los como uma verdadeira mania espiritual - pois ao menos o meu espírito se eleva quando a fumaça aromática vai subindo pelos ares e começa a purificar o ambiente -, vejo as mil flores do nome do incenso com outros motivos, com outras razões que preciso dizê-las.
Não sei se a menina percebeu. Ela anda tão triste que talvez nem tenha percebido. Mas a verdade é que as flores estão sumindo, estão indo embora do seu jardim. Durante todo o verão, ali na sua janela ao amanhecer e entardecer viajava naquele mundo de flores, nas suas cores e nos aromas gratificantes ao espírito. Lembrava do amor amado, pensava no amor sofrido, se entristecia e chorava pelos dois amores, de alegria e de dor. O verão foi embora e ela nem se deu conta, pois seus olhos já estavam acostumados em ver o jardim como quisessem, mesmo que não tivesse sequer mais uma flor.
O verão foi embora e as plantas, as árvores e tudo pelo jardim parece ter deixado que muitos dos seus elementos partissem também. O verde ficou acinzentado, os galhos das árvores ficaram mais retorcidos, as folhagens perderam a textura e a cor, ficaram amareladas, chegando ao marrom, ao ocre, e murchas e fragilizadas vão caindo. No chão do jardim não se vê mais canteiros nem trilhas, tudo é tomado por um amontoado de folhas secas que se movem na ventania e vão se dispersando não se sabe como.
Dizem que o outono quando chega é assim, um tempo de entristecimento e ainda assim época de renascimento. As plantas perdem as folhagens para renascer, as frutas amadurecem e caem para vingar novamente, as folhas murcham e caem para que os ventos as levem para se banhar nas águas e brotarem novamente cheias de esperanças, as folhas somem porque não há motivos para alegria no jardim, pois é tudo como uma casa que para ser reformada tem que perder pedaços de sua história. Mas a menina nem pensava nisso, apenas que estava na sua janela e que adiante estava seu jardim de mil flores.
A menina triste saiu do quarto e foi para o jardim procurar alegria. Com os pensamentos fazendo viagem, rodando por outras paragens procurando encontrar alguém, nem percebia a nudez quase sem vida da paisagem, mas os seus olhos encontraram flores, encontraram folhas verdes esvoaçando, encontraram canteiros verdejantes e perfumados. Estavam acostumados assim, então tanto fazia enxergar o verão ou o outono. Um passarinho chegou, primeiro cantou um canto conhecido no seu ouvido, pousou no seu ombro e depois contou um segredo: naquela estação de outono ela não encontraria mais ali o que estava esperando encontrar.
O segredo do passarinho fez a menina despertar para a realidade e se assustar no que via no seu jardim. Correu de um lado para o outro, olhou por todos os lados, abriu a boca e quis gritar, mas o passarinho pediu silêncio para a natureza descansar. Mas ela insistia dizendo que queria todas as suas flores volta, queria seu verão, queria seus perfumes. Começou a chorar e chorou tanto que adormeceu num banquinho. Sonhou com o jardim que desejava ver, com o cuidado que deveria ter com suas flores, com a certeza de que nem sempre os jardins florescem. Por isso é que nem tudo na vida são flores, sonhou ainda.
Acordou satisfeita com as lições sonhadas. Voltou ao seu quarto, acendeu um incenso e ficou na janela pensando. O aroma do incenso era de mil flores.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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