VENTO NORTE VAI PRO SUL
Rangel Alves da Costa*
Dizem que o vento norte, num dia de muita angústia e solidão, resolveu que na tarde do dia seguinte seria o último entardecer que sopraria por ali. Estava muito triste por ser sempre incompreendido, acusado de causar transtornos pelos quais não tinha culpa sozinho, visto como malfeitor e até abusado demais quando soprava e levantava as saias e os vestidos das meninas. Muitas famílias chegavam ao disparate de fechar as portas e janelas quando ele estava por ali passeando.
Por diversas vezes foi destratado quando chegava, ouvindo bem na sua corrente que não passava de sopro de calor e de agonia no corpo das pessoas. Chamavam de calor dos diabos, de insuportável onda de coisa ruim. Ora, mas quem já se viu vento ser chamado de calor?. Se perguntava indignado. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é vento. Procurava somente soprar, procurava fazer seu trabalho, cumprir as ordens superiores advindas de Eolo, que é o deus dos ventos, mas mesmo assim sempre negligenciaram sua importância no ciclo climático e na vida do lugar.
Quantas pessoas, principalmente as mais idosas, não estavam acostumadas com sua presença e até esperavam sentadas nas suas cadeiras de balanço ao entardecer, todas alegres e satisfeitas, misturando o calorzinho soprado com os olhares na vida alheia? Quantas lavadeiras usavam de seus préstimos quando estendiam suas roupas nos varais? Quantos marmanjos preguiçosos diziam que não iam plantar porque o vento soprando quente daquele jeito era sinal de chuva demais caindo na terra? Quantas mocinhas vestiam propositadamente sainhas de dois dedos e iam passear só para sentirem a safadeza do vento levantando tudo? Os molecotes eram todos amigos do vento norte.
Aqueles que faziam suas besteiras, suas armações amorosas e seus negócios feios, e não queriam assumir por medo ou por vergonha, não botavam a culpa em outra pessoa ou coisa, mas sempre no vento norte. Além de mal visto, era culpado por tudo de mais infame que acontecia. Certa feita foi acusado de engravidar Joaninha das Flores, uma solteirona com os seus trinta e tantos anos, que vivia na janela vendendo ramalhetes e esperando homem passar.
Segundo ela, um dia o bonitão do Totonho passou e avisou que uma flor havia caído do lado de fora da janela, e quando ela deu a volta e se abaixou para apanhá-la, e como tinha esquecido que estava desprevenida – sem a roupa de baixo –, o vento veio por trás e não deu outra. Ela só lembra daquela coisa quente subindo por suas partes, e pronto. Diz que desmaiou. Meses depois nasceu um menino que, não se sabe porque, mas às escondidas chamam de Totoinho Ventania.
Por essas e outras, era acusado de safado, de insuportável calor, de causar todos os tipos de transtornos na vidas pessoas. Nessas condições, era melhor ir embora. Ao menos ia ver se conseguia ser útil soprando algum moinho pelas estradas da vida. Isso se conseguisse, pois passaram até mesmo a dizer que vento norte não move moinho. Que absurdo!
Lembra com saudade dos tempos em que teve um romance meio maluco com a ventania. Foi tanta paixão que quase enlouquece. Ao entardecer, quando o sol já estava arrumando a mochila, ele ficava soprando em ziguezague, indo pra cima e pra baixo sem saber o que fazer, diante da vontade que a ventania chegasse logo. E de repente ela vinha passando por cima de tudo, soprando com ferocidade, levando perucas pelo ar e deixando muitas matronas só de espartilho. Ao encontrar seu amado, faziam um redemoinho abraçados que destruía o que estivesse por perto. Mas sabia que aquilo não ia dar certo. A ventania amava muito apressadamente e sempre dava uma desculpa para ir logo embora. Depois ficou sabendo que ela tinha um caso mais adiante com o vendaval. Ficou tão triste que pensou em se jogar do ar.
Mas agora estava decidido. Iria partir e não tinha jeito. Estava somente esperando a brisa chegar para deixar um recado e depois pegar um pegar de vento e rumar para o sul. Dizem que vento norte vive bem no sul, pois ali o vento é muito fresco e ele sempre se dá bem. Quer dizer, rola outro clima e coisa e tal.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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