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quarta-feira, 9 de junho de 2010

AS QUATRO ESTAÇÕES DO DIA (Crônica)

AS QUATRO ESTAÇÕES DO DIA

Rangel Alves da Costa*


Diferentemente das quatro estações do ano, que correspondem a cada uma das quatro partes em que se divide o ano solar conforme a posição da terra e que se estende entre um solstício e um equinócio, as quatro estações do dia demarcam as características do ser humano perante o despertar de sentimentos tais como alegria, felicidade, tristeza, angústia e solidão, dentre outros aspectos comportamentais.
Assim, ao invés da primavera, com o seu desabrochar de flores; do verão, com sua intensidade de sol e calor; do outono, com as folhagens renovando-se; e do inverno, com seus dias mais frios, dias menores e noites maiores, surgem a manhã, a tarde, a noite e a madrugada como as quatro estações do dia.
No percurso dessas quatro estações o ser humano é inevitavelmente afetado pelas mudanças, mesmo que quase imperceptivelmente. Basta sentir que a disposição da manhã não é a mesma da noite; o que se pensa e se recorda ao entardecer sempre estará esquecido quando se vive a manhã; a tarde, a noite e a madrugada se complementam no efervescer dos sentimentos humanos, bastando sentir que uma lembrança que chega à tarde, se transforma em saudade no anoitecer e em dor madrugada adentro. Ao sair da noite solitária e da madrugada insone, o indivíduo levanta de manhã e diz que tudo será diferente a partir daquele instante.
Ninguém sabe bem os limites precisos dessas estações. Para uns, o dia é o tempo decorrido entre um amanhecer e outro, ou entre um por-de-sol e outro; para outros será dia sempre que o sol esteja clareando o céu; dizem ainda que um dia só se completa quando as estrelas reaparecem no mesmo lugar. Dizem que a manhã vai desde o acordar até o meio-dia, mas afirmam que a manhã da vida vai somente do nascimento até muito antes da meia-vida.
Asseguram que a tarde vai do meio-dia até o por-do-sol, mas dizem que o sorriso que veio pela manhã já chegou muito tarde. Afirmam que a noite começa quando o sol vai embora e que se completa quando a lua e as estrelas passeiam pelo céu, constituindo-se nos piores instantes dos seres humanos, pois eles mesmos se referem aos momentos mais tristes como sendo a noite da vida. Na madrugada, que vai do final da noite até a primeira cor do dia, dizem ser de pleno mistério, pois tudo parece acontecer na madrugada silenciosa.
Enquanto estação, a manhã se esforça o máximo que pode dando forças às pessoas para viverem felizes o restante do seu dia, mesmo sabendo que tudo desanda assim que a tarde transforma-se em entardecer. A culpa da manhã é tentar negar sempre a existência de problemas, querer forjar sorrisos em quem só tem vontade de chorar, querer dar esperanças demais a quem sabe das próprias limitações. Querendo sempre satisfazer, a manhã inventa passeios, viagens, bons compromissos, limpar isso e aquilo, modificar a vida, cuidar do corpo, prometer sempre uma vida melhor, dar início aos ofícios que trazem felicidade, escolher a roupa mais bonita para vestir e ficar elegante e feliz o dia inteiro. Assim caminha a manhã, até despertar a fome do meio-dia, comer, ter sentimento de culpa, sono e entristecimento pelo resto do dia.
Após essa manhã que sempre promete uma coisa e acaba proporcionando outra, vem a tarde. O corpo já começa a ficar pela metade, a coragem não é mais a mesma, a felicidade vai diminuindo até que chega o instante de desestabilização dos sentimentos. Se chover na tarde é tristeza na certa, pelo tempo que fica dolente e pela angústia que começa a surgir. Janelas abertas, portas fechadas, horizontes, pássaros voando, vento soprando, paisagens, tudo visto como bonito se for pela manhã, mas na tarde é certeza de solidão, sofrimento, lembrança, angústia e saudade. A vontade de chorar começa sempre na tarde, inunda no anoitecer e vai cortando a madrugada.
Quando a noite chega com os seus encantos de lua, estrelas, namoros e outros encontros, o corpo quer sair da tristeza da tarde nos braços de alguém que ame e dê prazer e segurança. Como o amor não existe mais para todos, somente uns podem escrever a dois versos de beijos e abraços, de sexo e paixão, enquanto outros terão que se contentar em uivar pela escuridão como cães sem dono e sem esperanças. Muitos destes se perdem na noite, outros se deixam perder nos mistérios da madrugada. Desta é impossível falar sem levantar os lencóis.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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